CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

100 anos de Comunismo, Cem Flores, Destaque, Dossiês, Movimento operário

União Nacional para a Democracia e o Progresso, discurso de Luiz Carlos Prestes (23 de maio de 1945)

100 Anos do Comunismo no Brasil

Imagens do comício de 23 de maio de 1945, organizado pelo PCB e que reuniu 100 mil pessoas no estádio de São Januário, no Rio de Janeiro.

Cem Flores

01.07.2022

Com a Insurreição Comunista de 1935 encerrou-se um primeiro período na história dos 100 anos de comunismo no Brasil. Esse período, iniciado com a própria fundação do Partido Comunista – Seção Brasileira da Internacional Comunista (PC-SBIC), em março de 1922, teve como características próprias o rechaço a alianças com a burguesia e o predomínio de posições políticas revolucionárias. Além dessas, outras características como a definição do país como semicolonial e semifeudal e da revolução como democrático-burguesa, agrária e anti-imperialista, perduraram como teses majoritárias do movimento comunista brasileiro ainda por muitas décadas.

A derrota da Insurreição de 1935 – causada pelo erro de avaliação do PCB e de Prestes sobre a existência de uma situação revolucionária no país, pela ausência das massas trabalhadoras no movimento, pelo seu caráter quase que exclusivamente militar e pela superioridade das forças armadas do inimigo de classe: a burguesia, o governo Vargas e o aparelho repressivo de estado – causou enorme repressão ao Partido, seus militantes, sindicalistas e às massas, com prisões, torturas e assassinatos. Essa repressão foi consolidada na decretação de estado de sítio, logo após a Insurreição. Após um breve período de ligeiro relaxamento da repressão no ano seguinte, já em novembro de 1937 o país voltou, novamente, para uma ditadura explícita, agora com nítida inspiração fascista, com a decretação do “estado novo” por Vargas.


Leia as publicações do Cem Flores sobre os 100 Anos de Comunismo no Brasil:

100 Anos de Comunismo no Brasil, de 25.03.2022.

3º Congresso do Partido Comunista do Brasil (PCB), dezembro de 1928 e janeiro de 1929, de 23.04.2022.

1ª Conferência Nacional do Partido Comunista do Brasil (PCB), julho de 1934, de 08.05.2022.

Manifesto da Aliança Nacional Libertadora (ANL), 5 de julho de 1935, de 20.05.2022.


Como pano de fundo desses acontecimentos políticos, a década de 1930 marcou (ou reforçou tendências preexistentes de) mudanças importantes na estrutura econômica brasileira, como a urbanização e a industrialização – que possibilitaram o aumento da classe operária. Iniciada sob o signo da Grande Depressão capitalista de 1929 e terminada com os primeiros impactos da 2ª Guerra Mundial, a década de 1930 se caracterizou tanto pela queda das exportações brasileiras, principalmente de café, cujos preços de 1932 equivaliam a um terço dos de 1929; quanto pelas restrições às importações, seja pelo protecionismo dos demais países, seja pela crise cambial com a queda das receitas de exportações e dos fluxos de capitais. Esses aspectos possibilitaram o direcionamento da atividade econômica ao mercado interno, estimulando a produção industrial, majoritariamente de bens de consumo assalariado, mas também aumentando a relevância das indústrias produtoras de bens duráveis e de capital.

Mostrando a unidade das frações de classe dominantes e a função do aparelho de estado capitalista, Vargas nacionalizou a política de valorização do café (até então de responsabilidade dos estados, especialmente de São Paulo) já no final de 1931. Nos dez anos seguintes – também em benefício da mesma oligarquia cafeeira que se levantara em armas contra Vargas em 1932 – o governo passou a comprar toda a produção de café do país, destinando apenas 30% à exportação (tentando manter preços/lucros mais elevados dada a demanda internacional reduzida), estocando outros 30% e destruindo os restantes 40%. Nesse período foram queimadas estimadas 75 milhões de sacas de café, o triplo do consumo mundial anual.

Como todos os marxistas-leninistas sabemos, a produção capitalista é produção de mercadorias para sua realização no mercado, produção de valores visando uma determinada taxa de lucro. Se essa produção não conseguir ser vendida, não dará lucro, portanto esse valor de uso produzido será inútil ao capital. Diante disso, o aparelho de estado capitalista adotou como política a compra de toda aquela produção para a qual não havia mercado, garantindo o lucro dos patrões. Alcançado esse objetivo, os valores de uso “inúteis” passaram a ser destruídos, mesmo sendo produtos que poderiam alimentar milhões de famintos. Os/as comunistas não deixaram de criticar essa política burguesa, como no documento da 1ª Conferência Nacional do PCB, de 1934:

A crise do café, atirando ao desemprego milhares e milhares de assalariados e colonos, reduzindo os salários e piorando as condições de vida dos que ficaram nas fazendas, causa também a expropriação em massa dos pequenos e médios agricultores em favor dos grandes fazendeiros e dos bancos estrangeiros”.

E, enquanto eles dizem que o povo faminto vá aguentando por mais tempo a fome, que aperte mais o cinturão, que tenha paciência, que faça maiores sacrifícios para “salvar a pátria” … Queimam milhões de sacas de café, quando não as trocam por armas e munições, enquanto os desempregados e flagelados e todo o povo trabalhador morrem de fome, sede e frio”.

Em contraste com a década de 1930, a partir do começo dos anos 1940 se iniciaria um dos períodos de maior crescimento da história do país, com duração ininterrupta de duas décadas – caracterizado pela aceleração da industrialização. Marcam o início desse período os Acordos de Washington, marco político-econômico do financiamento dos EUA para a industrialização do Brasil, em troca de maior abertura do país para a acumulação dos monopólios dos EUA e também da entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados. No marco desses acordos, entre outros, foram fundadas a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1941, e a Companhia Vale do Rio Doce, em 1942, ambas privatizadas no governo de Fernando Henrique Cardoso, nos anos 1990. Ou seja, a industrialização brasileira, especialmente a pesada, desde o seu início, nasce de um acerto entre as burguesias doméstica e estrangeira – e não de seu eventual antagonismo ou de uma pretensa posição anti-imperialista da burguesia brasileira.

Os quinze anos de governo Vargas, além de marcados pela urbanização e industrialização crescentes do país, também se caracterizaram pelo aumento da massa trabalhadora urbana, incluindo o crescimento da classe operária. Além da repressão contra comunistas e sindicalistas e contra a luta de massas, que marcou todo o período Vargas, também houve uma intensa luta ideológica e política para ganhar esses/as trabalhadores/as para posições reformistas, burguesas. Aspectos fundamentais dessa luta incluem a intervenção do estado capitalista nos sindicatos e o apoio do governo aos pelegos (chamados então de sindicalistas “amarelos” – em oposição aos “vermelhos”, comunistas). Esses aspectos da luta de classes estão presentes nas chamadas medidas trabalhistas do governo Vargas, como a criação do salário-mínimo, da justiça do trabalho e da CLT.

É preciso destacar que, ao contrário do reformismo, que vê essas medidas quase como “dádivas” da burguesia, do governo do “pai dos pobres” (Vargas) – e que o faria novamente nos governos de Lula e do PT –, todas elas, sem exceção, refletiram décadas de dura luta de classes. Luta operária e de massas tanto em sua dimensão econômica, derivada do próprio aumento do proletariado, quanto na mais diretamente política, obrigando o governo e a burguesia a aceitarem essas “concessões”. Em sua luta de classes contra os dominados, burguesia e governo também, ao mesmo tempo, revidam, buscando aumentar seu controle sobre as organizações proletárias, institucionalizando-as, e elevar a produtividade (exploração) da força de trabalho.

Além disso, nos períodos de expansão capitalista e de maior demanda por força de trabalho é papel do estado capitalista garantir a reprodução desse insumo fundamental à produção de valor, como Marx tão bem retratou n`O Capital, impedindo que a concorrência capitalista utilize além do limite essa mercadoria. Os “direitos” conquistados estabeleceram as bases da reprodução da força de trabalho na expansão capitalista na conjuntura de então.

O cenário político internacional posterior à derrota da Insurreição de 1935 passou a ser de crescente preparação para a guerra mundial, formalmente iniciada em 1939. A partir de 1936, vários dirigentes e militantes comunistas brasileiros participaram, individualmente, da guerra contra o nazi-fascismo, seja na Guerra Civil da Espanha, integrando as Brigadas Internacionais em defesa da República espanhola contra o fascismo de Franco, seja na Resistência Francesa contra a ocupação nazista. O mais destacado desses comunistas foi Apolônio de Carvalho, o “Herói de Três Pátrias”.

Brigada Internacional antifascista na Espanha. Indicados dois militantes do PCB: José Homem Correia de Sá e Dinarco Reis.

Tudo, portanto, deveria estar subordinado à derrota do nazismo” (Maurício Grabois)

Com o início da 2ª Guerra Mundial e, principalmente, após a invasão da União Soviética pelo exército nazista (junho de 1941), a política dos/as comunistas ao redor do mundo passou a ter como prioridades absolutas o apoio ao esforço de guerra em cada país, mediante a participação na guerra ao lado dos aliados e contra o nazi-fascismo e o apoio e a defesa da União Soviética. Essa também se torna a linha política principal do PCB, que participa ativamente das campanhas populares pela participação do Brasil na guerra ao lado dos aliados. O Brasil declara guerra à Alemanha em agosto de 1942, embora os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB), com a participação dos comunistas, só partam para a guerra na Itália no segundo semestre de 1944.

Comício contra o nazi-fascismo, em 1943. Além do apoio à FEB, outra bandeira do PCB era a “união nacional com Getulio Vargas”.

Em termos organizativos, o Partido foi severamente abalado pela repressão em 1935 e, novamente, após a decretação do estado novo, em 1937. Ao final dos anos 1930 e início dos anos 1940, o Partido estava grandemente desorganizado, com pouco mais de uma centena de militantes, sem uma direção nacional e com algumas direções estaduais ainda funcionando (Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo), porém muito precariamente. Ainda assim, no limite de suas possibilidades, o PCB continua a divulgar sua linha política, mantendo como podia, a agitação e propaganda.

A reorganização do Partido tem como marco sua 2ª Conferência Nacional, a chamada Conferência da Mantiqueira, realizada na clandestinidade, em agosto de 1943. Nessa Conferência foi eleita uma Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP), tendo Prestes, mesmo preso, como Secretário-Geral, e contando também com Diógenes Arruda, João Amazonas, Mário Alves, Maurício Grabois, Pedro Pomar entre outros. Em termos partidários, a Conferência da Mantiqueira reafirma o Partido contra o liquidacionismo, que defendia que a união nacional contra o fascismo e o apoio ao governo Vargas tornavam desnecessária, ou mesmo contraproducente, a existência de um partido político próprio do proletariado.

A linha política definida na Conferência da Mantiqueira era de “união nacional contra o fascismo, mediante a constituição de “um amplo movimento de massas, patriótico e antifascista, a cuja frente estivesse a classe operária”; de exigência de “participação direta do Brasil na guerra”, de “solidariedade e apoio à URSS”, da “imediata abertura da Segunda Frente na Europa”. Além disso, a defesa de “liberdades democráticas” e da “anistia para os presos políticos” (conforme depoimento de Prestes, em 1953).

Reconstituição artística da clandestina 2ª Conferência Nacional do PCB, a Conferência da Mantiqueira.

Após a derrota da Insurreição de 1935 e até 1947, se fortaleceu no PCB uma linha política reformista de frente única democrática, de união nacional, expressa na formulação de “união nacional com Vargas”, a quem o Partido propunha “apoio incondicional”. O PCB não apenas defendia a restauração da democracia burguesa, como também a “pacificação da família brasileira” em uma “transição dentro da lei e da ordem”. A defesa, praticamente explícita, da política de subordinação à burguesia se encontrava nas fórmulas de conciliação de classes como “ação comum de todas as classes sociais” e “união e harmonia”. A essa política passam a se subordinar todas as outras políticas do Partido, incluindo o virtual abandono da defesa das pautas próprias da classe operária e da massa trabalhadora:

1938: “formação de uma grande frente democrática em todo o país, uma frente nacional destinada a reatar um ao outro, o povo e o governo. … Os democratas – e, em primeiro lugar, os comunistas – apelam ao povo para que ajude o governo”.

1943: “Evidentemente, essa união há de realizar-se em torno do governo do Presidente Vargas, que dirige o país em guerra, postas de parte antigas pendências e dissensões … o governo da República não pode ser mais do que o centro, a cabeça dirigente, o mentor supremo da União Nacional”.

1944a: “No caso específico da pacificação da família brasileira pela qual nos batemos, que inclui a anistia, por considera-la uma medida que virá fortalecer o governo, criando uma forte corrente de opinião popular a seu favor…”.

1944b: “… a união nacional em torno do governo permitirá uma transição dentro da lei e da ordemsem maiores choques e lutas, dentro da ordem e da lei … capitalista, resultante da ação comum de todas as classes sociais, democráticas e progressistas, desde o proletariado até a grande burguesia nacional … num país industrialmente atrasado como o nosso, a classe operária sofre muito menos da exploração capitalista do que da insuficiência do desenvolvimento capitalista… ação democrática unificada … do proletariado com a burguesia nacional progressista… na solução pacífica, mas enérgica e decisiva dessa questão [da terra] estão igualmente interessados … além dos trabalhadores rurais, o proletariado e a burguesia, e isto constitui, sem dúvida, mais um fator de união e harmonia entre todos os elementos progressistas da sociedade brasileira”.

Poucos anos antes, em 1934, em relação ao mesmo Vargas, o PCB escrevia: “Nada de confabulações com o governo, com o Ministro do Trabalho e seus agentes que são instrumentos da classe exploradora, e, portanto, só podem (como o fazem) defender os seus pontos e os interesses da classe dominante!

Com a vitória do Exército Vermelho em Stalingrado em fevereiro de 1943 – à qual se seguiria o avanço irrefreável de libertação de todos os países do leste europeu, a ocupação de Berlim e a vitória da guerra na Europa, em 9 de maio de 1945 – o avanço dos aliados na guerra, e a participação efetiva da FEB, ocorreram grandes manifestações antifascistas no Brasil, em defesa das liberdades democráticas e da anistia. Em abril de 1945 foi conquistada a anistia e foram libertados 563 presos políticos, dentre os quais comunistas como Prestes, após 9 anos de prisão, Carlos Marighella, Agildo Barata.

O prestígio mundial da vitoriosa União Soviética e do socialismo transformam-se em influência política e crescimento orgânicos jamais vistos no PCB. Os comícios de Prestes, recém-libertado, contam com centenas de milhares de pessoas no Rio de Janeiro (23 de maio), São Paulo (15 de julho) e Recife (26 de novembro). Nas eleições de dezembro de 1945, o candidato do PCB à presidência, Yedo Fiúza, obteve quase 10% dos votos. O resultado parlamentar do Partido foi a eleição de Prestes como senador e de uma bancada de 14 deputados federais (Abílio Fernandes, Agostinho Oliveira, Alcêdo Coutinho, Carlos Marighella, Claudino Silva, Francisco Gomes, Gervásio Azevedo, Gregório Bezerra, Henrique Cordeiro Oest, João Amazonas, Jorge Amado, José Maria Crispim, Maurício Grabois e Oswaldo Silva) que participaram dos debates da constituição de 1946, além de bancadas estaduais em quase todos os estados. A imprensa do Partido também se multiplicou, tanto jornais e revistas quanto editoras, assim como sua influência nos intelectuais. A organização do Partido entre as massas também avança, por exemplo, com a criação dos Comitês Populares, organizados por bairros, para a luta pelas necessidades imediatas da população.

Documentos centrais da formulação dessa política reformista, direitista, foram os discursos de Prestes nos apoteóticos comícios (a seguir transcrevemos o do Rio de Janeiro) e o Informe Político de Prestes ao Pleno do Comitê Nacional do PCB, chamado de “Pleno da Vitória”, em agosto de 1945.

As ilusões com a democracia burguesa, com suas instituições e com a burguesia cobrariam seu preço já em 1947, com a decretação da ilegalidade do Partido, cassação de seus parlamentares e nova onda repressiva. As ilusões seriam ainda mais graves às vésperas do golpe militar de 1964 e, sob outras vestes, permanecem hegemônicas na “esquerda” até hoje.

Destacamos abaixo três aspectos da linha do PCB à época, marcada pelas ilusões com a burguesia e o abandono da posição proletária, independente e revolucionária:

  1. O PCB, em 1945, mantinha a avaliação da formação econômico-social do país como atrasada, fruto de uma economia agrária e dos restos feudais, sob dominação imperialista – que representavam entraves ao desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, à industrialização e ao capitalismo.

Dando continuidade à formulação herdada dos 2º e 3º Congressos do Partido, de 1925 e 1928-29, o PCB continuava a definir o Brasil como tendo uma “estrutura de país semifeudal e semicolonial”, “uma infraestrutura econômica secularmente atrasada em que os restos feudais lutam por sobreviver”. Tendo em vista o começo da industrialização das décadas de 1930 e 1940, as formulações do PCB sobre a estrutura econômica do país passam a destacar uma contradição entre o “atrasado” (economia agrária, latifúndio) e o “moderno” (indústria, burguesia nacional).

Essa contradição, identificada como a fundamental, seria um “entrave” ao desenvolvimento das forças produtivas, ou seja, da indústria. Portanto, a principal tarefa estratégica seria superar essa contradição, via eliminação do “atrasado” (“latifúndio a grande, a máxima causa do atraso do Brasil”) e o apoio ao “moderno” (“progresso industrial … real, efetiva, independência econômica e política”).

Ainda assim, a definição das classes inimigas é restringida apenas aos “elementos mais reacionários das classes dominantes do país e do capital estrangeiro”. Ou seja, abre-se a possibilidade de alianças com “fazendeiros democratas” (sic!), com o capital estrangeiro disposto a contribuir para o desenvolvimento do país (sic!), além de considerar a burguesia nacional e seu governo como aliadas.

Essa posição do PCB tem suas raízes numa interpretação evolucionista e teleológica do marxismo-leninismo e contribui para uma linha política reformista, de apoio/subordinação à burguesia. O evolucionismo e a teleologia dessa posição são evidentes na definição de uma sequência, necessária e pré-estabelecida, de etapas no desenvolvimento de todas e de cada uma das formações econômico-sociais – sendo até necessário criar um historicamente inexistente “feudalismo brasileiro”, que possa ser superado pelo capitalismo, deixando o socialismo para um futuro longínquo:

uma tal república, para que possa ser instituída sem maiores choques e lutas, dentro da ordem e da lei, não poderá ser de forma alguma uma república soviética, isto é, socialista, mas capitalista, resultante da ação comum de todas as classes sociais, democráticas e progressistas, desde o proletariado até a grande burguesia nacional, com a só exceção de seus elementos mais reacionários, numericamente insignificantes” (1944b).

Nessa formulação mecânica, uma economia “atrasada” deve ser “substituída” (ou superada) por uma economia “moderna” (“progressista”, na formulação de então do Partido). Esse mecanicismo coloca as classes e a luta de classes em segundo plano, a partir da contradição simplista entre “atrasado” x “moderno”.

Aí está a formulação teórica que leva à política reformista. Há que lutar pelo “moderno” contra o “atrasado”, há que eliminar os “entraves” ao “progresso”. Como o “moderno” seria o capitalismo (e não o socialismo), logo o Partido deveria apoiar a burguesia (e não o proletariado). Lutar pelo “moderno” seria lutar pela industrialização – e quem melhor para dirigir esse processo senão os industriais, ou seja, a burguesia? O movimento final da dança teórica reformista inclui associar os interesses da burguesia e do proletariado, que seriam ambos a favor da industrialização. Assim, se substitui a luta de classes pela conciliação de classes, se subordinam os interesses do proletariado aos da burguesia e se passa a defender a “lei”, a “ordem”, a “harmonia social”, a “pacificação”.

  1. O PCB, em 1945, abriu mão de definir e construir um processo revolucionário para o país, substituindo-o pela democracia burguesa, pela disputa meramente institucional, pacífica e ordeira, e por propostas de governo para um hipotético regime burguês nacionalista.

Embora os documentos recuperem o histórico anterior do Partido – “Há dez anos apelava o nosso Partido para a revolução agrária e anti-imperialista” – o foco é a formulação das tarefas democrático-burguesasdemocrática em sua forma de governo e burguesa pelo seu conteúdo econômico”. Em suma, economicamente, trata-se de substituir as “formas semifeudais de propriedade e de exploração no campo” e “desenvolver harmonicamente a indústria e a agricultura na base do aumento da produção e da ampliação do mercado interno”. Em suma, uma formulação inicial das teses que posteriormente chamaríamos de capitalismo utópico.

Em relação às “tarefas democráticas”, os objetivos principais eram os de conquistar a anistia aos presos políticos, o que havia acabado de ocorrer (segundo Prestes: “anistia foi, sem sombra de dúvida, uma conquista do povo”, mas “foi obra também do nosso governo”), reestabelecer a democracia burguesa, sob Vargas, realizar eleições e uma assembleia constituinte – o que de fato acabou ocorrendo, porém sem Vargas. Mas o Partido expressava sempre a preocupação de não “provocar” os inimigos (ou os “aliados”?), buscar a moderação e afastar qualquer ação revolucionária. O discurso de Prestes em São Januário fala em:

Dirigir a pátria pelo caminho do progresso. Esta a nossa tarefa atual e urgente. Para levá-la a bom termo, de maneira ordeira e pacífica, é que precisamos da união mais firme e leal de todo o nosso povo, dos patriotas, democratas e progressistas de todas as classes. Contra uma unidade tão ampla só poderá ficar a minoria reacionária e fascista que ainda espera conseguir deter a avalanche democrática com golpes de estado e guerra civil. Todos juntos porém, operários e patrões progressistas, camponeses e fazendeiros democratas, intelectuais e militares, havemos de vencê-la, dirigir nossa Pátria pelo caminho do progresso”.

lutando sem repouso pela paz interna em nossa própria Pátria, não poupando esforços para encontrar sempre a solução harmônica e pacífica de todas as divergências e contradições de classes que porventura nos possam separar e dividir”.

Mesmo uma pequena autocrítica no Informe Político tem o objetivo de comprovar que o PCB poderia ter ido mais longe na defesa da questão democrática (burguesa), sem ações revolucionárias nem provocações, “visando sempre o seu [do governo Vargas] reforçamento por maior apoio popular”:

Basta ler a coleção da revista ‘Continental’, onde se fala em União Nacional, apoio ao Governo e ‘pacificação da família brasileira’, mas isto, unicamente no sentido unilateral de aceitar sem ódios e ressentimentos a ação governamental e nada pedir pelos presos políticos. … conselho era unilateralmente dirigido aos patriotas para que se unissem aos governantes e nenhuma palavra se escrevia a favor dos que sofriam nas mãos do Governo”.

Foi justa no fundamental, sem dúvida, nossa política de apoio ao Governo, se bem que não das mais felizes a formulação então empregada de apoio incondicional que levava à passividade”.

Mais do que “erros” específicos, pontuais, na aplicação de uma linha política “justa”, nossa conclusão é que as políticas de “união nacional”, de “frentes amplas”, multi-classistas, nas quais se soterra a hegemonia do proletariado, resultam sempre em que os/as comunistas abrem mão dos princípios proletários e revolucionários, recuam suas posições em todos os campos para não “afastar seus novos aliados”, enquanto que a burguesia e as classes dominantes impõem seu programa de classe, de exploração e repressão, agora sem (ou com menor) resistência das classes dominadas.

O programa econômico do PCB não nega seu caráter burguês, sem qualquer perspectiva revolucionária. O Informe Político ao Comitê Nacional do Partido defende “equilíbrio orçamentário, rigorosa redução de despesas” (o que estaria de acordo com o atual teto de gastos); “nenhuma emissão de papel-moeda, seja para o que for” e “reduzir ao mínimo qualquer tabelamento de preços” (o que seria a política de metas para a inflação da época). Além disso, uma reforma tributária “progressista”: “redução do imposto de consumo e de todos os impostos sobre as trocas internas”, “aumento do imposto sobre a renda de maneira progressiva. Um novo imposto sobre o capital. Empréstimos forçados sobre lucros extraordinários em escala fortemente progressiva” e “imposto de 50% a 100% sobre a valorização de imóveis”.

Para completar sua consistência com qualquer programa econômico de um candidato reformista atual, medidas para ampliar o “mercado interno”: “estímulo à produção de víveres … Estímulo e apoio ao cooperativismo livre e democrático, pelo crédito barato e, se possível, sem juros; auxílio financeiro e técnico ao pequeno agricultor … fixação e garantia de preço mínimo”, “elevação ponderável, isto é, de cento por cento pelo menos, dos salários mínimos; e elevação geral de todos os salários e vencimentos inferiores a mil e quinhentos cruzeiros”.

Quanta diferença das tarefas revolucionárias de 11 anos antes, na 1ª Conferência, de 1934: “terra para os camponeses e confisco da grande propriedade rural e urbana; fim da fome, da miséria e do desemprego, com subsídios aos trabalhadores que não possam trabalhar; cancelamento das dívidas externa e interna; expulsão dos imperialistas; direitos de separação às nacionalidades oprimidas”.

A formulação abaixo liga as propostas democráticas e econômicas, ratificando a política de aliança/subordinação com a burguesia nacional. Afinal de contas, proteger a indústria nacional significa aumentar os seus lucros. Deve o proletariado, antes explorado pela burguesia imperialista, agora ficar satisfeito em ser explorado por seus próprios compatriotas burgueses?

Protegeremos num Parlamento democrático a indústria nacional ameaçada pela concorrência estrangeira, entregando ao Estado o controle planificado de nossas importações”.

  1. O PCB, em 1945, reforça a definição da burguesia nacional (e de outras parcelas das classes dominantes) enquanto aliadas do proletariado e do campesinato – na prática defendendo uma política burguesa supostamente “progressista” ou “soberana”, que efetivamente mantém a exploração das classes dominadas.

A posição reformista do Partido, gradualmente construída a partir do final dos anos 1930 e consolidada nesses dois documentos de 1945, apresenta os tradicionais traços reformistas, como as ilusões com a democracia burguesa e a consequente atuação meramente institucional – desviando-se, portanto, da posição do 3º Congresso, de 1928-29, de conjugar o trabalho legal com o ilegal – e o apagamento das classes e da luta de classes, subordinadas a uma política de frente ampla multi-classista, a pretensos objetivos comuns entre exploradores e explorados (progresso, industrialização etc.).

Na caracterização da conjuntura de maio de 1945, o PCB revela suas ilusões democráticas ao apostar que “a democracia burguesa volta-se para a esquerda” – seja lá o que isso signifique! – o que o impediria de ver o golpe de estado que ocorreria cinco meses depois. Essa mesma cegueira reformista seria ainda mais grave duas décadas depois, às vésperas do golpe militar de 1964.

Essa ilusão democrática e a avaliação errônea da conjuntura compõem uma política reformista em que os antagonismos de classe se diluem, substituídos por um palavreado oco a respeito de “democracia” e “progresso” que igualam burgueses e proletários – na contramão de todo o marxismo-leninismo desde o Manifesto do Partido Comunista, de 1848. O trecho abaixo, do discurso de Prestes, demonstra essa ilusão:

patriotas que saíam igualmente da massa trabalhadora como do meio da burguesia nacional progressista, souberam sempre defender a democracia e o progresso e lutar sem desfalecimento pela grande causa da liberdade e independência de todos os povos”.

O PCB, em 1945, em sua recém conquistada legalidade, trocou a “revolução” por “progresso”, o marxismo-leninismo pela mais aberta ideologia burguesa, e passou a ver a burguesia (e setores de outras classes dominantes) não mais como inimigos de classe, mas como aliados. Embora ainda tecendo loas formais ao “papel dirigente do proletariado”, é fácil ver que isso não passa de mera retórica. Basta lembrar a já citada frase de 1943: “o governo da República não pode ser mais do que o centro, a cabeça dirigente, o mentor supremo da União Nacional”. Quem é, na prática, dirigente?

Os documentos defendem um proletariado aliado à burguesia, o que na realidade significa subordinado e subserviente. O papel de “aliado de classe”, inclusive, não está restrito à burguesia (e ao governo), podendo se estender para o próprio capital estrangeiro e o latifúndio ou, ao menos, parcelas dessas classes.

Imediatamente, o que convém a patrões e operários é resolver diretamente, de maneira harmônica, franca e leal, … as divergências inevitáveis criadas pela própria vida. Os operários querem e precisam de melhores salários e melhores condições de trabalho, e, atendidos, saberão ajudar os patrões, por uma eficiência maior no trabalho, a reduzir os custos de produção”.

Procurar o seu sindicato para transformá-lo em instrumento de luta pela união nacional e garantia máxima da ordem interna é o grande dever operário na hora que atravessamos. É por intermédio de suas organizações sindicais que a classe operária poderá ajudar o governo e os patrões a encontrar soluções práticas, rápidas e eficientes para os graves problemas econômicos do dia”.

a classe operária tem a possibilidade de aliar-se com a pequena burguesia do campo e da cidade e com a parte democrata e progressista da burguesia nacional contra a minoria reacionária e aquela parte igualmente reacionária do capital estrangeiro colonizador”.

“… não quer dizer que sejamos contrários ao capital estrangeiro que … ainda pode ser … um dos colaboradores mais eficientes do progresso e da prosperidade dos povos mais atrasados. No mundo inteiro os povos ficarão agora livres da intervenção estrangeira nos seus negócios internos, e assim sendo, imperialismo está moribundo e o capital estrangeiro perde a sua característica mais reacionária para se transformar em fator de progresso e prosperidade para todos os povos”.

Para explicitar ainda mais a subordinação e subserviência da classe operária, o Partido ainda se acha no direito de defender a todo o custo a ordem e a lei como missão própria dos comunistas (!) – em trecho que guarda vergonhosa semelhança com a posição atual de alguns “comunistas” (sic!) e da “esquerda” em geral – e de elogiar o sofrimento e a resignação das classes dominadas:

Nós, comunistas e antifascistas conscientes, que temos sido nestes dias de agitação, em que se prega a desordem e se fala abertamente de golpes armados, o esteio máximo da ordem e da lei”.

o povo não quer ser acalentado como criança, quer conhecer a verdade, e já provou suficientemente nesses anos de guerra que sabe sofrer em silêncio, com altivez e resignação, se assim for necessário à honra e à independência da Pátria”.

A diferença radical entre a posição revolucionária e a posição reformista, como duas concepções de mundo antagônicas, a serviço de classes antagônicas, pode ser vista na mera oposição da citação acima com o trecho abaixo, escrito por Karl Marx, em 1847:

o proletariado que não quer se ver tratado como uma canalha, precisa de sua valentia, de seu sentimento de dignidade, do seu orgulho e do seu sentido de independência mais do que de pão”.

*          *          *

 Os textos citados integram a coletânea de Edgard Carone: O PCB (1922-1943), volume 1, e O PCB (1943-1964), volume 2, editados em São Paulo pela editora Difel, em 1982.

– 1938: Por uma Frente Única Democrática Brasileira, de P. Monteiro, publicado no jornal La Correspondance Internationale, nº 41 (Carone, vol. 1, pgs. 218-220).

– 1943: Ampliemos as Bases para a União Nacional, publicado no jornal Continental, em novembro (Carone, vol. 2, pgs. 13-15).

– 1944a: Impaciência e Quinta-Colunismo, publicado no jornal Continental, em maio (Carone, vol. 2, pgs. 18-20).

– 1944b: Luís Carlos Prestes e a Situação no Brasil e no Mundo, de maio, publicado no jornal O Globo, em 15 de março de 1945 (Carone, vol. 2, pgs. 21-25).

– O citado depoimento de Prestes foi publicado no jornal Voz Operária, de 15 de agosto de 1953 (Carone, vol. 1, pgs. 237-241).

A fonte das imagens não identificadas com links próprios é a publicação “Imagens da Centenária História de Lutas do Partido Comunista do Brasil (1922-2022)”, disponível em https://issuu.com/fmg2022/docs/imagenspcdob100anos.

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União Nacional Para a Democracia e o Progresso

Luiz Carlos Prestes

23 de Maio de 1945

Panfleto convocatório para o comício de São Januário, em 23 de maio de 1945, e publicação do discurso proferido por Prestes.

Brasileiros! Trabalhadores!

Povo Carioca!

Digníssimos senhores representantes dos povos irmãos!

Prezadíssimos camaradas das delegações estrangeiras!

Queridos amigos e amigos da gloriosa Aliança Nacional Libertadora!

Companheiros e companheiras do Partido Comunista! Amigos e companheiros!

É com a mais funda emoção que participo desta festa em que o povo essencialmente democrata e antifascista de nossa querida cidade festeja a primeira grande vitória da democracia em nossa terra.

A anistia foi, sem sombra de dúvida, uma conquista do povo: de homens, mulheres e crianças unidas pelo coração num sentimento que se tornou paixão, numa ideia que se fez força.

Estes meses de luta pela anistia trouxeram uma alegria nova ao coração dos cariocas mais velhos. Pais e avós recordarem as passadas lutas pela democracia — seus filhos e netos que ainda não tinham podido conhecer na prática a força do povo organizado, mostraram-se em poucos dias dignos das melhores tradições de nosso povo. Mas a anistia foi também uma conquista dos nossos marinheiros e aviadores, e dos rapazes queridos da nossa Força Expedicionária. Foi lutando lá na Itália contra o inimigo nazista que eles melhor ajudaram o nosso povo na marcha para a Democracia. Lutaram pela anistia enfim todos aqueles que no mundo inteiro lutaram contra o nazismo, desde os heroicos soldados das Nações Unidas, os gigantes de Stalingrado, os valentes de El Alamein, os bravos de Guadalcanal, os heróis de Shangai, de Yenan, de Shangshá, até os guerrilheiros de Tito, da resistência francesa, da libertação italiana e os milhões de seres humanos que resistiam com energia e dignidade nos cárceres do fascismo de todo o mundo.

Pela anistia lutaram ainda, durante anos seguidos, os trabalhadores irmãos não só na América como também na Europa — os franceses do “Front Populaire”, o povo heroico da Espanha Republicana nas vésperas ainda do ataque traiçoeiro de Julho de 1938. Os povos irmãos de todo o Continente, tendo à frente os homens de maior prestígio popular, fizeram da luta pela anistia no Brasil uma luta própria, bandeira de unidade no bom combate pela democracia, contra o fascismo e a quinta coluna.

A todos a homenagem de nosso reconhecimento e admiração.

Anistia, Obra Também do Governo

Mas a anistia foi obra também de nosso governo, deste mesmo governo que dando volta atrás nas suas tendências inaceitáveis para o povo, vencendo dificuldades mil criadas sempre pelos reacionários que o comprometiam e que, infelizmente em grande parte ainda o comprometem, preferiu ficar com o povo — cortar relações com o Eixo, declarar-lhe guerra, estabelecer relações com o governo soviético e finalmente abrir as prisões e revogar na prática as restrições à democracia mais sensíveis ao nosso povo. Honra aos homens de governo que sabem ficar com o povo e evitar por superior patriotismo o dilaceramento terrível das guerras civis!

Brasileiros! Trabalhadores! Companheiros e companheiras!

Depois de tantos anos de prisão e isolamento bem podeis imaginar a satisfação com que vos dirijo a palavra.

Falo na qualidade de membro e dirigente do único partido político verdadeiramente nacional que já existiu e existe em nossa terra.

Sabeis, cariocas e brasileiros, que sou comunista.

O Partido Comunista do Brasil é o meu partido. Foi ele o organizador e dirigente do glorioso movimento da Aliança Nacional Libertadora — frente única dos patriotas e democratas que em todo o Brasil se uniram para impedir a fascistização de nossa terra. Na luta cruenta e desigual caímos lutando, mas, como já prevíamos e sempre acontece quando se procede com sinceridade e honestidade, o que em 1935 parecia ser uma derrota esmagadora foi de fato a vitória que agora festejamos.

Em Memória dos Que Tombaram

Evoquemos a memória dos que caíram na luta, dos que não puderam resistir fisicamente às brutalidades policiais e aos duros anos de cárcere. Foram eles os precursores de nossos soldados, dos filhos queridos do nosso povo que honrando as melhores tradições de nosso Exército deram seu sangue e suas jovens vidas em holocausto pela honra e pela independência da Pátria.

Glória eterna aos que tombaram na luta contra o nazismo, a quinta-coluna e o integralismo! Seu exemplo não será por nós esquecido e ajudará sempre o nosso povo a vencer todos os obstáculos e todas as resistências que se apresentem no caminho da democracia, do progresso do Brasil e da união, independência e bem-estar do nosso povo.

Depois de mais de uma dezena de anos de terror fascista, em que as prisões do mundo inteiro estiveram cheias de antifascistas de todas as classes, em particular dos mais dedicados filhos da classe operária, foi afinal o nazismo obrigado a capitular ante os soldados das democracias do mundo inteiro. A derrota militar foi sem dúvida esmagadora e definitiva, na Europa ao menos;

“De agora em diante ondulará sobre a Europa a bandeira que nos é tão querida: a bandeira da vitória dos povos e da paz entra as nações”. (Stalin)

Liquidação Definitiva do Fascismo

Mas a vitória militar não basta. Já o estamos vendo. O fascismo corrompeu e envenenou o mundo inteiro — seus restos meio mortos, meio vivos, são ainda perigosos e precisam ser removidos, arrancados de raiz. Está em nossas mãos esta obra — a liquidação moral e política, definitiva e completa da grande peste. Não esqueçamos o sangue derramado e continuemos de maneira consciente e enérgica, sem vacilações, a luta pela democracia, contra a barbárie, até o esmagamento definitivo, moral e político, do nazi-fascismo, da quinta-coluna e de todos os seus agentes no mundo inteiro.

Festejamos a paz, mas sentimos que a própria paz exige de nós esforços novos para que seja mantida, aqui, em nossa terra, e no mundo inteiro.

A vitória militar foi alcançada pela unidade, pela colaboração fraternal dos povos amantes da democracia, em particular pela aliança sincera e honesta das duas grandes democracias capitalistas com a democracia do proletariado.

A Obra dos “Três Grandes”

Foi a obra gigantesca dos três maiores estadistas da nossa época — o presidente Roosevelt, o primeiro ministro Churchill e o marechal Stálin. Graças a eles e à consciência esclarecida de seus povos não tiveram resultado durante a guerra as manobras e tentativas divisionistas dos hitleristas e de todos os seus agentes espalhados pelo mundo. Contra os pessimistas de todos os tempos, os céticos e os descrentes, a colaboração das três grandes potências foi possível para a guerra e foi na base dessa cooperação que a guerra foi levada a bom termo e a vitória alcançada da maneira mais rápida e decisiva, esmagadora e definitiva. É que a aliança das três grandes nações se baseava, não em motivos acidentais ou temporários, mas em interesses vitais e permanentes. E são esses mesmos interesses, vitais e permanentes, objetivos e fundamentais, que asseguram, agora, mais do que antes, a possibilidade de que elas continuem juntas para a paz, para o período histórico que se inicia de desenvolvimento pacífico para os povos do mundo inteiro. Não nos deixemos enganar pois, pela exploração divisionista dos reacionários e quinta-colunistas, que aproveitam os debates de São Francisco para lançar a confusão e alarmar o mundo com a separação por eles sempre desejada das três grandes nações dirigentes. Como temos visto nos últimos dias, os boatos que nos chegam através das grandes agências telegráficas, da Europa ou de São Francisco, pouco duram, mas são logo substituídos por novos boatos, cada vez mais cínicos, visando sempre armar a quinta-coluna com novos argumentos para a sua campanha solerte de guerra e divisionismo. Por tudo isso, convém agora recordar e ter sempre presente aquelas palavras do marechal Stálin em 7 de novembro do ano último:

“Fala-se em divergências entre as potências sobre alguns problemas da segurança. Diferenças existem. Diferenças podem existir entre membros do mesmo partido, quanto mais entre representantes de diversos Estados e partidos diferentes. O que surpreende não é a existência de diferenças, mas que sejam tão poucas e que quase sempre sejam superadas graças à unidade e ação coordenada das três grandes potências. Não houve entre nós nenhuma diferença mais séria que a abertura da segunda frente, e essa foi finalmente resolvida num espírito de completa unanimidade”.

E foi essa unanimidade que nos trouxe à vitória.

Novas Condições Históricas

Enquanto as três grandes potências continuarem unidas teremos paz no mundo. Separadas, voltaríamos à guerra, guerra internacional e guerras civis, ao caos e à destruição de povos inteiros. Não; a colaboração para a paz é possível e necessária, tão possível e necessária quanto o foi para a guerra e para a vitória. Mas cabe igualmente a todos nós, os democratas do mundo inteiro, apoiar e sustentar a colaboração das três grandes potências, lutando sem repouso pela paz interna em nossa própria Pátria, não poupando esforços para encontrar sempre a solução harmônica e pacífica de todas as divergências e contradições de classes que porventura nos possam separar e dividir. Não foi inútil o sangue derramado em tantos anos de guerra. Não é diferente, por acaso, o mundo de hoje daquele de antes da guerra? O mundo de Teerã e Criméia daquele de Munich? O mundo em que o marechal Tito pode mandar fuzilar o traidor Mihailovich, daquele que permitiu a Franco assassinar o povo espanhol?

Antes da guerra, nós, comunistas, lutávamos contra a democracia burguesa aliada dos senhores feudais mais reacionários e submissa ao capital estrangeiro colonizador, opressor, explorador e imperialista. Hoje, o problema é outro, a democracia burguesa volta-se para a esquerda, a classe operária tem a possibilidade de aliar-se com a pequena burguesia do campo e da cidade e com a parte democrata e progressista da burguesia nacional contra a minoria reacionária e aquela parte igualmente reacionária do capital estrangeiro colonizador. Mesmo aqui em nossa terra, o velho tipo de politiqueiro demagogo, que se ria do povo que cinicamente enganava, e do qual só se lembrava nas horas de eleições, tende a desaparecer, de morte natural, por fatalidade histórica. Tem por isso toda a razão o jornalista que escreveu há dias que o novo político é aquele que acredita no povo.

“No povo que tem plena consciência de seus interesses, mas que no momento mostra ter pouca confiança nos políticos que nunca o souberam compreender. Essa confiança é que é preciso restabelecer pela união de todas as classes na realização de uma tarefa comum que faz das reivindicações políticas o passo inicial de um imenso programa consistente em pôr em aproveitamento as possibilidades econômicas do país”. (O Jornal, 18/5/45).

Programa de União Nacional

É este justamente o programa de união nacional que pregamos e pelo qual lutamos desde a agressão nazista ao nosso povo, desde que com o ataque de Hitler à União Soviética teve início a grande guerra pela libertação e independência dos povos. Mas a união nacional dos dias de hoje, do momento histórico que atravessamos, nada tem que ver com a política reformista daqueles que em 1914 fizeram a “união sagrada” em benefício do imperialismo e à custa do sangue das grandes massas trabalhadoras. Uma cousa é tão diferente da outra quanto são diferentes as Nações Unidas, de hoje, da velha Liga das Nações — organização reacionária contra os povos soviéticos, estes mesmos povos que sob a direção do Partido Bolchevique de Lenin e do guia genial, o marechal Stálin, são hoje o esteio máximo das Nações Unidas.

“Com a vitória sobre o nazismo entramos realmente numa nova época. Terminou o período de guerra e começou o período do desenvolvimento pacífico”. (Stálin).

Partido do Proletariado e do Povo

Nós, comunistas, que vivemos sempre na ilegalidade, sentimos bem o quanto difere esta nova época daqueles tempos de antes da guerra, em que vivíamos perseguidos, insultados e vilmente caluniados. Éramos então os “traidores da pátria”, porque nos defendíamos com ardor e violência da violência de um Estado a serviço dos elementos mais reacionários das classes dominantes e do capital estrangeiro colonizador. Depois veio a ameaça fascista, e com a derrota de 1935 encheram-se em nossa terra os cárceres da reação. Foram os anos negros de nossa história contemporânea. Mas, dez anos de guerra e perseguições contra o comunismo fizeram do nosso povo o povo mais comunista da América.

É o que tinha de ser. Comunista para o nosso povo é aquele que de maneira mais firme e consequente luta contra o estado de cousas intoleráveis e injusta predominante em nossa terra; comunista é o que quer a negação disso que aí temos, a negação da miséria e da fome, a negação do atraso e do analfabetismo, a negação da tuberculose e do impaludismo, a negação do barracão e do trabalho de enxada de sol a sol nas fazendas do senhor, a negação da censura à imprensa e das limitações de toda ordem às liberdades civis, a negação enfim da exploração do homem pelo homem. E o povo tem razão, porque é realmente este em seus traços gerais o nosso programa, o programa do Partido Comunista do Brasil, que justamente por isso é nos dias de hoje o partido não só do proletariado como de todo o nosso povo.

Única Saída Para a Grande Crise

Na realização progressiva e pacífica, dentro da ordem e da lei, de um tal programa, está sem dúvida a única saída para a grande crise política, econômica e social que atravessamos. E é por estarmos convencidos disto que, num gesto de lealdade e de superior patriotismo, estendemos a mão a todos os homens honestos, democratas e progressistas sinceros, seja qual for sua posição social, assim como seus pontos de vista ideológicos ou filosóficos e seus credos religiosos. Só assim alcançaremos a verdadeira união nacional sem a qual seremos presa fácil do fascismo e dos agentes do capital estrangeiro mais reacionário que, na defesa de seus interesses, fomenta a desordem e prega a desunião, geradora do caos e da guerra civil que precisamos a todo transe evitar.

A Linha Política do Partido Comunista

Esta a nossa posição política, a linha política de nosso Partido — unificação nacional para iniciar a solução dos graves problemas econômicos e sociais e chegarmos, de maneira pacífica, através de eleições livres e honestas, à Assembleia Constituinte e à reconstitucionalização democrática que todos almejamos.

A não ser com o nosso povo não temos compromissos com ninguém. Lutamos e lutaremos pela unificação nacional e estendemos a mão a todos os brasileiros, mas não fazemos cambalachos nem cederemos uma linha sequer aos desordeiros aos golpistas, trotskistas e demais aventureiros a serviço do fascismo e dos piores inimigos do nosso povo.

Sabemos o quanto é grave o momento que atravessamos e em contato, como estamos, com as camadas mais pobres de nosso povo sabemos e sentimos o quanto é dolorosa sua situação econômica e miserável o nível de vida a que chegou. Multiplicam-se com a inflação os preços dos artigos de primeira necessidade e não são reajustamentos de salários cem acréscimos de 40 ou 50% que permitirão à classe operária sair da miséria em que se debate. Do outro lado, uma absurda fixação de preços que em geral só atingiu os produtos agrícolas de maior consumo veio agravar a situação já difícil em nosso campo, fomentar o êxodo agrícola para as grandes cidades e determinar a escassez cada vez maior dos referidos artigos e alimentai a especulação impiedosa do mercado negro.

Como enfrentar tão séria situação? O remédio não está, evidentemente, na guerra civil nem nos golpes salvadores. Mas já está visto também que os paliativos nada resolvem. Não é mais possível enganar a fome do povo com a eloquência vazia sobre as belezas de nossa natureza. O método mais recente do malabarismo com cifras já não dá também maiores resultados. Como avaliar valores com uma unidade monetária elástica que encolhe cada vez mais em seu poder de compra?

Estala a Velha Estrutura Econômica

A linguagem dos patriotas é outra — o povo não quer ser acalentado como criança, quer conhecer a verdade, e já provou suficientemente nesses anos de guerra que sabe sofrer em silêncio, com altivez e resignação, se assim for necessário à honra e à independência da Pátria. O que é evidente, já não pode mais ser negado, é que, já agora, estala por todos os lados nossa arcaica estrutura econômica. Nada se fez de prático nos últimos quinze anos, que se seguiram à grande crise de 1929, para resolver as contradições fundamentais entre as forças de produção em crescimento e unia infraestrutura econômica secularmente atrasada em que os restos feudais lutam ainda por sobreviver em plena época da revolução socialista e da vitória do socialismo; já em realização na sexta ou quinta parte do mundo.

A verdade é que os elementos mais reacionários das classes dominantes do país e do capital estrangeiro procuraram, e em grande parte o conseguiram, nestes quinze anos, impedir o progresso nacional. Política de proteção aos que monopolizam a propriedade da terra e não a cultivam, pela lei do reajustamento econômico, pela queima do café, pelos Institutos monopolizadores. Política da proteção a uma indústria primitiva e retrógrada, pela proibição da importação de maquinaria moderna. Tudo determinando uma renda nacional miserável que não permite maior expansão da renda pública, o que impediu o reequipamento das estradas de ferro, a aquisição de navios, o desenvolvimento da instrução popular e o saneamento em escala necessária de largos tratos de nosso vasto país.

“Progredir ou Perecer”

Tentamos em 1935 com a Aliança Nacional Libertadora resolver revolucionariamente tais problemas, enfrentar a demagogia integralista com a resolução dos problemas fundamentais da revolução democrático-burguesa — a revolução agrária e anti-imperialista pelo seu conteúdo, porque já sabíamos que sem um golpe decisivo contra o capital estrangeiro reacionário e colonizador, sem que a terra passasse ao poder da massa camponesa sem-terra, nenhum passo seria possível dar no progresso do país. Fomos derrotados e nestes dez anos de combate ao comunismo o que de fato se fez com as armas asquerosas da polícia, do Tribunal de Segurança Nacional, do DIP reacionário de ontem, bem diferente por certo deste de hoje que irradia a palavra do povo, foi impedir o progresso nacional e enganar a nação com uma prosperidade fictícia de inflação e de obras públicas suntuárias e de fachada, com exclusão talvez única e honrosa do início da construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda.

Mas hoje a situação é outra. A guerra precipitou a crise e pôs em tensão as grandes forças materiais e morais de nosso povo. Com uma rapidez que a muitos surpreende, modifica-se nossa situação política e damos passos decisivos para a democracia, de maneira a poder o Brasil em breve alcançar pelo seu regime político os países capitalistas mais avançados. E, devido a isso, já são agora as próprias classes dominantes, por intermédio da palavra autorizada dos dirigentes de maior prestígio de suas tradicionais organizações, que mostram compreender o que há de profundo e verdadeiro no dilema de Euclides da Cunha — progredir ou perecer. Perecer ou alcançar e sobrepassar aos países capitalistas mais avançados, não só pelo regime político, como também economicamente.

Dirigir a Pátria Pelo Caminho do Progresso

Esta a nossa tarefa atual e urgente. Para levá-la a bom termo, de maneira ordeira e pacífica, é que precisamos da união mais firme e leal de todo o nosso povo, dos patriotas, democratas e progressistas de todas as classes. Contra uma unidade tão ampla só poderá ficar a minoria reacionária e fascista que ainda espera conseguir deter a avalanche democrática com golpes de estado e guerra civil. Todos juntos porém, operários e patrões progressistas, camponeses e fazendeiros democratas, intelectuais e militares, havemos de vencê-la, dirigir nossa Pátria pelo caminho do progresso e salvar nosso povo do aniquilamento físico, do atraso cultural e da decadência moral que o ameaça. Estamos convencidos de que dentro de um Parlamento democrático livremente eleito, de que participem os genuínos representantes do povo, será possível e relativamente fácil encontrar a solução progressista de todos os nossos problemas. Será possível então legislar sobre a propriedade da terra, em particular dos latifúndios abandonados nas proximidades dos grandes centros de consumo e das vias de comunicação já existentes, colocando seus donos ante o dilema inexorável de explorá-los por métodos modernos ou de entregá-los ao Estado para que sejam suas terras distribuídas gratuitamente à massa camponesa sem-terra que nelas queira viver, trabalhar e produzir para o mercado interno em expansão e cada vez mais livre, de que tanto necessita a nossa indústria.

Tarefas de Um Parlamento Democrático

Num Parlamento democrático será possível legislar contra o capital estrangeiro mais reacionário, contra os contratos lesivos ao interesse nacional e ao progresso do país. Isto não quer dizer que sejamos contrários ao capital estrangeiro que nas condições do mundo atual ainda pode ser, dentro das limitações da Carta do Atlântico e após as decisões históricas de Teerã e Criméia, um dos colaboradores mais eficientes do progresso e da prosperidade dos povos mais atrasados. No mundo inteiro os povos ficarão agora livres da intervenção estrangeira nos seus negócios internos, e assim sendo, o imperialismo está moribundo e o capital estrangeiro perde a sua característica mais reacionária para se transformar em fator de progresso e prosperidade para todos os povos.

Protegeremos num Parlamento democrático a indústria nacional ameaçada pela concorrência estrangeira, entregando ao Estado o controle planificado de nossas importações. É cada vez mais claro que o ouro proveniente das exportações nacionais não pode mais ser malbaratado na aquisição de artigos de luxo, as geladeiras, os discos de vitrola, as camisas e outras bugigangas, semelhantes àquelas contas de vidro com que os portugueses enganavam os nossos índios para deles obter em troca os víveres de que necessitavam nos primeiros tempos da colonização e escravização dos mesmos aborígines.

Enfim, só um Parlamento democrático poderá rever de maneira inteligente nossa legislação trabalhista e assegurar a liberdade sindical que, a par das liberdades civis, constitui sem dúvida o elemento básico e indispensável para a realização prática de muita cousa que não passou até hoje da letra da lei. Imediatamente, o que convém a patrões e operários é resolver diretamente, de maneira harmônica, franca e leal, por intermédio de comissões mistas nos locais de trabalho ou pelo acordo mútuo entre sindicatos de classe as divergências inevitáveis criadas pela própria vida. Os operários querem e precisam de melhores salários e melhores condições de trabalho, e, atendidos, saberão ajudar os patrões, por uma eficiência maior no trabalho, a reduzir os custos de produção, tudo em benefício, afinal, da grande massa consumidora e do progresso nacional.

Mas a união nacional é necessária ainda para enfrentar de maneira prática e decisiva o grave problema da inflação que ameaça neste instante toda a nossa economia, além de gerar e alimentar o mal-estar popular habilmente explorado pelos agentes da desordem e provocadores fascistas. Aos partidos políticos, às organizações sindicais, operárias e patronais, ao governo, cabe enfrentar de maneira unitária e solidária o grave problema.

Medidas Que os Comunistas Propõem

Nós, comunistas, propomos desde já o estudo e imediata aplicação das seguintes medidas:

  1. — Estímulo à produção de víveres, especialmente nas proximidades dos centros de maior consumo, com a entrega de terras gratuitamente a famílias camponesas que se comprometam a explorá-las imediatamente. Estímulo e apoio ao cooperativismo livre e democrático, pelo crédito barato e, se possível, sem juros; auxílio financeiro e técnico ao pequeno agricultor e, se for necessário, fixação e garantia de preço mínimo para a produção aconselhada pelo governo.
  2. — Redução do imposto de consumo e de todos os impostos sobre as trocas internas que devem ser o mais rapidamente possível desembaraçadas de todos os obstáculos atuais.
  3. — Aumento do imposto sobre a renda de maneira progressiva. Um novo imposto sobre o capital. Empréstimos forçados sobre os lucros extraordinários em escala fortemente progressiva.
  4. — Utilização imediata dos saldos ouro no estrangeiro para aquisição de navios, material ferroviário, usinas e material elétrico, caminhões, tratores e maquinaria agrícola.
  5. — Eliminação na medida do possível do intermediário na venda de nossos produtos ao estrangeiro, como já se vinha fazendo com sucesso, em real benefício do pequeno produtor, com a exportação do cacau.
  6. — Elevação ponderável, isto é, de cento por cento, pelo menos, dos salários mínimos; e elevação geral de todos os salários e vencimentos inferiores a mil ou mil e quinhentos cruzeiros por mês.

Estas as medidas que aconselhamos e submetemos ao debate público, sem objetivos demagógicos e visando somente os mais altos interesses da Pátria, o progresso do Brasil e o bem-estar de nosso povo.

O Problema Eleitoral

E passo agora ao problema eleitoral, aquele que para muitos de vós, inevitavelmente influenciados pela agitação, dos últimos meses, é certamente o problema interno mais imediato e mais sério no momento que atravessamos.

Como dominar, submeter e controlar o espírito de partidarismo desenfreado e ameaçador com que se iniciou a campanha eleitoral? Uma singular campanha eleitoral cujos dirigentes de maior prestígio chegam a afirmar em praça pública que não pedem votos, mas sacrifícios, sangue, guerra civil portanto. A oposição exige que o sr. Getulio Vargas abandone o cargo, para que seja mantida a paz interna. Mas será esse realmente o caminho democrático da ordem, da paz, e da união nacional? Não terá, ao contrário, razão o sr. Getulio Vargas ao afirmar que seu dever é manter a ordem para levar o país a eleições livres e honestas e entregar o poder ao eleito da Nação? Sua saída do poder neste instante seria uma deserção e uma traição que não contribuiria de forma alguma para a União Nacional; pelo contrário, despeitaria novas esperanças entre os fascistas e reacionários e aumentaria as dificuldades, tornando mais ameaçador ainda o perigo de golpes de estado e de guerra civil.

O Que o Povo Espera do Sr. Getulio Vargas

Assim como em agosto de 1942 voltou-se o nosso povo para o sr. Getulio Vargas, na esperança de que o antigo chefe do movimento popular de 1930 quisesse dirigi-lo na luta de morte contra o agressor nazista, o que o nosso povo espera agora do sr. Getulio Vargas, prestigiado como está pela vitória de nossas armas na Itália, são eleições realmente livres e honestas. Este, o seu dever de homem e cidadão, e apesar de todas as divergências políticas que já nos separaram de S. Excia. contra cujo governo já lutamos de armas na mão, não temos o direito de duvidar do patriotismo do Chefe da Nação.

O que convém ao nosso povo, aos homens sensatos e honestos de todas as classes, é que as próximas eleições constituam mais um fator, e considerável, de unificação nacional, de paz, de ordem e tranquilidade. E como conseguir isto? Como desmascarar praticamente os demagogos, os agentes da desordem, os trotskistas ou provocadores fascistas? De uma única maneira: pela organização do povo em organismos que lhe sejam próprios, em amplos comitês ou comissões nos locais de trabalho, nas ruas e bairros; comitês populares democráticos que, unidos, pouco a pouco, de baixo para cima, constituirão, num futuro mais ou menos próximo, as organizações democráticas populares de cidade, região e Estado, até a grande união nacional, aliança de todas as forças, correntes, grupos e partidos políticos que aceitem o programa mínimo de unificação nacional. Esses comitês populares deverão ser amplos, de nenhuma cor partidária, e receber no seu seio a todos os sinceros democratas, patriotas e progressistas que realmente lutem pela união nacional, pela ordem e tranquilidade, pelas reivindicações econômicas mais imediatas e por eleições livres e honestas. É evidente desde logo que tais organismos populares escolherão como seus candidatos aos cargos eletivos os homens que lhes inspirem confiança, que lhes pareçam capazes de defender aquele programa e de participar ativamente da solução dos grandes e graves problemas nacionais do momento.

Para Evitar o Caos e a Guerra Civil

Este o caminho que indicamos ao nosso povo como único capaz de evitar o caos e a guerra civil. O povo organizado é a única força capaz de impedir a desordem e de sustentar o governo na marcha para a democracia contra as maquinações dos reacionários, da quinta coluna e dos fascistas, que, lamentavelmente não foram ainda expulsos dos postos que ocupam no próprio aparelho estatal. Foi o que vimos ainda há pouco com a grande vitória da anistia, conquistada pelo povo organizado, dentro da ordem e da lei, apesar de todas as manobras perversas dos atentas do inimigo.

O Partido Comunista, vanguarda esclarecida do proletariado, sempre marchou, marcha e marchará com o povo, e os comunistas participarão ativamente da organização e desenvolvimento de comitês populares democráticos dentro dos quais se sentirão felizes ao lado de todos os democratas não comunistas, quaisquer que sejam suas opiniões políticas, filosóficas e religiosas, dignas todas do maior respeito, como deve ser no Brasil progressista e democrata a que desejamos todos chegar.

O Papel Dirigente do Proletariado

Ao proletariado cabe um papel dirigente e fundamental nesse grande esforço de unificação nacional, porque só a classe operária organizada sindicalmente pode realmente mobilizar as grandes massas populares e fazer com que a política nacional se desenvolva mais rapidamente no sentido da democracia e da liberdade. Procurar o seu sindicato para transformá-lo em instrumento de luta pela união nacional e garantia máxima da ordem interna é o grande dever operário na hora que atravessamos. É por intermédio de suas organizações sindicais que a classe operária poderá ajudar o governo e os patrões a encontrar soluções práticas, rápidas e eficientes para os graves problemas econômicos do dia. É por intermédio do sindicato que mais facilmente se exerce a vigilância de classe contra o provocador fascista que luta pela divisão do movimento operário para que as grandes empresas reacionárias possam descarregar o peso da situação econômica sobre os consumidores e, portanto, sobre os próprios trabalhadores. E através do Movimento Unificador dos Trabalhadores havemos de chegar ao organismo nacional da classe operária que assim unida será a grande força dirigente dos acontecimentos, em proveito naturalmente do progresso nacional, do bem-estar do nosso povo.

Companheiros e amigos!

O que queremos é chegar através da união nacional à verdadeira democracia, antes e acima de tudo a uma Assembleia Nacional Constituinte de que participem os legítimos representantes do povo, assembleia democrática que efetivamente apoiada pelo povo, organizado em seus partidos políticos e comitês populares democráticos, possa livre e soberanamente discutir e votar a Carta Constitucional que almejamos, a Lei fundamental que permita o progresso da Pátria e nos assegure, a todos nós, e para sempre, os grandes, sagrados e inalienáveis direitos do homem e do cidadão, a par dos direitos que todos devemos ter ao trabalho, à saúde, à instrução e cultura, ao bem estar, assim como ao socorro e ajuda na doença, na invalidez e na velhice.

E para chegarmos a eleições livres torna-se cada dia mais necessário um governo que inspire confiança à Nação, um governo de que participem homens de prestígio popular e na altura de enfrentar e resolver os graves problemas da hora que atravessamos.

Os Comunistas Esteio-Máximo da Ordem

Nós, comunistas e antifascistas conscientes, que temos sido nestes dias de agitação, em que se prega a desordem e se fala abertamente de golpes armados, o esteio máximo da ordem e da lei, temos o direito de solicitar do governo que revogue sem maior demora uma legislação caduca que ainda envenena o ambiente, uma legislação que proíbe a atividade legal dos partidos políticos mas que é, no entanto, impotente frente ao integralismo que se reorganiza descarada e atrevidamente, apesar do sangue derramado pela nossa juventude nas encostas geladas dos Apeninos. A liquidação definitiva, política e moral do fascismo em nossa terra é o primeiro e indispensável passo no caminho da redemocratização do país.

Não se trata de ódios nem ressentimentos pessoais. Todos nós que sofremos na nossa própria carne e na de nossos seres mais queridos esses anos de perseguições e de cárceres, já provamos suficientemente que colocamos os interesses da Pátria, de nosso povo e da Humanidade muito acima de nossas paixões pessoais.

O que não é admissível é a reorganização em nossa terra dos bandos fascistas, o que não é admissível é que continuem nos postos de governo reacionários e fascistas notórios, ainda hoje dispostos a impedir a marcha para a democracia e a fazer uso das armas de que porventura possam dispor para tentar a volta de um regime de sangue, exploração e obscurantismo que vai sendo varrido do mundo à custa do sacrifício de milhões de seres humanos, entre os quais já contamos alguns milhares de patrícios nossos, os melhores e mais queridos filhos do nosso povo.

É liquidando os restos caducos da reação que o governo se reforça e realmente marcha para a democracia.

Chamar ao Governo Homens de Prestígio Popular

É chamando ao poder homens de prestígio popular que compreendam o povo e saibam e possam falar com o povo que o governo se reforça e chegará a inspirar confiança a Nação na marcha sem retrocessos para a democracia, para as eleições livres e honestas que todos almejamos.

É com um governo prestigiado, forte do apoio popular, que resolveremos em paz os nossos problemas, seremos dignos enfim das responsabilidades desta hora no convívio internacional e do alto posto a que nos levou nossa participação ativa na guerra entre as nações irmãs do Continente.

Já não nos encontramos mais naquela época em que o Presidente Theodor Roosevelt, referindo-se à América Latina nos chamava a todos, alarmado, de “rusguento grupo de Estados, premidos pelas revoluções e onde um único não se destaca mesmo como nação de segunda ordem”. A custa de sacrifícios ingentes, a custa do sangue do nosso povo, participamos ativamente da guerra contra o nazismo e hoje, se soubermos resolver em paz os nossos problemas, com um governo prestigiado, forte do apoio popular, devemos e podemos ser a sexta potência mundial, a sexta grande democracia, digna de seus pares nos Conselhos internacionais que dirigirão o mundo, e esperança e apoio para todos os povos do Continente ou do Mundo que ainda lutem pela democracia, pela liberdade e pela independência.

Apelo ao Povo

Este o apelo que em nome do Partido Comunista dirijo ao nosso povo e ao governo, aos dirigentes sindicais, operários e patrões, aos nossos intelectuais, aos chefes militares, assim como aos dirigentes de todas as correntes e partidos políticos, aos dois homens dignos que já se candidataram à Presidência da República, a todos os homens de responsabilidade enfim.

A união nacional é possível. Existem em nossa terra todas as condições objetivas para sua realização. Unamo-nos pois!

A desordem e a desunião só interessam ao fascismo, aos remanescentes da quinta coluna no país e aos agentes do capital estrangeiro mais reacionário, aos agentes do isolacionismo americano e do muniquismo inglês, inimigos todos da democracia e do nosso povo.

A união ou o caos; a democracia ou a desordem; o desenvolvimento pacífico ou a guerra civil — são os dilemas que defrontamos.

Nós, comunistas, não vacilamos. Já escolhemos há multo o nosso caminho — união, democracia, desenvolvimento pacífico — é o melhor caminho, é o que indicamos ao nosso povo.

VIVA A UNIDADE DE TODO O POVO, ORGANIZADO EM SEUS COMITÊS DEMOCRÁTICOS!

VIVA A UNIÃO DOS POVOS AMANTES DA PAZ E DA DEMOCRACIA!

VIVA A SOLIDARIEDADE DOS POVOS AMERICANOS!

VIVA A NOSSA GLORIOSA FÔRÇA EXPEDICIONÁRIA!

VIVA A FÔRÇA DAS NAÇÕES UNIDAS!

VIVA O EXÉRCITO VERMELHO E O GUIA GENIAL DOS POVOS SOVIÉTICOS O MARECHAL STÁLIN!

VIVA O BRASIL DEMOCRATA E PROGRESSISTA!

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- 01/07/2022