CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Conjuntura, Destaque, Nacional

Teria a burguesia brasileira se tornado “democrática”?

A manifestação “democrática” no salão nobre da Faculdade de Direito da USP, em 11/8, debaixo do retrato de D. Pedro II.

Cem Flores

015.08.2022

No “Soneto da Separação”, Vinícius de Moraes poetiza a separação dos amantes, que de repente passam do riso ao pranto. Teria da mesma forma, “de repente, não mais que de repente”, a burguesia brasileira – que sempre conviveu de “bocas unidas” e “mãos espalmadas” com a ditadura, a repressão, o autoritarismo, apoiando-os como o “amigo próximo” – se tornado “democrática”?

A resposta é, obviamente, não!, exceto nas visões ideológicas que a própria burguesia inventa de si mesma e na subserviência da “esquerda” reformista e institucional, sempre disposta a passar pano para os patrões.

A burguesia é a classe dominante do capitalismo, em oposição antagônica com o proletariado e as demais classes dominadas, às quais explora, para obter seus lucros, e reprime, para manter seu regime de dominação. Portanto, o fundamental para a burguesia é manter o capitalismo, com o auxílio de seu aparelho estatal, o seu regime de exploração e repressão, sua ditadura de classe, sempre!

O regime político dessa dominação burguesa é definido conforme as condições históricas e da luta de classes, com a burguesia tendo alternado e articulado ao longo do último século nazismo, fascismo, apartheid, colonialismo, ditaduras militares e alguns períodos e formas de “democracia” burguesa. Nesse último caso, sempre com restrições, maiores ou menores, às liberdades reais para os dominados. Seja qual for a forma política na qual se apresente, o estado capitalista é o estado dos patrões, uma máquina de opressão contra as massas exploradas.


Leia nossos documentos sobre a conjuntura recente do Brasil:

Brasil: o “paradoxo” de uma economia estagnada com lucros crescentes, de 10.06.2022

O fascista Bolsonaro é amigo dos patrões e inimigo das classes trabalhadoras! (1ª parte), de 05.08.2022


  1. Antecedentes: os ciclos de manifestos “democráticos” de 2020 e 2021

A análise marxista-leninista do significado e da importância da democracia burguesa como uma forma de dominação política da burguesia é imprescindível à análise da sua recente “conversão democrática” (sic!) no Brasil. Desde maio, e principalmente a partir de meados de julho, está havendo uma nova rodada de manifestos em defesa da democracia burguesa, feitos seja por parcelas da pequena burguesia (corporações profissionais como advogados, delegados, economistas, médicos), seja por setores da burguesia doméstica (indústria, bancos, agronegócio, imprensa). Os manifestos atuais constituem uma terceira rodada de posicionamentos do tipo nos últimos anos.

O primeiro ciclo desses manifestos ocorreu no primeiro semestre de 2020, em reação à política genocida de Bolsonaro diante da pandemia e a seu autoritarismo. Foram manifestos como “Estamos Juntos”, “Somos 70%”, “Direitos Já” e “Basta!”, entre vários outros. Em comum, esses manifestos traziam posições genéricas, abstratas e utópicas, sem quaisquer programas ou ações, além da permanente defesa de “frentes amplas” (democráticas, progressistas, antifascistas). Todas essas iniciativas não resultaram em absolutamente nada, não tiveram nenhum impacto nas classes trabalhadoras nem geraram qualquer acúmulo para a luta de classes – como não poderia deixar de ser… Analisamos detalhadamente esses manifestos no nosso documento “Contra Bolsonaro: frentes amplas de classes ou resistência e luta operária e popular?”, de julho de 2020.

Um segundo ciclo, menor, ocorreu no segundo semestre de 2021, pretendendo se antecipar às manifestações autoritárias e golpistas da extrema-direita, fascista, de 7 de setembro daquele ano. Um banqueiro do Credit Suisse e dois do Itaú, juntamente com boa parte dos formuladores de política econômica da burguesia e alguns economistas do mercado financeiro, divulgaram um curtíssimo manifesto em defesa das eleições. A esse manifesto se seguiram pelo menos outros dois, um assinado por sete associações menores do agronegócio e outro, pelos presidentes de dez centrais sindicais.

Os pelegos, que se autodeclaram “representantes dos trabalhadores” (sic!), mais uma vez se juntaram aos seus patrões. Posicionaram-se contra a “fuga de investimentos”, o “clima de instabilidade”, a “imagem de descrédito do Brasil” e a “desarmonia entre os poderes da República”. Para a pelegagem oportunista, a solução estaria nas mãos das instituições burguesas: “É preciso que o legislativo e o judiciário em todos os níveis, os governadores e prefeitos, tomem à frente de decisões importantes em nome do Estado Democrático de Direito”. Trata-se da eterna e inescapável posição reformista, linha auxiliar da burguesia junto às classes trabalhadoras, de sabotar o movimento de massas e de se colocar de joelhos diante dos patrões e do estado burguês! Veremos isso se repetir mais uma vez agora.

Mas esse segundo ciclo foi marcado pelo anúncio da Fiesp (que reúne a burguesia industrial de São Paulo) e da Febraban (a associação nacional dos grandes bancos) de divulgação de um amplo manifesto empresarial conjunto contra a escalada golpista… o que nunca aconteceu! A Febraban vazou uma minuta, escrita por seus executivos, mas nunca assinada pelos bancos associados, esperando a adesão da Fiesp, que nunca veio. Em seguida, a Fiesp vazou a sua própria versão da “pacificação dos três poderes”. Na sequência, Paulo Guedes interveio e bloqueou o manifesto da Febraban, que meteu o rabo entre as pernas, e pressionou contra a divulgação do da Fiesp. A obediente Fiesp então esperou passar a manifestação bolsonarista de 7 de setembro, que ocorreu em frente à sua sede em São Paulo, para divulgar, em 10 de setembro, um conjunto de platitudes anódinas, agora sim, assinado por quase 250 entidades empresariais, de âmbito nacional e paulista – e obviamente não se trata de afirmar que a Fiesp e a burguesia industrial teriam se tornado “democráticas”. Desnecessário dizer que, também nesse segundo ciclo, os manifestos não tiveram nada a dizer para as classes dominadas, nem impactaram a conjuntura política do país, muito menos a ofensiva da extrema-direita, fascista.

  1. Os manifestos “democráticos” de 2022

Agora, às vésperas das eleições e diante do contínuo recrudescimento autoritário e golpista de Bolsonaro e sua corja, com as forças armadas em papel de destaque nessa ofensiva política, surge o terceiro ciclo de “manifestos democráticos”, que já soma mais de uma dezena de manifestos.

No final de julho, a Fiesp, presidida pelo filho do vice-presidente de Lula de 2003 a 2010, publicou o programa da burguesia industrial para o próximo presidente. As demandas são as de sempre: políticas industriais “modernas” (ou seja, mais dinheiro público subsidiado para a burguesia industrial) contra a desindustrialização; taxas de câmbio e de juros mais favoráveis aos seus lucros; investimento público em infraestrutura (reduzindo seus custos indiretos de produção); mais concessões/privatizações; ainda mais “modernização trabalhista”, com “normas mais flexíveis” (para reduzir mais ainda o custo da força de trabalho, pois para a burguesia a reforma trabalhista não foi suficiente); e “maior inserção da indústria brasileira nas cadeias globais de valor”. Esse último ponto, como ninguém pode imaginar a indústria brasileira liderando nenhuma dessas cadeias imperialistas, significa uma demanda da grande burguesia industrial interna de se associar ainda mais efetivamente e, claro, de forma subordinada, aos grandes monopólios de capital financeiro dos principais países imperialistas (EUA e China).

Talvez por descuido, o documento mencionou “estabilidade democrática” e “respeito ao Estado de Direito”. Foi o suficiente para a Fiesp rachar, com uma parte dos patrões acusando a “politização” da entidade, não querendo correr “o risco de indispor a entidade com Bolsonaro”, estando “preocupados em não irritar Bolsonaro”. Ou seja, para a burguesia, os negócios acima de tudo e os lucros acima de todos. “Democracia” (burguesa) para os patrões é algo para se lançar mão se for necessário e útil.

Também no final de julho foi divulgado o manifesto mais importante desse terceiro ciclo, a Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito, de ex-alunos da faculdade de direito da USP, advogados privados e do setor público, ex-ministros do STF, membros de tribunais superiores, do ministério público e da defensoria pública. O manifesto jurídico defende com ênfase a democracia burguesa, a ordem constitucional, o poder judiciário e as eleições. Como todos os demais manifestos, parte do princípio de que essas são as únicas pautas necessárias e/ou possíveis atualmente, unindo a todos independente de sua classe, conclamando mais uma vez à formação de frentes amplas sob a direção burguesa: “Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática”, “independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um”. Nossa posição contrária a essas propostas de frentes amplas sob posições burguesas – que desorganizam as classes dominadas e as despolitizam em relação a seus interesses próprios e independentes de classe – estão detalhadas no documento “Contra Bolsonaro: frentes amplas de classes ou resistência e luta operária e popular?.

Essa posição de classe pequeno burguesa chega ao paroxismo na afirmação de que “Ditadura e tortura pertencem ao passado”. Os/as trabalhadores/as, seus filhos e suas filhas, a população pobre e majoritariamente negra, moradora das favelas e periferias das grandes cidades e do campo, vivem cotidianamente uma realidade diametralmente oposta às condições de vida seguras e confortáveis da burguesia e da pequena burguesia. Para as classes dominadas, “nunca existiu estado de direito de fato”. Ao contrário, para a massa explorada são negados cotidianamente seus “direitos” à moradia, transporte, saúde e educação dignos, além de não existir “inviolabilidade do domicílio”. A massa também sofre cotidianamente abordagens policiais injustificadas, detenções arbitrárias, torturas em delegacias e penitenciárias (a ponto de já existir até mesmo um manual de orientação sobre como tratar esses casos!) e assassinatos pelo aparelho repressivo de estado capitalista. De acordo com esse acompanhamento do poder judiciário, em 2016 (Dilma/Temer) houve 4,3 mil denúncias de tortura. Em 2017 e 2018 (Temer), aumentou para 8,3 mil por ano, em média. De 2019 a 2021 (Bolsonaro), mesmo com a redução em 2020 por causa da pandemia, a média anual atingiu 11 mil casos. De janeiro a julho deste ano, as denúncias já bateram a média dos 3 anos anteriores, atingindo 11,2 mil ocorrências.

Às assinaturas daquelas carreiras jurídicas se somaram as de alguns poucos burgueses individualmente (Itaú, Bradesco e Credit Suisse; Suzano, Votorantim, Klabin e Natura; Magazine Luiza e Insper, entre outros) e de diversos jornalistas, intelectuais (dentre eles os formuladores do programa hegemônico da burguesia), artistas, ativistas e políticos (como Lula e Alckmin). A divulgação antecipada do manifesto possibilitou mais de 1 milhão de adesões ao final do dia 11 de agosto, tornando-o o maior manifesto desses três ciclos.

Colocando-se a reboque dessa manifestação democrática da pequena burguesia, o sindicalismo pelego e o oportunismo de “esquerda” como um todo rapidamente aderiu a ela e cancelou sua agenda própria de mobilizações, marcada originalmente para o sábado, 6 de agosto. Ao invés disso, buscou reforçar a leitura do manifesto jurídico (e do da Fiesp), no dia 11, participando desse ato e convocando manifestações de rua.

Também a partir do sucesso do manifesto jurídico, Fiesp e Febraban decidiram retomar a proposta de setembro do ano passado e elaborar um documento próprio dos patrões “em favor da democracia” (sic!), para ser igualmente lido em 11 de agosto. Para o “susto” do presidente da Fiesp, diversos sindicatos patronais se recusaram a assinar o documento, como Anfavea (setor automobilístico), CBIC e SindusConSP (construção), Abifer (ferroviário), CNI (indústria), Abcic (concreto), Abrafarma (medicamentos), e até mesmo a entidade “gêmea” da Fiesp, o Ciesp. No final das contas, o “patronato democrático” (sic!) se resumiu a 18 dos 131 sindicatos que compõem a Fiesp, além da Febraban, Fecomércio e IEDI – enquanto o texto placebo de setembro de 2021 contou com assinatura de 250 entidades patronais…

A Fiesp, portanto, se dividiu em duas alas: uma que se recusou a assinar o manifesto e outra que assinou, mas que não quer se indispor com o presidente. Assim, para o mesmo dia 11 de agosto, a Fiesp convidou Bolsonaro para uma reunião de apresentação do seu programa, na qual também o convidaria a assinar seu “manifesto democrático” (sic!). Também nesse dia, Bolsonaro teria um jantar com um grupo de patrões (Carrefour, Riachuelo, Hapvida e Localiza). Como diria Groucho Marx, a Fiesp tem os seus princípios, mas se o presidente não gostar deles, os patrões têm outros!

Bolsonaro acabou cancelando os dois encontros e a Fiesp, “cara de pau e sem caráter”, reiterou formalmente o convite, ainda sem resposta. Então foi a vez da outra entidade patronal “democrática” (sic!), a Febraban. Em busca da “reaproximação”, Bolsonaro foi almoçar com a nata dos banqueiros do país, incluindo Itaú, Bradesco, Santander, BTG Pactual, XP, Safra, Alfa, J.P. Morgan, Citibank, B3 e vários outros. Em suma: a burguesia só quer saber de seus negócios e de seus lucros. Nas raras vezes que se manifesta contra o seu governante de plantão, cuida logo de buscar uma conciliação.

Se poucos patrões assinaram o seu manifesto de classe, o mesmo não pode ser dito das centrais sindicais pelegas. Engrossam o manifesto da burguesia os pelegos da CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Intersindical – Central da Classe Trabalhadora, Pública e NCST, além de UNE e do Instituto FHC e outras entidades, totalizando 107 signatários. Detalhe: os pelegos decidiram assinar o manifesto antes mesmo dele ficar pronto e, quando conheceram o texto, o aprovaram “sem restrição”. Nada se compara ao reformismo e ao oportunismo na subserviência aos patrões!

Completam o terceiro ciclo outros manifestos patronais (o das associações patronais da grande imprensa e de uma “coalizão do clima, florestas e agricultura”, com alguma participação do agronegócio); de corporações jurídicas (o do autointitulado pacto pela democracia, da OAB – que se recusou a assinar os manifestos gerais em prol desse manifesto próprio e irrelevante, e de delegados da polícia civil!); e de universidades e associações científicas (USP, SBPC – com quase 55 mil assinaturas, e professores eméritos da Unicamp). Alguns manifestos, ao se posicionarem em defesa da democracia burguesa, de suas instituições e do processo eleitoral, aproveitam para também declarar voto na chapa Lula-Alckmin, como é o caso do manifesto dos economistas, com mais de 1,1 mil assinaturas, e dos médicos da USP.

  1. O ato “democrático” de 11 de agosto

O ato democrático do dia 11 de agosto foi representativo, tendo sido organizado e convocado por semanas, ocorrendo em praticamente todas as capitais do país, o que lhe garantiu abrangência nacional, e contando com ampla e generosa cobertura da mídia. E, no entanto, no seu aspecto de manifestação de rua, o caráter nacional do ato não foi tão evidente. A maior concentração ocorreu em frente à faculdade de direito da USP, com menos de 10 mil pessoas. Mais tarde, a concentração foi na Avenida Paulista, cujo perfil foi majoritariamente branco (59%), com ensino superior (79%), com 39% ganhando mais de 5 salários-mínimos, conforme o Monitor do Debate Político no Meio Digital. No restante do país, os atos se resumiram a manifestações com centenas ou poucos milhares de pessoas ou mesmo à leitura da carta em ambientes fechados. Nas redes sociais, as menções ao ato não foram muito significativas e boa parte fruto da crítica dos bolsonaristas.

Independentemente do perfil dos/as oradores/as, o mantra da união de todos em defesa das instituições do estado capitalista, da democracia burguesa e do processo eleitoral foi defendido de forma unânime. O pelego da UGT defendeu o manifesto por “não definir classe social”; para a CUT, a “defesa da democracia e do processo eleitoral neste momento, é tarefa de toda a sociedade”; a Frente Brasil Popular saudou “esta grande unidade que reúne diversos segmentos da sociedade civil”; a representante da Coalizão Negra por Direitos, o fato de que “diferentes setores se unem em defesa da democracia”; a presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, “a união de diversos setores da sociedade para defender as liberdades e os direitos”. Mas quem foi mais direto ao ponto foi um ex-ministro da justiça do governo FHC, quando afirmou que “Hoje é um … momento grandioso. Eu diria talvez inédito, em que capital e trabalho se juntam em defesa da democracia”. Ele esqueceu de dizer que é o “capital” que geralmente falta ao encontro com a democracia para melhor poder explorar e reprimir o “trabalho”.

Reafirmemos mais uma vez: a política de conciliação de classes sempre é do interesse dos patrões, já que apaga os interesses próprios dos/as trabalhadores/as em prol de uma aliança com os patrões. Para o proletariado e as demais classes dominadas, essa é mais uma política de subordinação da nossa classe à burguesia. Desarma o proletariado na luta contra a atual ofensiva de classe burguesa e no combate à fascistização em curso, substituindo o urgente avanço organizacional por ilusões institucionais.

Sobre o terceiro ciclo de manifestos democráticos é importante ressaltar que o bolsonarismo não ficou parado, inerte, em relação a eles. Há diversas declarações de Bolsonaro a respeito, mostrando que, por um lado, ele sentiu o golpe e, por outro, partiu para a reação, como o reforço da convocação do ato da extrema-direita, fascista, em 7 de setembro. O Movimento Advogados de Direita Brasil postou, em 28 de julho, um manifesto em defesa de Bolsonaro para ser lido nos atos daquele dia. Em 13 de agosto, o manifesto já contava com mais de 879 mil assinaturas.

  1. Qual a posição do conjunto da burguesia e das suas principais frações em relação a Bolsonaro?

Certamente há muitas críticas burguesas ao “estilo” de Bolsonaro, que são, na verdade, críticas à sua face antissistema. Claramente uma parcela – minoritária, porém relevante – da burguesia e de seus ideólogos já se afastou do bolsonarismo, se pronuncia publicamente de forma crítica e não votará em Bolsonaro no primeiro turno (quanto ao segundo turno, isso é mais incerto…).

Note-se que falamos em parcelas das classes dominantes e mesmo na posição individual de alguns patrões, mas não de frações da burguesia, o que seria, no momento, mais uma expressão de desejo do que uma análise objetiva da realidade. Quanto a isso, já destacamos acima a falta de consenso na Fiesp em relação ao manifesto de 11 de agosto, assinado por uma parcela minoritária dos seus sindicatos associados.

Permanecendo na mesma fração industrial da burguesia, a confederação nacional da indústria (CNI) – que não assinou o manifesto da Fiesp – bajulou Bolsonaro no final de 2021, quando ele afirmou mais uma vez, que é duro ser patrão no Brasil. Quanto ao capital comercial, bem representado no grupo Esfera Brasil que iria promover o jantar com Bolsonaro em 11 de agosto, a associação comercial do Rio de Janeiro vibrou, em junho, com os ataques de Bolsonaro ao STF. Em relação ao agronegócio, Bolsonaro foi a estrela do Encontro Nacional do Agro, em Brasília, no dia 10 de agosto, véspera do ato na USP, tendo sido ovacionado, segundo o Estadão, e recebido o apoio eleitoral da confederação nacional da agricultura e pecuária (CNA). Bolsonaro também é participante frequente dos eventos do agronegócio em todo o país.

As razões mais óbvias para a permanência do apoio da burguesia à Bolsonaro são os avanços da ofensiva burguesa durante o seu governo e a retomada das taxas de lucro, como vimos nos textos “Brasil: o “paradoxo” de uma economia estagnada com lucros crescentes” e “O fascista Bolsonaro é amigo dos patrões e inimigo das classes trabalhadoras! (1ª parte)”.

Nessas críticas de parcelas da burguesia a Bolsonaro há que se considerar a proximidade das eleições e a larga vantagem de Lula nas pesquisas. Com isso, crescem as conversas entre os patrões e seu possível futuro representante no governo federal, como a da Fiesp no dia 9 de agosto em que Lula prometeu que “vocês, empresários, vão voltar a ser respeitados”. Essas conversas já selam futuros acordos, como os vetos burgueses a partes do “programa” de Lula (veto à proposta de revogação da reforma trabalhista) e apresentação de propostas (como a de novas regras fiscais). Afinal de contas, se Bolsonaro prestou bons serviços à burguesia, a folha corrida de Lula nesse quesito não deixa por menos: “nunca os empresários ganharam tanto dinheiro”… Diante da perspectiva de troca de guarda na gestão do capital no país, uma parcela crescente das classes dominantes começa a se acertar com quem pode consolidar as conquistas da ofensiva burguesa até o momento.

Além disso, a burguesia sabe que um movimento que possibilitasse a ampliação dos poderes presidenciais de Bolsonaro, alinhado a seus objetivos autoritários e golpistas, como sua (ainda que difícil) reeleição, permitiria avançar ainda mais na sua ofensiva de classe. Ao longo dos últimos três anos e meio, várias foram as iniciativas nesse sentido frustradas do governo, seja pelo congresso, seja por órgãos de controle. Como exemplos, havia o programa de Guedes de privatizações indiscriminadas totalizando R$ 1 trilhão, cuja frustração levou à demissão do empresário Salim Mattar da equipe econômica; a destruição ainda maior de conquistas trabalhistas, com a Carteira Verde Amarela e a nova “mini” reforma trabalhista, derrubadas no congresso, ou com a reforma administrativa, que levou à demissão do secretário responsável; a maior institucionalização da repressão policial com o pacote “anticrime” de Moro (licença para matar – ainda mais) desidratado no congresso; entre vários outros exemplos possíveis.

Por fim, relembremos o “anticomunismo” intrínseco da burguesia brasileira que, além de ferrenha oposição a qualquer coisa que lembre mobilização, organização e luta das classes trabalhadoras, se soma ao “conservadorismo de costumes” defendido por Bolsonaro. Dessa maneira, Bolsonaro permanece encarnando a forma mais direta da ofensiva burguesa nas suas instâncias econômica, repressiva e ideológica.

 

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- 15/08/2022