A conjuntura internacional ao final de 2020: crise, pandemia e resistência
Cem Flores
04.12.2020
As Crises do Capital no Século 21
As duas primeiras décadas deste século 21 já testemunharam três crises globais do capital, iniciadas em 2001, 2008 e 2020. Neste ano, o sistema imperialista mundial afundou novamente na recessão sem que tenha conseguido sequer se recuperar inteiramente, em escala global, da crise iniciada em 2008. Os efeitos permanentes da crise anterior se somam e agravam os efeitos permanentes da crise atual.
Esse encadeamento sucessivo de crises do capital se deve ao agravamento de todas as contradições do capitalismo na atual conjuntura de crise do sistema imperialista. Tendências de queda da taxa de lucro, de superprodução de mercadorias e de superacumulação de capitais; centralização do capital e aumento das dimensões e do poder dos monopólios e do capital financeiro, com multiplicação do capital fictício; recrudescimento dos conflitos interimperialistas, do autoritarismo e da repressão; concentração de riqueza e aumento de desigualdades; crescente exploração da força de trabalho, aumento da superpopulação relativa e também da miséria e da fome; agravamento da contradição burguesia/proletariado e ofensiva burguesa em todas as frentes. Esta é a verdadeira face, cada vez menos oculta, do capitalismo atual, do putrefato sistema imperialista neste começo do século 21.
Essas mesmas contradições, dialeticamente, causam profundas mudanças e mesmo reconfiguram a dinâmica do sistema imperialista mundial. Trata-se de alterações na relação de forças entre as principais potências imperialistas, especialmente EUA (potência descendente em termos relativos) e China (potência ascendente), com seus diferentes ritmos de acumulação de capital e níveis de taxa de lucro, sua busca por manter/consolidar e/ou ampliar zonas de influência, e as decorrentes influências política, ideológica, econômico-financeira, militar nessas zonas e no mundo todo. Essa nova dinâmica que busca se estabelecer tem como agentes principais os monopólios capitalistas em seu processo de superação da concorrência e expropriação dos concorrentes, criação de novos setores de acumulação mediante inovações tecnológicas e busca de contrarrestar a queda da taxa de lucro mediante os superlucros monopolistas e a maior exploração e opressão da força de trabalho ao redor do mundo.
A Lei Geral de Acumulação Capitalista
No capitalismo, especialmente na sua atual fase imperialista, necessariamente convivem essas inovações e a acumulação de capital com a brutal e crescente exploração da classe operária e das demais classes dominadas que as possibilitam. Os exemplos são infindáveis. São os IPhones da Apple – maior empresa do mundo por valor de mercado, US$ 2 trilhões (maior do que o PIB brasileiro de 2019, US$ 1,8 trilhão) – manufaturados nas verdadeiras Casas de Trabalho inglesas do século XIX, recriadas nas fábricas da Foxconn na China. É o sistema 996 (12 horas de trabalho, de 9 da manhã às 9 da noite, 6 dias por semana) da China, país com a maior produção industrial do mundo e também maior exportador mundial, contra toda a luta operária desde o século XIX pela jornada máxima de 8 horas. São as reformas trabalhistas alemãs, pelas quais a maior potência mundial de alta tecnologia, reduziu salários, criou “contratos flexíveis” ou “zero hora”, reduziu o seguro desemprego, etc. É a queda da expectativa de vida com as chamadas “mortes por desespero” (suicídios, overdoses, alcoolismo, etc.), na maior potência imperialista atual, os EUA, onde também convivem o maior número de bilionários do mundo com o crescimento dos atendidos pelos programas contra a fome. São os “civilizados” países imperialistas europeus afogando no Mar Mediterrâneo os imigrantes africanos, negros e pobres, com crescentes discursos racistas, xenófobos e neonazistas. É o agronegócio brasileiro e seu recorde de exportações juntamente com o trabalho escravo e a devastação ambiental.
Não se tratam de paradoxos, contingências, falhas de mercado ou de algo que possa ser “corrigido” por “políticas públicas”. Trata-se do próprio funcionamento do capitalismo, do imperialismo, da ação da lei geral de acumulação do capital. Lei que revela o “caráter antagônico da acumulação capitalista” (Marx) e impulsiona a resistência das massas contra a exploração e a opressão, em uma luta de classes contínua e implacável.
A Crise do Capital de 2020 e a Pandemia de Coronavírus
Como indicamos nas nossas Teses sobre a Conjuntura, de 10 de janeiro, a economia mundial já se encaminhava para uma nova recessão desde o final de 2018. Todos os indicadores econômicos na virada de 2019 para 2020 apontavam para a recessão: taxas de lucro em queda, desaceleração dos investimentos, da produção industrial e do comércio exterior, queda dos preços das commodities, etc. As características específicas dessa crise do capital foram definidas pela pandemia global do novo coronavírus e seus impactos econômicos e sociais (fechamento da indústria e do comércio, isolamento social, interrupção das cadeias de produção globais, aumento do desemprego etc.) – detonadores e agravantes da crise.
Tais características específicas levaram a uma queda vertiginosa da produção e da circulação de mercadorias, inclusive o comércio internacional, e à explosão do desemprego em massa no primeiro semestre do ano, de forma praticamente sincronizada em todos os países. Governos, bancos centrais e aparelhos internacionais do capital agiram intensamente – a partir do aprendizado da crise de 2008/09 – com a criação trilionária de capital fictício em socorro dos bancos e empresas (incluindo “flexibilização” ainda maior das leis trabalhistas), e destinando parte dessa criação de dívida públicapara programas de manutenção do consumo. Em seguida, a desaceleração do contágio e, principalmente, a flexibilização do isolamento estimularam a retomada da produção no segundo semestre, possibilitando recuperações parciais em diferentes ritmos em cada país ou setor econômico.
Outros efeitos permanentes da crise, tanto a atual quanto a de 2008/09, estão nos mercados financeiro e de crédito, com o aumento explosivo do endividamento, privado (empresas e consumidores) e público, e da geração de capital fictício. O capital fictício se alavanca com a criação de poder de compra pelos bancos centrais e pela dívida pública crescente e, em seguida, se espalha na forma de bolhas nos mercados de ações, fluxos internacionais de capitais, derivativos e outros instrumentos financeiros. Essas bolhas de capital fictício são antecedentes de novas crises financeiras.
O número diário de contaminados e mortos por coronavírus no mundo nunca foi tão alto quanto no final de novembro. Há uma segunda onda bem caracterizada na Europa e crescimento dos casos dos EUA à Rússia, passando por Brasil e México. As exceções são a China e seus vizinhos do sudeste asiático. Os monopólios médico-farmacêuticos (EUA: Pfizer, Johnson & Johnson, Merck, Moderna; Reino Unido: AstraZeneca; Suíça: Novartis; França: Sanofi; China: Sinopharm, Sinovac Biotech, CanSino; Rússia: Gamaleya; Índia: Zydus Cadila, Barath, entre muitos outros), com apoio dos estados nacionais, promovem acelerada corrida científico-capitalista pelos bilionários lucros dos contratos para o fornecimento de centenas de milhões de doses de vacinas. No entanto, a perspectiva de efetiva imunização para as massas trabalhadoras de todos os países permanece distante, continuando a sina de ter que trabalhar para viver, correndo o risco de contaminação e morte, sem as adequadas ou mesmo mínimas condições de segurança.
Desde o primeiro momento, são essas mesmas massas trabalhadoras, moradores das periferias, pobres, as mais atingidas pela pandemia. Seja por não lhes ser possível o trabalho remoto e pela carência de serviços públicos (saúde, transporte, moradia, saneamento etc.), seja pelo desemprego e pelo aumento da miséria e da fome, todos esses fatores contribuindo para uma maior letalidade da pandemia entre nós.
Além da questão sanitária, de saúde pública, o próprio agravamento das contradições capitalistas com a crise atual faz com que mesmo a frágil e parcial recuperação não se sustente neste final de ano e em 2021. Novamente, as exceções parecem ser a China e seus parceiros do sudeste asiático, que devem sair da recessão ainda em 2020. Após uma rápida, porém parcial, recuperação em “V” com a flexibilização do isolamento social, a atividade econômica já voltou a fraquejar na maioria dos países. As perspectivas, mesmo dos aparelhos internacionais do capital, são de uma nova desaceleração do ritmo de crescimento mundial, tal como havia acontecido após a crise de 2008/09 – para um ritmo cada vez mais baixo (e desta vez, sem a exceção chinesa).
A Crise do Capital de 2020 e o Sistema Imperialista Mundial
A “crise da pandemia” é mais uma crise do capitalismo que terá impactos permanentes de desaceleração/estagnação em cada país e na economia mundial, como tem acontecido nas crises deste século. Ao invés de crises como momentos de reposição das condições de acumulação, após e em função das quais a acumulação capitalista retoma sua trajetória, as crises no século 21 têm tido um caráter diferente. A economia capitalista mundial seguia um ritmo de expansão até 2007, a crise de 2008/09 representou perda permanente de produção e desaceleração do ritmo de crescimento durante a década seguinte. Da mesma forma, a crise atual também representa uma perda permanente de produção (que o FMI projeta em US$28 trilhões até 2025 – ou cerca de dois PIBs anuais da China) e uma nova desaceleração, para um ritmo ainda mais lento.
De crise em crise agrava-se o estado depressivo do imperialismo que, entretanto, ocorre em diversos ritmos dependendo do país ou conjunto de países considerado. Isso significa que há diferenças importantes entre os países, setores e monopólios, suas condições de acumulação e os níveis atingidos pelas contradições do capital, além das distintas capacidades de os estados nacionais reagirem à crise com seus “pacotes” de estímulo monetários e fiscais (em todos os casos, criação de capital fictício). De forma bastante esquemática, podemos dizer que a China e sua zona econômica mais direta de influência têm o maior dinamismo, ainda que não escapando da desaceleração e do acúmulo de outras contradições da reprodução capitalista. Os EUA apresentam ritmo de crescimento muito inferior ao chinês, mas ainda mantendo certo dinamismo e capacidade de inovação, além de permanecerem como potência imperialista dominante em termos econômico, financeiro, ideológico, militar. A tendência à estagnação prevalece largamente na Europa (pelo menos desde a crise de 2008/09) e no Japão (há décadas, desde a crise do começo dos anos 1990). No caso dos países dominados, o melhor desempenho ocorre na Índia e o pior, na América Latina.
Essas diferentes condições impactam a dinâmica do sistema imperialista mundial não apenas pela alteração da relação de forças entre as principais potências imperialistas, mas porque também são fruto do surgimento de novas empresas monopolistas dominantes, novos setores de acumulação, inovações tecnológicas e fortalecimento das cadeias mundiais de produção – além do reforço da exploração do trabalho, é claro.
Esses aspectos reforçam as contradições interimperialistas. Essas contradições, a começar pela mais importante atualmente, entre EUA e China, buscam definir a potência imperialista dominante, suas zonas econômicas de influência e, com isso, os próprios rumos da economia mundial (produção transnacional x renacionalização, liberalização comercial e financeira x protecionismo). Dessa forma, os conflitos gerados por essas contradições se espalham por todas as áreas: produção e comércio internacional, investimentos e tecnologia, finanças, diplomática e militar. Não sendo fruto de características individuais, não deixarão de se agravar pela substituição do gestor do capital americano, de Trump para Biden.
E, no entanto, o agravamento das contradições interimperialistas ocorre numa economia mundial em que estão profundamente imbricados os monopólios das principais potências imperialistas. Seja por participações acionárias cruzadas e investimentos recíprocos, seja pela participação em diferentes etapas em uma mesma cadeia internacional de produção, seja pelos interesses comuns como investidores estrangeiros em um mesmo mercado nacional, ou um como investidor no mercado nacional do concorrente ou nos mesmos mercados financeiro-especulativos. Esses interesses dos monopólios, nem sempre coincidentes com os dos estados nacionais, tornam ainda mais complexas as contradições, embora não modifiquem sua tendência de agravamento.
Isso significa que, não obstante a tendência geral à estagnação do imperialismo, há países/setores/monopólios que se fortalecem. Isso significa que o capitalismo não cairá de podre, mas que ele precisa ser derrubado. Isso significa que na ausência da alternativa revolucionária, permaneceremos indefinidamente na barbárie capitalista até a destruição total, mediante as guerras ou a devastação ambiental.
Os Efeitos da Crise no Mercado de Trabalho e nas Condições de Vida das Massas
Por fim, a crise atual também deixará impactos permanentes no mercado de trabalho e nas condições concretas de vida da classe operária e demais classes dominadas em todos os países. Elevação permanente do desemprego, aumento da massa pauperizada fora do mercado de trabalho, deterioração dos serviços públicos, crescimento das desigualdades, da insegurança alimentar, da pobreza, da miséria, da fome e da violência. Além desses impactos, a crise tem sido uma justificativa adicional para a burguesia avançar em sua ofensiva por meio de novas rodadas de reformas trabalhistas, reduções adicionais de salários e piora das condições de trabalho.
Dessa maneira, a crise atual radicaliza as tendências já presentes no mercado de trabalho ao redor do mundo, causadas pelo baixo crescimento e pelo aumento da superpopulação relativa – parcela da massa trabalhadora que se torna supérflua para a valorização do capital; pela queda da taxa de lucro e pelos movimentos da burguesia para contrarrestá-la; e pelas novas relações de trabalho criadas pelas inovações tecnológicas. Essas tendências atuais se mostram, todas, prejudiciais à classe operária e demais classes dominadas. Elas implicam relações de trabalho cada vez mais “flexíveis”, informalização cada vez maior na prática (independente do regime formal de trabalho), com crescente retrocesso nas conquistas dos trabalhadores (jornadas mais prolongadas e mais intensas, menores férias e folgas remuneradas, redução de salários indiretos e benefícios, etc.). As chamadas “reformas trabalhistas” ao redor do mundo nada mais são do que a busca de formalizar na legislação o rebaixamento dos salários e das condições de vida, os novos obstáculos à organização e à luta dos trabalhadores, e os avanços da burguesia na sua luta de classes contra o proletariado. A burguesia e o imperialismo nada têm a oferecer aos dominados de todos os países a não ser a eternização dos seus grilhões.
O desemprego explodiu na atual “crise da pandemia”, tanto o aberto (trabalhadores procurando emprego, sem encontrar), quanto o oculto, esse talvez ainda mais grave, aqueles que desistiram até mesmo de procurar seu emprego. A frágil e parcial retomada que estamos presenciando não será capaz sequer de retornar o nível de emprego aos níveis do começo do ano. O desemprego, portanto, tende a se tornar um flagelo de longo prazo. E quanto mais tempo o trabalhador permanece desempregado, menores as suas chances de arrumar emprego e piores as condições deste, se conseguir. A crise do capital forma um exército industrial de reserva crescente. Do ponto de vista do capital, isso é útil para a sua luta de classes contra o proletariado. Para o proletariado, significa salários menores, piores condições de viver e de lutar. A miséria e a fome já batem à porta de centenas de milhões no mundo todo.
O aumento das desigualdades no capitalismo em crise também tem efeitos permanentes. 40% da população mundial, 3,3 bilhões de pessoas, vive com menos de US$5,50 por dia, de acordo com o Banco Mundial. O mesmo estudo afirma que 150 milhões podem se somar aos que vivem com menos de US$1,90 por dia em 2021. Neste ano, foram mais 150 milhões de crianças jogadas na pobreza, enquanto outras centenas de milhões foram afastadas da escola (presencial ou remota), afetando permanentemente sua evolução (incluindo falta de alimentação) e aumentando o trabalho infantil. A isso se soma a juventude sem empregos, numa taxa que pode chegar a dez vezes mais que o desemprego dos adultos, abrindo as portas para criminalidade, violência e morte. Ao desespero dos adultos se soma o aumento da violência contra a mulher trabalhadora e sua maior exploração. Além dessas chagas, os negros ainda têm o racismo, as piores condições de trabalho e de exploração e a maior mortalidade na pandemia. A isso se acrescenta a xenofobia aos imigrantes, especialmente nos países imperialistas. Enquanto isso, a revista Forbes dá a manchete orgulhosa: “Riqueza de bilionários quebra recorde na pandemia e bate US$ 10 trilhões”. Um aumento de 25% na fortuna desses capitalistas apenas neste ano.
Nunca foram tão verdadeiros os magníficos versos da Internacional: “Abomináveis na grandeza / Os reis da mina e da fornalha / Edificaram a riqueza / Sobre o suor de quem trabalha! / Todo o produto de quem sua / A corja rica o recolheu”.
E diante dessa realidade insofismável: “Para não ter protestos vãos / Para sair desse antro estreito / Façamos nós por nossas mãos / Tudo o que a nós nos diz respeito”.
A Reação do Proletariado e das Massas Dominadas nas Condições Atuais
A luta de classes da burguesia contra o proletariado e as massas dominadas, mesmo em momentos de ofensiva burguesa em todas as frentes, sempre implica, inevitavelmente, diversas formas de organização, mobilização, resistência e revolta por parte dos dominados. Agora não é diferente, embora o nível dessa oposição sofra com a ausência de uma posição comunista, revolucionária, com força de massas em praticamente todos os países do mundo; com o papel desempenhado pelo reformismo e pelo oportunismo na ampla maioria das organizações da classe; e com as próprias condições objetivas da exploração e opressão capitalista.
Em 2019 houve importantes explosões de lutas e protestos em vários países. As massas dominadas se levantaram no Equador, no Chile, no Haiti, em Honduras, no Líbano, no Iraque, no Irã, na Argélia, na Catalunha, na França, na Índia, e em vários outros países a partir de greves gerais, manifestações de rua e revoltas. As causas foram várias, assim como os setores na vanguarda na luta e o resultado imediato alcançado pelos protestos. De forma geral, foram levantes contra a piora generalizada das condições de vida e de trabalho e à contínua ofensiva das classes dominantes, através de mais exploração, arrocho salarial, reformas, tarifaços, opressão estatal, violência policial etc., decorrentes das sucessivas crises do imperialismo nos últimos anos.
Nos primeiros meses de 2020, quarentenas governamentais e isolamento social fizeram os protestos refluírem de forma drástica pelo mundo. A pandemia e a repressão não foram capazes de paralisar o descontentamento e a revolta crescentes. Afinal, a nova crise agravou a situação anterior das classes dominadas, com a elevação do desemprego, da pobreza e as mortes ocasionadas pela pandemia.
A “agitação social” – na realidade os protestos dos oprimidos contra o racismo e a violência policial – marcaram os Estados Unidos e, posteriormente, o mundo em junho. Dentre os vários países atingidos por essa onda, está a Nigéria, o mais populoso país da África, cujas massas também se levantaram, em outubro, contra a brutalidade policial. A resposta do governo até o momento tem sido ainda mais violência e repressão, com dezenas de manifestantes mortos. Além do combate ao racismo e à violência policial, ambos fortemente relacionados à crescente desigualdade econômica e à pobreza, os protestos e lutas de 2020 continuaram a combater as reformas pró-capital, como nas greves e manifestações dos trabalhadores e da juventude na Indonésia; os governos e a extrema direita, como no levante vitorioso da Guatemala, ou nos protestos tailandeses e poloneses; e diretamente os patrões, em várias paralisações e greves, muitas delas espontâneas, ocorridas sobretudo nos setores ditos essenciais na pandemia (indústria, transporte, armazenagem, correio, serviços urbanos etc.), como foi o caso do breque dos apps. Por fim, ainda é preciso destacar os indícios de reforço das redes de apoio mútuo entre os trabalhadores, como tem acontecido no Brasil.
Essas diversas mobilizações mostram a disposição das massas dominadas para a luta, para o enfrentamento por suas demandas concretas, muitas vezes por fora e contra seus representantes oficiais (sindicatos, partidos), há muito hegemonizados pelo reformismo e o oportunismo. A contínua piora das condições de vida e trabalho em consecutivas crises do capital não tem ocorrido sem resistência. A tendência, portanto, é de continuação e possível fortalecimento das lutas no próximo ano, inclusive por conta da redução/fim dos pacotes fiscais de emergência ao redor do mundo.
Essas explosões de protestos e suas diversas formas próprias de organização e espontaneidade guardam inúmeras lições para a luta de classes concreta, realmente existente, do proletariado e das massas dominadas na atual conjuntura. Nesse cenário, é papel dos comunistas apoiar essas lutas, participar ativamente delas, e buscar compreendê-las e extrair as lições para buscar fazer avançar o movimento. Isso mesmo diante de seus visíveis limites políticos e organizacionais, expressões de manifestações espontâneas da massa em contexto de influência revolucionária praticamente nula.
Somente a partir da inserção nessas lutas reais, no nível de organização e consciência realmente existentes nas classes dominadas, a posição revolucionária poderá avançar, criar-se enquanto alternativa política e derrotar os falsos caminhos institucionais propostos pelo reformismo, ou mesmo diretamente pela burguesia e sua ala direita cada vez mais extremada. Parecem existir e se fortalecer, ainda que de forma embrionária, novos coletivos e formas de luta da massa que resistem como podem a se integrar à ilusão da solução nos limites da institucionalidade burguesa, embora sejam constante e agressivamente disputados por essas posições reformistas e oportunistas.
O único caminho possível diante da barbárie capitalista é o da unidade da classe operária e de todas as massas dominadas, agindo de forma independente, com os objetivos de defender suas condições de vida e de trabalho, resistir e barrar a ofensiva da burguesia. Nessa luta sem tréguas nem quarteis pelas suas demandas concretas, pelas suas necessidades objetivas, confiar cada vez mais nos seus próprios esforços e na solidariedade de classe, para construir na luta a consciência da sua união e da sua classe. Essa ação unitária, massiva e consciente do proletariado e das massas é nossa mais potente arma contra a burguesia. Cabe aos comunistas dedicar todos os seus esforços, incansavelmente, para concretizar esse objetivo.