Sobre as eleições 2018. Análise da crise econômica e política no Brasil hoje.
Na postagem anterior, de 7 de setembro (https://cemflores.org/index.php/2018/09/07/sobre-as-eleicoes-burguesas-de-2018-uma-posicao-comunista/), denunciamos o caráter burguês das atuais eleições e o consenso de fundo existente entre as candidaturas da direita e da “esquerda”. Afirmamos que a posição comunista em tal conjuntura é combater aqueles que defendem a via institucional para resolução da grave situação enfrentada pelo proletariado e demais classes dominadas. Ao mesmo tempo, os comunistas devem se empenhar na urgente (re)construção da classe operária enquanto força política real e independente.
Na presente postagem, publicamos nosso documento sobre as eleições de maneira completa, com uma análise mais detida das crises econômica e política anunciadas no texto anterior e do que chamamos de “programa hegemônico burguês” das principais candidaturas à presidência, além das fajutas oposições a esse programa provindas do reformismo e do oportunismo. Por fim, aprofundamo-nos nas tarefas e nas questões centrais da posição comunista defendida anteriormente.
As eleições burguesas de 2018 – entre a crise e o engodo
No próximo mês de outubro serão realizadas novas eleições gerais no Brasil. Sairão das urnas presidente, governadores, senadores e deputados, todos responsáveis por gerenciar a dominação e a exploração capitalista no país. Seguindo uma dança coreografada inúmeras vezes, direita e “esquerda” se lançam de corpo e alma na disputa, cordiais e hipócritas “inimigos” como mostram a foto acima e a solidariedade ao fascista esfaqueado.
Como acontece a cada quatro anos, as eleições burguesas sempre preservam o seu caráter geral – busca por legitimar a dominação burguesa aos por ela explorados– ao lado de diversos componentes específicos, que merecem ser analisados mais detidamente. A consideração desses aspectos, em conjunto, permite compreender melhor seja a conjuntura atual sejam as perspectivas para o próximo momento da luta de classes no Brasil.
Em primeiro lugar, é preciso reafirmar que, no capitalismo – modo de produção cindido de maneira inconciliável entre classes antagônicas, a burguesia e o proletariado – as eleições são organizadas de modo a impedir qualquer possibilidade de mudanças reais para o proletariado e demais classes dominadas. Todos os Aparelhos do Estado Capitalista (os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, as Polícias, a Imprensa, etc.) atuam de forma unânime por esse objetivo. Sua atuação vai desde estabelecer as regras eleitorais (limitação da campanha, proibições diversas) até a imposição da pauta eleitoral (atualmente as “reformas”) e o insuperável tema do “financiamento” das campanhas. Afinal, como defender a ordem burguesa e não ganhar um troco por isso (mesmo agora com o risco de ser preso).
Dessa forma, o caráter geral das eleições burguesas toma a forma da “disputa” entre os candidatos por ver quem mais consegue se legitimar diante da burguesia para implementar seu programa. Essa nos parece ser a chave analítica geral pela qual podemos entender as ações dos candidatos. Com ela se compreende a Carta aos Brasileiros, de Lula e do PT, em 2002. Igualmente, a “conversão” de 2018 do candidato nacionalista, estatista e desenvolvimentista em privatista e neoliberal (todos conceitos da economia burguesa); a ênfase do candidato trabalhista em enfatizar que quando prefeito e governador nunca permitiu déficit nas contas públicas; a candidata verde adotando discurso mais liberal que o candidato tucano; e o substituto petista definindo-se como “pragmático” e buscando “pontes” com o mercado financeiro. Em suma, o programa será o mesmo – aquele definido pela classe dominante – apenas com as diferenças marginais de praxe.
Ou seja, PSL, PDT, Rede, PSDB, PT – no fundo, tanto faz. A eleição se dá apenas no campo da disputa sobre quem tem melhores condições de implementar esse programa e sobre quem consegue paralisar, conter, melhor a revolta do proletariado e das demais classes dominadas, papel desempenhado com muita eficácia pelo PT por uma década, de 2003 a 2013.
Masas eleições burguesas de 2018 ocorrem em cenário de profundas e interligadas crises econômica e política. A conjuntura específica em que são realizadas essas eleições gerais pode ser resumida pelos seguintes aspectos.
- Em primeiro lugar, uma economia mundial ainda longe de superar os efeitos da crise econômica iniciada em 2007/2008, e na qual se agravam as contradições interimperialistas e a tendência ao aumento da exploração e da repressão. Economia mundial que pode estar caminhando para uma nova recessão[i]e enfrenta crises financeiras nos elos mais frágeis dos países dominados, como a Turquia e a Argentina.
- Em segundo lugar, pela continuidade da crise econômica no Brasil (após o fim “oficial” da recessão em 2016), marcada pelo baixo dinamismo da acumulação de capital, pelo elevado e persistente desemprego, baixos salários e ampliação da ofensiva burguesa contra as condições de vida e de reprodução das classes dominadas.
- Em terceiro lugar, pela crise no aparelho político burguês, que vem se agravando desde as manifestações de 2013, as eleições de 2014, o impeachment em 2016, a decomposição do governo atual e a presente campanha eleitoral. A facada recebida pelo candidato do PSL no último dia 6, nesse contexto, pode servir à alternativa burguesa mais explícita e declaradamente neoliberal, repressora e fascista.
- Por fim, do ponto de vista do proletariado e das classes dominadas, temos um duplo fenômeno. Por um lado, as condições de sua exploração, agravadas na atual crise, ainda não fizeram ressurgir com força de massa uma posição proletária, revolucionária. Por outro, temos visto, nos últimos anos, um importante movimento de manifestações na luta sindical e popular por salários, condições de trabalho e de luta – em boa parte por fora do aparelho sindical reformista. Esse movimento se conjuga com virar as costas cada vez mais às políticas institucionais. E isso é algo indispensável, um primeiro passo, para o proletariado agir por conta própria, com sua posição independente, na luta de classes.
Tudo isso considerado, diante da dominação burguesa em crise, devemos reafirmar, no atual cenário de eleições, a independência de classe do proletariado e a necessidade imperiosa de construção de seu partido revolucionário. Como dissemos na ocasião das eleições burguesas de 2014[ii]:
Temos de levar em consideração a ausência de uma organização sindical e partidária capaz de sustentar a posição teórica e política do proletariado enquanto classe independente da burguesia, de suas frações e das demais classes sociais.
Em função desse fato, não cabe às organizações e núcleos de esquerda participar do processo eleitoral de 2014, isto quando se tem em mente, do nosso ponto de vista, retomar a construção da revolução proletária no Brasil. O fato é que os partidos e organizações de esquerda possuem muito pouco enraizamento e base nas lutas operárias e dos trabalhadores para, com independência política, utilizar as eleições, especialmente as majoritárias, de modo revolucionário, comunista, como ensina Lênin.
Ou seja, não mergulhar – de nenhuma maneira – na fajuta tese do “menos pior”, prática recorrente do reformismo e do oportunismo (PT, PDT, PSOL, PCB, MST, MTST, etc.) ao “justificar” sua participação nas eleições e sua crença na via institucional.Nosso dever é combater esse engodo!
Num momento em que parcela significativa das classes dominadas se volta contra a política institucional e contra os políticos burgueses e busca alternativas de organização para enfrentar seus problemas concretos, que tendem a se agravar, o dever dos comunistas é aferrar-se na construção de uma força política real para resistir e crescer, de forma orgânica, teórica-política-ideologicamente. Isso para poder um dia tirar proveito das disputas intraburguesas, e usá-las para a ruptura revolucionária, tarefa principal e inadiável.
As Crises
A economia mundial, o imperialismo, nunca realmente se recuperou da crise iniciada em 2007/2008. Como afirmamos no começo deste ano, sobre a economia internacional:
“Se, por certo, a crise não é o estado permanente do capitalismo, o seu fim e o início de um período sustentado de expansão do capital não parecem estar à vista, quer olhemos para a dinâmica da reprodução ampliada do capital, quer para o capital fictício ou para a evolução da taxa de lucro“[iii].
Adicione-se, agora, que a economia mundial pode estar se aproximando de uma nova recessão. Os sinais que indicam essa tendência são o pico de crescimento e de lucros nos EUA após o corte de imposto para a burguesia, realizado por Trump; a fraqueza do crescimento na Europa e no Japão; a desaceleração na China; a guerra comercial entre EUA e China (principalmente); os baixos níveis de investimentos mundiais; o valor recorde do endividamento dos governos, dos capitalistas e da população; a as recentes crises financeiras que atingem em cheio Turquia e Argentina[iv].
E, obviamente, a crise da economia mundial também atinge o Brasil, ainda mais na situação atual, de continuidade da crise iniciada com a histórica recessão de 2014/2016 (datação realizada pela economia burguesa). Como conclui Michael Roberts em seu artigo sobre a bonança de lucros de Trump:
O segundo trimestre de 2018 será o pico do crescimento dos EUA, como também será para os lucros corporativos, com a dissipação dos efeitos únicos do corte [de impostos]de Trump. E nós ainda temos os impactos das políticas protecionistas de Trump no crescimento global para considerar.
A atividade econômica está enfraquecendo de novo na Europa. … Todas as três áreas [Europa, Japão e EUA] ainda estão crescendo, mas o ritmo está desacelerando.
E também há a crise da dívida dos “mercados emergentes” – Argentina, Turquia, Venezuela em direção ao Brasil e à África do Sul. Portanto, o último trimestre não será superado pelo atual.
No Brasil, é indiscutível que a crise econômica, crise do capital, continua. Nada parece indicar tão cedo uma recuperação mais sustentada da acumulação capitalista, mesmo diante da enorme ofensiva de classe burguesa para ampliar seus lucros/ampliar a exploração. Ironicamente, a única retomada de crescimento, investimento, geração de emprego e renda, expansão do consumo e do crédito aparece nos ilusionistas e fictícios programas de governo dessas eleições[v].
Mas para aqueles que buscam realizar uma análise materialista, a partir da teoria marxista e da posição proletária, as coisas se mostram completamente diferentes. Todos sabemos que o crescimento de uma economia capitalista é oriundo da reprodução ampliada do capital, da capitalização da mais-valia, seja a que o próprio capitalista obteve no ciclo anterior de produção, seja por meio do crédito. Os gráficos abaixo mostram a evolução do PIB, do investimento e do crédito total desde 2013, antes do início da recessão.
O investimento sofreu uma devastação durante a recessão, com sua queda atingindo 29,9%. Depois disso, não houve qualquer crescimento digno do nome. Em função disso, o PIB caiu mais de 8% e, nos três últimos trimestres encontra-se completamente estagnado. O golpe final no governo Temer, a greve dos caminhoneiros, colocou a pá de cal na fantasiosa recuperação. Dessa maneira, os turbilhões no mercado financeiro se seguem uns após os outros[vi]. O dólar bate 4,15, a Bovespa acentua seu comportamento de montanha-russa e os juros do mercado financeiro não param de subir.
Da mesma forma que para todos os demais indicadores da economia, a crise também não acabou no mercado de crédito bancário. O gráfico acima mostra o total do crédito despencando de quase 54% do PIB para 46%. A razão disso é a falta de “vontade” dos bancos para emprestar dinheiro, sabendo que as chances de calote são grandes, com a falta do crescimento e o desemprego. E, no entanto, os lucros dos bancos nunca param de crescer.
A situação é ainda pior no mercado de trabalho. Agora que o IBGE calcula o que ele chama de “taxa composta de subutilização da força de trabalho” – total do desemprego “tradicional” mais as pessoas que não trabalham em tempo integral por falta de oportunidade e aquelas que querem trabalhar mas desistiram de procurar emprego, porque não vão achar mesmo – vemos que esse indicador continua batendo recordes. Essa taxa foi recorde no primeiro trimestre deste ano, 24,7%, representando mais de 27 milhões de trabalhadores brasileiros.
E “quem entra no mercado de trabalho hoje no Brasil é via informalidade. Ao se somar todas as parcelas informais, podemos dizer que cerca de 40 por cento da mão de obra hoje do mercado é informal. E isso vem só aumentando“, disse Cimar Azeredo, coordenador da pesquisa do IBGE, à Reuters[vii]. Com isso, o buraco causado no mercado formal, com três anos seguidos de saldos negativos de geração de empregos formais (cujo estoque voltou ao patamar de 2011), fica ainda mais longe de ser recuperado. Foi nesse contexto de grave crise no mercado de trabalho que foi aprovada a reforma trabalhista, visando rebaixar ainda mais o valor da força de trabalho e aplacar a resistência da classe operária frente à sua exploração.
Vale destacar que Norte e Nordeste são as regiões mais atingidas pelo desemprego, junto com alguns setores da população como negros, mulheres e jovens. Ou seja, se reforça a já enorme e estrutural desigualdade do capitalismo brasileiro.
Com essa situação do emprego, uma consequência é a estagnação dos rendimentos reais dos trabalhadores. O último valor apurado pelo IBGE, R$2.198,00 é 0,5% menor que o do primeiro trimestre de 2015. A queda e o aumento que se podem ver no gráfico acima são apenas o efeito do aumento da inflação em 2015 e sua queda posterior.
A crise e a sanha capitalista pelas suas taxas de lucro vêm significando ao povo brasileiro uma dose gigantesca de sacrifício, visível não só pela ampliação do exército industrial de reserva, mas de sua consequência imediata: a miséria – tal como definia Marx na Lei Geral da Acumulação Capitalista.
Utilizando a linha de corte do Banco Mundial, a LCA Consultores[viii], a partir dos dados do IBGE, constatou crescimento de 11% da extrema pobreza em 2017. São quase 15 milhões de pessoas vivendo com menos de 1,90 dólares por dia. A ActionAid Brasil[ix]demonstrou que em 2017 a extrema pobreza voltou ao patamar de 2005, recuo de mais de uma década. Ou seja, a crise fez migalhas, em pouco tempo, do maior “avanço social” propagandeado pelo petismo. Por outro lado, também recriou a base material para a recente força eleitoral de Lula e da ideologia de combate à “desigualdade social”[x].
Com o aumento da miséria, a fome e doenças há muito eliminadas voltam às casas dos trabalhadores. Fora a violência brutal: quase 64 mil assassinatos em 2017, número superior ao total de americanos mortos nos 10 anos de guerra no Vietnã. Eis uma base material para a força eleitoral do fascismo: o medo.
Um último gráfico[xi], com uma sequência decrescente de projeções do FMI para o PIB brasileiro, permite-nos, por fim, chamar o que estamos vivendo de uma nova década perdida[xii]: a retomada do patamar de 2014 demorará ainda alguns anos. Isso caso as “otimistas” previsões do FMI se confirmem…
… e o engodo
A crise econômica profunda e prolongada é o pano de fundo da crise política, que não só transformou os governos Dilma e Temer em sucessivos campeões de impopularidade, como também está afetando a legitimidade do próprio sistema político burguês, que, por sua vez, vê-se afundado em agudos e instáveis “conflitos institucionais”.
Sendo, como afirmavam Marx e Engels, o governo nos estados capitalistas nada além de um comitê para gerir os negócios da burguesia, a razão primeira para a crise política atual no Brasil é a incapacidade dos governos e do aparelho político de realizar essa gestão a contento dos patrões. Sob esse ângulo, temos como marcos a desaceleração do crescimento, em 2012, a recessão, a partir de 2014, e a incapacidade de sustentar o crescimento em 2017 e 2018.
Com essas datas em mente, podemos marcar o início da crise política em 2013, com as gigantescas manifestações de massa em junho daquele ano. Embora com pautas, interesses e segmentos de classe variados, interessa ressaltar aqui a crítica das Jornadas de Junho à institucionalidade, ao sistema político burguês como um todo – início da profunda queda de legitimidade.
Na sequência, houve a eleição de 2014 e o chamado “estelionato eleitoral” de 2015. O objetivo principal da campanha petista em 2014 era esconder a recessão, enquanto o PT buscava se legitimar junto à burguesia como ainda capaz de implementar seu programa, o que buscou fazer com a simbólica indicação do banqueiro do Bradesco, Joaquim Levy, para o Ministério da Fazenda[xiii]. Nada diferente do que fez Lula em 2003, indicando o banqueiro do Banco de Boston, Henrique Meirelles, para a presidência do Banco Central.
Esse movimento garantiu pouco menos de um ano de “trégua” ao PT, com o apoio explícito dos banqueiros e dirigentes das associações patronais. Mas uma crise do capital não é “domada” por políticas econômicas apenas. A crise é, em geral, momento para a burguesia implementar mais facilmente “reformas” e políticas que ampliarão seus lucros no próximo período de expansão, dada sua ofensiva na luta de classes.
Mas essa “trégua” foi apenas de curto prazo. Já no final de 2015 se inicia o processo do impeachment que levaria à troca de governo no ano seguinte. Claro que nada relacionado a “pedaladas fiscais” e tudo a ver com o agravamento da recessão…
Todo esse processo ocorre em conjunto com a desmoralização de todo o sistema político como corrupto pela operação Lava-Jato, que revela uma pequena parte da corrupção inerente ao capitalismo. PT, MDB, PSDB e todo o Centrão são atingidos, com prisões generalizadas de deputados, ex-Ministros, até chegar em Lula, além de vários empresários.
Nas eleições municipais de 2016, quase um terço do eleitorado se absteve ou votou branco ou nulo[xiv]. O então presidente do TSE, Gilmar Mendes, alegou à época um “estranhamento” entre eleitores e candidatos. Um eufemismo para o fato de que, no segundo turno da segunda maior metrópole do país, o município do Rio de Janeiro, o “não voto” superou o candidato a prefeito vencedor (Crivella) e as abstenções passaram o candidato derrotado (Freixo). Em ambos os casos, com algumas centenas de milhares de diferença…
Após mostrar bons serviços ao capital, como a aprovação das reformas, principalmente a trabalhista, o governo Temer é fulminado com a divulgação da conversa do presidente com Joesley Batista em maio de 2017. Na sequência, todo o seu círculo íntimo é preso e/ou processado. O governo vira zumbi, não conseguindo implementar mais nada praticamente do programa burguês, faltando mais de ano para seu encerramento.
A reação das classes dominadas diante desse cenário de crise política é de uma desconfiança crescente quanto à política tradicional, a institucionalidade, o Estado. As classes dominadas começam a procurar suas próprias iniciativas, como parecem demonstrar a multiplicação de iniciativas populares, organizações, movimentos, nos seus locais de moradia, para temas culturais, combate à discriminação, etc. Nos últimos anos, importantes lutas sindicais passaram por fora dos aparelhos sindicais (em algumas vezes, até contra estes). Dessas atitudes surgem suas lutas econômicas, que resistem apesar da crescente repressão, e o potencial, o embrião, de sua posição política e ideológica independente, contra o governo da classe que a explora e as posições burguesas fantasiadas de “esquerda”.
Em termos diretamente eleitorais, a crise política se reflete nas eleições presidenciais de 2018 de diversas formas. Por um lado, na fragmentação das candidaturas que, se é reflexo da destruição causada no sistema político pela Lava-Jato, também é causada pela perceptível dificuldade de encontrar candidatos que sejam minimamente aceitos, tanto pelas frações burguesas e seus representantes, como por uma população cada vez mais odiosa com tal sistema. Por outro, na ampliação das incertezas políticas, afetando o nível de coesão entre a burguesia, seu Estado e seus representantes, dificultando ainda mais possíveis “saídas” da crise econômica. Dessa forma, as crises econômica e política, interligadas, se reforçam.
É nesse contexto que as frações burguesas focam em 2019 e se preparam, mais propriamente seus representantes à esquerda e à direita, para mais uma disputa por um pedaço do Estado Capitalista. O cenário eleitoral, como dito, está fragmentado e incerto.
Começando pela candidatura petista, de Lula, preso pela Lava-Jato. Lula teria quase 40% das intenções de voto, de acordo com as pesquisas, majoritariamente no Nordeste e nos setores populares. Diante desse recall, e após a importante derrota nas eleições municipais de 2016, o PT, mais uma vez, busca explorar a dualidade institucional/popular para, por um lado, se legitimar nas classes dominantes e, por outro, buscar votos entre os dominados. Pelo lado institucional, uma sequência infindável de recursos nas diversas instâncias da justiça brasileira, reafirmando sua crença nas “instituições”. Pelo lado popular, o reforço do discurso de oposição ao governo Temer e novas promessas desenvolvimentistas e de distribuição de renda.
O próximo passo da farsa petista foi substituir Lula pelo seu novo poste, desta vez, Fernando Haddad, auto-definido como “pragmático”. O PT aposta, por um lado, na capacidade de Lula transferir seus votos para seu indicado e, por outro, na sua interlocução com o “mercado”. De acordo com o Estado de São Paulo:
“A campanha [do PT] … intensificou nas últimas semanas o diálogo com representantes de grandes bancos, instituições financeiras e corretoras de investimentos.
… já se reuniram com o petista líderes de instituições como J.P. Morgan, BTG Pactual, Morgan Stanley e Febraban. Ele recebeu convites também da Genial Investimentos, BGC/HSBC, Banco Plural, Concordia, Guide Investimentos, MBC/Gerdau e teve um encontro na XP Investimentos na semana da convenção petista.
Uma pergunta ouvida frequentemente pelo ex-prefeito … é quem seria a alternativa do PT para comandar o Ministério da Fazenda …. Embora evite falar em nomes, Haddad costuma detalhar nas conversas um perfil que considera adequado: um quadro conhecido do mercado, com credenciais fortes, afinado ao projeto petista e dono de uma biografia que remeta ao pragmatismo.”[xv]
Matéria da revista Exame vai na mesma toada:
“’Na verdade, esperamos uma orientação de políticas muito mais amigáveis ao mercado” …
Um dos motivos é que o tom adotado por líderes do partido ouvidos pela Eurasia a portas fechadas é diferente, com amplo reconhecimento da necessidade de um ajuste fiscal.
De acordo com reportagem da Reuters, líderes de instituições financeiras que se encontraram privadamente com Haddad também relatam razoabilidade e abertura ao diálogo.
A consultoria prevê que uma eventual nova administração do PT iria suavizar rapidamente suas posições, seguindo o modelo pragmático de Lula em 2002.”[xvi]
Na ausência de Lula na urna eletrônica, o líder das pesquisas, com mais de 20% dos votos, o que provavelmente é suficiente para chegar ao segundo turno, é Jair Bolsonaro. O sete vezes deputado sempre foi um irrelevante participante do baixo clero, mais conhecido pelo ridículo, pela teatralidade e pelo sectarismo com que externava suas posições políticas: defesa da ditadura militar, de assassinatos políticos e da repressão mais violenta aos movimentos sociais; racismo, misoginia e discriminação a homossexuais. Sempre foi um personagem isolado, seguidamente forçado a trocar de partido.
No entanto, na situação de prolongadas crises econômica e política, uma quantidade crescente de setores da burguesia e das camadas médias passa a defender, explicitamente, “soluções de força” para a crise. É um discurso recorrente nesses setores, sempre que necessário (como em 1964): contra a corrupção, pela moralidade, e pela defesa dos valores da família e da pátria.
Por trás do discurso moralista está sua genuflexão principal: “Não faremos nada da nossa cabeça. Os senhores que estão na ponta das empresas serão os nossos patrões”[xvii]. Não por outra razão pretende, em seu eventual governo, tocar a parte da repressão diretamente com generais nomeados Ministros, e terceirizar a parte econômica para o neoliberal de Chicago, Paulo Guedes.
A alternativa fascista, mais explicitamente repressora, pode ter se reforçado de forma decisiva com o ocorrido no último dia 6 de setembro em Juiz de Fora, quando um indivíduo desferiu uma facada no candidato. Por trás do discurso violento e opressor do fascismo, há sempre a vitimização do fascista. Seriam “pessoas de bem” presas em casa pelos bandidos, famílias ameaçadas pela “ideologia de gênero”, trabalhadores que perderam seus empregos para imigrantes, e agora, alguém que “nunca fez mal a ninguém” como vítima.
Até aqui, quem está sendo mais atingido pela ascensão do candidato fascista é o representante da direita tradicional, Geraldo Alckmin do PSDB-Centrão. Não é à toa, portanto, que ele tem sido o responsável pelos ataques mais diretos ao candidato do PSL, que aparentemente haviam elevado a rejeição a Bolsonaro, mas que foram interrompidos após a facada. Na conjuntura atual, no entanto, um candidato visto como “mais do mesmo” (PSDB, apoio a Temer[xviii], etc.) tem poucas chances, apesar do seu tempo de TV e capilaridade partidária nacional.
O espólio lulista é disputado por três de seus ex-Ministros: Haddad, pelo PT; Marina (Rede) e Ciro Gomes (PDT). No caso da candidata verde, sua estratégia segue a mesma da campanha de 2014, mostrar-se ao mesmo tempo “petista”, com o discurso “social”, e “peessedebista”, com o discurso neoliberal. Ciro, por sua vez, foca no desenvolvimentismo e no país voltar a crescer, acoplado com o reconhecimento da “necessidade do ajuste fiscal” e das reformas, dizendo que quer substituir as de Temer pelas próprias. Em suma, “verde” ou “trabalhista”, ambos misturam uma retórica (pseudo-)”progressista” com a pauta exigida pelo capital, semelhante ao PT.
O fundamental é ver que todos os que estão no páreo representam um mesmo “programa hegemônico”, com propostas que atendem, de forma mais rápida ou com etapas, às reformas exigidas pela burguesia. Ou seja, todos representam, com variações, a continuidade do governo do capital.
Na intenção, fajuta ou sincera, de se opor a esse programa burguês hegemônico, alguns movimentos sindicais e populares e vários militantes, além da candidatura do PT, têm sido atraídos pela candidatura, entre outras inexpressivas, do PSOL. Tal campo acaba por defender, do ponto de vista político, a participação nas eleições e a possibilidade de estas mudarem alguma coisa para as classes dominadas, caso se possua a “força dos votos” ao seu lado. Reforçam, assim, a ideologia burguesa, a crença de que esta pseudodemocracia seja expressão de uma ideia de democracia “universal”. Por outro lado, ressaltam a necessidade de resistir à direita, ao fascismo, mais propriamente à Bolsonaro.
Esse campo defende, do ponto de vista econômico, um projeto ligado ao capital nacional, “desenvolvimentista”, defendendo o crescimento capitalista com geração de emprego e renda, o que chamamos de capitalismo utópico. Isso porque essa “‘esquerda’, partindo dos mesmos princípios ideológicos que Engels critica, noções morais como justiça e igualdade, não trata de defender um socialismo utópico, do que trata e defende é da construção de um capitalismo utópico, ‘… um desenvolvimento nacional de longo fôlego, harmônico e virtuoso…‘”, desconsiderando todas as determinações atuais do imperialismo[xix].
Quanto ao suposto combate à direita, é preciso deixar claro que foi exatamente o reformismo e o oportunismo que atuaram durante anos para desorganizar a resistência operária e popular (facilitados pela inexistência de uma organização comunista), pregando a ilusão da conciliação de classes, de uma sociedade onde todos (dominantes e dominados) poderiam ganhar. Foram os 14 anos de governo petista, quando o capital monopolista brasileiro (financeiro e industrial) ganhou tudo o que quis e depois descartou o petismo por não ter mais eficácia em sua função de conter a resistência das classes dominadas e gerar lucros para o capital, o terreno de crescimento dessa direita (além da corrupção dos governos petistas, é claro, seguindo as trilhas anteriores de FHC, Collor, Sarney, militares, etc.).
Assim, o chamado para o combate à direita e ao fascismo através das urnas é hipócrita. Aliás, após a facada, foram os próprios partidos de “esquerda” os primeiros a defender o próprio Bolsonaro como candidato democrático e legítimo. E, além de hipócrita, é ineficaz, conduz-nos à derrota. A fascistização é uma resposta, uma tentativa de solução, às crises econômica e política da burguesia. E seu combate definitivo é no terreno da luta de classes, no reforço da posição proletária, e não na desesperada tentativa de recompor o terreno reformista e suas ilusões.
Por último, qualquer que seja o resultado das eleições, tudo indica que “a crise política permanecerá no próximo ano. O cenário de ‘estabilização’ em 2019 não é mais que um desejo piedoso.”[xx]Nos baseamos, para essa tese, na continuidade da crise econômica, na forte fragmentação, confusão e incerteza no cenário político e no imenso rechaço das classes dominadas a tudo que cheira à política institucional.
Alternativa
Para a classe operária e os demais trabalhadores, no entanto, o fundamental é saber que qualquer que seja o caminho tomado pelo capitalismo brasileiro e sua representação política, a continuidade da deterioração de suas condições de reprodução e o aumento de sua exploração é a única certeza. O Estado tende a tomar formatos de violência mais direta para que a acumulação do capital consiga se ampliar novamente, afastando os trajes “democráticos” já bastante desgastados. Nesse caso, o mote continua a ser: preparar e ampliar a resistência!
Para nós, resta absolutamente claro que participar dessa armadilha ideológica que são as eleições burguesas hoje, sem nenhuma capacidade (por conta da quase inexistente posição proletária concreta entre os trabalhadores) de utilizar essa conjuntura para denunciar o sistema e apontar sua superação revolucionária, ou é o mais profundo “cretinismo parlamentar” (Lênin), ou o velho reformismo vulgar, o abandono da tarefa central de reconstruir a posição (teórico-prático-ideológica) independente do proletariado.
O nível de interesse e participação dos explorados no processo atual é pífio. Devemos fugir dessa armadilha, não nos contaminarmos com o vírus do reformismo burguês e investir todas nossas forças na tarefa de crescer junto ao proletariado e demais classes dominadas, na sua luta cotidiana contra o inimigo de classe, no seu processo de retomada de sua posição na luta de classes.
Nesse sentido, as questões centrais que se colocam são: retomar a posição proletária como guia teórico-prático da classe operária em sua luta; construir (ou reconstruir) o instrumento de luta da classe operária, o partido do proletariado; estimular e ampliar a capacidade de luta, resistência, consciência e organização das massas populares, em especial, de seu núcleo mais determinado: a classe operária.
A conjuntura de aprofundamento da crise e das tensões (da luta de classes) no Brasil e no mundo indica claramente a tarefa: crescer nas concentrações operárias, organizar-se junto a elas e estimular as lutas de resistência que já acontecem no Brasil todo, principalmente a partir de 2013.
Como cantava o hino da Internacional: nada esperar dos senhores, patrões e chefes supremos; fazer com as próprias mãos tudo o que a nós nos diz respeito. Essa é a tarefa da qual não podemos nos desviar um milímetro sequer. Reconstruir e afirmar um núcleo proletário na luta de classes para, em torno dele, construir um campo. Pode parecer (e é) uma tarefa longa e difícil. Mas é a única para acabar com a exploração capitalista, raiz principal de todas as desgraças que assolam o povo brasileiro.
Notas
[i]Essa parece ser a posição do Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz ao concluir seu mais recente artigo: “Essas são as lições que nós devemos ter em mente enquanto nos preparamos para a próxima recessão”. In: Além da Estagnação Secular, de 5 de setembro de 2018, disponível em https://www.project-syndicate.org/commentary/stiglitz-beyond-secular-stagnation-larry-summers-debate-by-joseph-e-stiglitz-2018-09.
[ii]https://cemflores.org/index.php/2014/09/08/notas-sobre-a-conjuntura-da-luta-de-classes-e-as-eleicoes-de-2014/.
[iii]https://cemflores.org/index.php/2018/02/14/a-continuidade-da-crise-do-imperialismo/.
[iv]Para análise mais detalhada das condições da economia mundial, remetemos os camaradas e leitores ao blog The Next Recession, de Michael Roberts, especialmente os textos:
– A Economia Global Atingiu o Pico?,, de 20 de abril de 2018. https://thenextrecession.wordpress.com/2018/04/20/global-economy-peaked/;
– Uma Crise Global de Dívida À Nossa Frente?, de 8 de maio de 2018. https://thenextrecession.wordpress.com/2018/05/08/global-debt-crisis-ahead/; e
– A Bonança dos Lucros de Trump, de 30 de agosto de 2018. https://thenextrecession.wordpress.com/2018/08/30/trumps-profits-bonanza/.
[v]A própria imprensa burguesa tem “puxado a orelha” de seus candidatos por suas propostas. A manchete principal da Folha de São Paulo do dia 28 de agosto de 2018 foi: “Planos de governos dos presidenciáveis são pouco realistas: programas subestimam fragilidade financeira do país ao traçar objetivos para áreas como educação e segurança“. Essa também é uma forma do aparelho ideológico capitalista impor o programa da burguesia aos candidatos.
[vi]”Essa tendência à estagnação – que indica a continuidade da crise econômica do capital no país – agravou e impulsionou o impacto nos mercados financeiros: fuga de capital estrangeiro, aumento dos juros, e desvalorização do real.
A primeira semana de junho foi caótica nos mercados financeiros. Na Bolsa de Valores, os capitalistas internacionais retiraram R$ 2 bilhões nos primeiros quatro dias de junho (R$ 4 bilhões até o dia 13), após a fuga de capitais de R$ 8,4 bilhões de maio – maior valor mensal desde julho de 2008 – já somando R$ 17,6 bilhões desde fevereiro. Com isso, o índice da Bovespa despencou dos 86,5 mil pontos em meados de maio para 71,4 mil no dia 14, um tombo de 16%. Essa saída de capital estrangeiro desvalorizou o real. Enquanto no começo do ano, o dólar custava R$ 3,20, superou R$ 3,90 no último dia 7. A variação entre esses dois picos chegou a 24%. Por fim, os juros futuros – que balizam a remuneração do capital portador de juros – dispararam naquela semana.
Diante disso, o Banco Central anunciou que vai gastar pelo menos US$ 20 bilhões por semana para controlar o dólar e o Tesouro Nacional, que vai fazer leilões de recompra de títulos públicos pelo tempo que for necessário.”
Ver mais em: https://cemflores.org/index.php/2018/06/16/os-limites-da-dominacao-capitalista-no-brasil/.
[vii]https://br.reuters.com/article/topNews/idBRKBN1KL1Z5-OBRTP.
[viii]https://www.valor.com.br/brasil/5446455/pobreza-extrema-aumenta-11-e-atinge-148-milhoes-de-pessoas.
[ix]https://apublica.org/2018/07/a-extrema-pobreza-voltou-aos-niveis-de-12-anos-atras-diz-pesquisador-da-actionaid-e-ibase/.
[x]Para uma crítica mais profunda a essa ideologia, ver: https://cemflores.org/index.php/2014/12/17/a-propaganda-da-diminuicao-da-desigualdade-social-no-brasil-e-seu-proposito-ideologico/.
[xi]https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2018/08/O-Brasil-de-amanh%C3%A3-WEB.pdf.
[xii]Recente estudo publicado na Folha de São Paulo de 2 de setembro de 2018, mostra que o crescimento do PIB de 2019 e 2020 teria de ser de 6% ao ano para que a atual década perdida (2011-2020) não fosse pior que a anterior (1981-1990). Ou seja, já estamos vivendo a pior década perdida, caso se olhe pela variação média anual do PIB. https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/09/governo-temer-termina-marcado-pelo-pior-ciclo-de-crescimento-em-cem-anos.shtml.
[xiii]Analisamos essa situação no texto Os Três Banqueiros, o PT e a Crise Econômica Brasileira, http://cemflores.hospedagemdesites.ws/index.php/2014/12/07/o-tres-banqueiros-o-pt-e-a-crise-economica-brasileira/.
[xiv]http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2016/noticia/2016/10/abstencoes-votos-brancos-e-nulos-somam-326-do-eleitorado-do-pais.html
[xv]https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,haddad-tenta-aproximacao-com-mercado-financeiro,70002469428.
[xvi]https://exame.abril.com.br/brasil/a-boa-e-a-ma-noticia-de-um-eventual-governo-haddad-segundo-a-eurasia/.
[xvii]https://exame.abril.com.br/brasil/sob-aplausos-bolsonaro-critica-desde-cotas-para-negros-ate-imprensa/.
[xviii]Fato relembrado pelo presidente-zumbi nas redes sociais: https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/09/05/temer-divulga-video-no-twitter-para-contestar-criticas-da-alckmin-ao-governo.ghtml.
[xix]http://cemflores.blogspot.com/2018/06/o-capitalismo-utopico-da-esquerda.html.
[xx]Na mesma ocasião, afirmamos: “a continuidade a perder de vista da crise política se expressa na cada vez mais clara dificuldade das eleições do final do ano representarem o início de um restabelecimento das “condições normais” da hegemonia burguesa, de sua dominação política e ideológica e da implementação de seu programa de “reformas”.” https://cemflores.org/index.php/2018/06/16/os-limites-da-dominacao-capitalista-no-brasil/.