A Política Econômica do Governo Burguês de Lula-Alckmin: consolidação e novos avanços da ofensiva de classe burguesa (parte 1)
Banquete na Febraban para Haddad, no final de novembro de 2022, ladeado por um banqueiro bilionário (BTG Pactual) e pelo presidente do lobby dos bancos, tendo em frente o presidente do banco central.
Cem Flores
05.04.2024
Nosso documento sobre a política econômica do governo burguês de Lula-Alckmin será publicado em três partes. Nesta primeira analisamos a política econômica burguesa, seus aspectos centrais no Brasil nos últimos 25 anos, e demonstramos os eixos centrais dos governos petistas anteriores. Na segunda parte trataremos especificamente das duas principais medidas aprovadas em 2023, o novo teto de gastos de Lula e a “reforma” tributária. A terceira parte conclui nossa análise, tratando das demais medidas de política econômica do primeiro ano de Lula 3.
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Em 25 de novembro de 2022, menos de um mês depois da eleição de Lula e Alckmin – com Fernando Haddad já convidado por Lula para ser o seu ministro da fazenda, mas antes do anúncio público e oficial – Haddad foi recebido como homenageado em um banquete da Febraban, o maior lobby nacional dos bancos. Na mesa principal estavam os representantes dos maiores monopólios de capital financeiro do país: Bradesco, Itaú, Santander e BTG Pactual – e o presidente do banco central. Além de bancos, esses monopólios também controlam uma ampla gama de empresas nos ramos da construção, da indústria, do agronegócio… Além deles, por volta de 350 representantes da burguesia financeira. Todos em torno de Haddad.
O objetivo principal desse convescote era o mesmo, tanto para Lula quanto para os bancos: testar Haddad para ver se ele teria a aprovação dos banqueiros para virar ministro da fazenda. Essa aprovação era algo pelo qual Haddad batalhava há tempos, já recolhendo sinalizações favoráveis. O resultado do teste todos sabemos…
Dez dias antes, na viagem ao Egito para participar da COP 27, Lula havia feito o convite e ouvido a seguinte resposta: “Haddad disse o que planejava fazer, incluindo o rigor na responsabilidade fiscal … – Tudo isso que eu quero fazer está à direita do seu plano de governo e à direita do seu discurso. O senhor topa essa brincadeira? Porque aí eu posso ser seu ministro da fazenda”. Claro que Lula topou, como todos sabemos…
Definido o eixo central do programa econômico a ser implementado e obtida a aprovação daqueles que seriam seus principais beneficiados, a política econômica do governo Lula-Alckmin, em seus eixos principais, estava pronta para entrar em execução. Seus principais executores já estavam bastante cientes do seu papel de gestores do capital, ao qual se empenhariam a fundo – e com bastante gosto.
Pouco mais de um ano depois, em 7 de fevereiro de 2024, Haddad recebeu mais uma homenagem do capital bancário – dessa vez, pelos bons serviços já prestados. Um dos banqueiros que havia almoçado com ele na Febraban em 2022, o sexto maior bilionário do país e ex-presidiário dono do BTG Pactual, o quarto maior monopólio bancário privado do país, convidou Haddad para a palestra principal de sua “CEO Conference 2024”. O agradecimento do banqueiro se justificava plenamente. As ações do seu banco valorizaram 63,8% no primeiro ano de Lula-Alckmin e sua fortuna pessoal cresceu na mesma proporção, atingindo R$ 40 bilhões. Suas palavras de agradecimento a Haddad e o elogio da política econômica do governo burguês de Lula-Alckmin abaixo transcritas, podem ser vistas em vídeo:
“Eu acho que a gente, sob a sua liderança, tocou a economia do país com transparência, com bom senso, seguindo as práticas que melhor funcionam em todos os lugares do mundo, com diálogo, diálogo com a política, diálogo com o mercado, diálogo com o setor real da economia, e hoje eu posso garantir aqui que todos os presentes se sentem muito tranquilos e muito seguros de ir em frente com os seus investimentos, pela maneira como o senhor liderou a economia nesses últimos doze meses. Então acima de tudo … um enorme respeito por aquilo que foi feito. Então eu acho que de todos nós aqui um enorme reconhecimento de tê-lo liderando a fazenda, a economia, e um prazer em recebê-lo aqui, ministro Fernando Haddad”.
Leia nossas publicações recentes sobre o governo burguês de Lula-Alckmin
O Caráter de Classe Burguês do Governo Lula-Alckmin, de 18 de outubro de 2023
A Composição Burguesa do Governo Burguês de Lula-Alckmin, de 9 de novembro de 2023
Os Militares, a Política de Segurança e o Avanço da Repressão no Governo Burguês de Lula-Alckmin, de 8 de janeiro de 2024
- A política econômica dos governos burgueses
Já demonstramos detalhadamente em texto anterior que o governo Lula-Alckmin se caracteriza como burguês por sua composição. Mas o aspecto fundamental para essa sua caracterização de classe, para a definição de que classe o governo Lula-Alckmin fundamentalmente serve, deve ser buscada nos objetivos do seu governo, o que também já analisamos anteriormente:
“1. A consolidação dos avanços do programa hegemônico da burguesia obtidos nos últimos anos (‘reformas’ previdenciária, trabalhista, privatizações, concessões entre outros) e a busca por avanços nessa ofensiva de classe (novo teto de gastos do PT, ‘reforma’ tributária, concessões, PPPs etc.) e
2. A conciliação de classes, na verdade subordinação das massas trabalhadoras à burguesia, seja via cooptaçãodos movimentos sindicais/populares (inclusive com cargos, grupos de trabalho e verbas públicas), seja pela sabotagemdireta das lutas das massas”.
Para a consolidação dos avanços anteriores e a concretização de novos avanços no programa hegemônico da ofensiva de classe burguesa, a política econômica desempenha um papel fundamental. A política econômica é um conjunto amplo de políticas públicas, envolvendo diversas ações e programas, executado pelo estado burguês, que influencia direta e intencionalmente as condições de produção e reprodução do capital, suas taxas de acumulação e de lucro (e, portanto, de exploração), o mercado de trabalho, as finanças e a dívida públicas, e preços-chave como juros, câmbio e salários.
É importante compreender, no entanto, que é o capital (e suas frações, frequentemente em disputa) que dirige a política econômica, e não o contrário. Embora a política econômica tenha certa autonomia relativa, como parte do aparelho de estado capitalista, e sofra a influência das contingências da disputa política e da conjuntura, sua função é implementar medidas em favor dos interesses do capital a cada momento concreto da luta de classes.
Faz parte da política econômica a definição das taxas de juros básicas do país (política monetária), em geral com os bancos centrais ratificando os movimentos do custo do capital nos mercados financeiros. A política monetária pode reforçar as crises periódicas do capital, ampliando o desemprego e contribuindo para o rebaixamento dos salários, na perspectiva de retomada dos lucros. Da mesma forma, a política cambial oscila entre a fixação da taxa de câmbio (ou de múltiplas taxas, conforme a fração do capital beneficiada) e a “livre” flutuação, de acordo com a dinâmica dos fluxos internacionais de capitais e com a forma integração do país ao sistema imperialista mundial. A política fiscal compreende as definições sobre impostos, montantes arrecadados e quem os paga, sobre isenções, subsídios e outras diversas formas de transferência de recursos “públicos” para as frações da burguesia, sobre o endividamento público e sua interação com a política monetária (juros básicos e os juros sobre a dívida pública, pagos aos rentistas). Todas essas definições afetam as condições de produção/reprodução do capital. Idem para a ampliação dos espaços de acumulação capitalista, com as diversas formas de privatizações, que também estão no escopo da política econômica burguesa (o que, obviamente, não significa dizer que as estatais seriam uma barreira à reprodução do capital, muito pelo contrário). A política trabalhista tem diversas definições legais e normativas sobre salários (mínimo, diretos, indiretos), jornada, descanso, férias, etc. que em geral servem para demarcar um limite mínimo (frequentemente violado) das condições de reprodução da força de trabalho a serviço do capital. Vê-se nesse caso, direta e abertamente, a política econômica em defesa dos interesses do capital entrando em confronto com os interesses da classe operária e da massa trabalhadora.
Achar que é a política econômica governamental que dirige a acumulação de capital é tomar o efeito pela causa, a aparência pela realidade. É considerar que os gestores do capital (presidente da república, ministros da fazenda, do planejamento, do desenvolvimento, presidentes do banco central e de bancos públicos etc.) são agentes independentes em relação ao capital, absolutizando o caráter relativo da autonomia do estado capitalista em relação aos seus patrões. Essa é uma avaliação típica dos ideólogos do “desenvolvimentismo”, especialmente os de “esquerda”. Caberia ao estado, nessa ilusão de um capitalismo utópico, “confrontar” os capitalistas e “impor” a eles regras, condições e a direção da acumulação dos seus capitais. Isso talvez possa servir de “justificativa” ideológica a posteriori para tentar compatibilizar as teses defendidas e as críticas feitas na oposição, com as ações concretas tomadas quando no governo. Na maioria absoluta dos casos, eles são regiamente recompensados, tanto no governo quanto, e principalmente, depois – e os gestores do capital fazem absoluta questão de esquecer o que escreveram, falaram ou prometeram…
Esses gestores da política econômica precisam ganhar confiança dos burgueses, nacionais e estrangeiros, para bem exercerem suas funções. Aqui estamos falando fundamentalmente da grande burguesia, da burguesia monopolista, especialmente sua fração de capital financeiro – pelo papel central que exerce em relação às demais frações do capital. Fazem isso ao repetidamente se comprometerem com os interesses do capital, em reuniões privadas e públicas, mas principalmente com ações concretas do aparelho de estado (portarias, decretos, projetos de lei e definições de políticas econômicas). A cada novo compromisso, a burguesia vai indicando ao seu governo seus graus de satisfação ou insatisfação com a condução da política econômica, seja mediante elogios/críticas dos seus formuladores de políticas ou de seus agentes na gestão do capital; seja por ações concretas como entrada/fuga de capitais, valorização/desvalorização acionária etc. Essa pressão da burguesia (e de suas frações) sobre seus gestores de política econômica vai consolidando algumas políticas, retificando outras, e aprimorando a gestão do estado e da política econômica em função dos seus interesses de classe.
- A política econômica dos governos burgueses no Brasil neste século
O principal conjunto de políticas econômicas do país foi definido no segundo governo de FHC, em 1999, e, no fundamental, permanece em vigor até hoje, não importa o governo burguês de plantão. A política monetária é baseada nas “metas para a inflação”, com o governo definindo e anunciando com bastante antecedência o objetivo para a inflação que o banco central deve atuar para atingir. A política fiscal é baseada nas metas para o resultado primário, definidas por um amplo conjunto de leis, desde a (mal) chamada “lei de responsabilidade fiscal”, de 2000, até a do novo teto de gastos de Lula, de 2023, com o governo definindo e anunciando com antecedência o objetivo para o resultado primário que o próprio governo deve atuar para atingir. Já a política cambial, por outro lado, é baseada na “livre flutuação”, na ausência de metas e objetivos para a atuação do governo, com a definição da taxa de câmbio ficando por conta do mercado financeiro e dos fluxos de capitais. As privatizações também estão entre as políticas econômicas prioritárias, transferindo riqueza para a burguesia, nacional e estrangeira, geralmente a preços irrisórios, e ampliando os espaços de acumulação do capital.
Esse conjunto de políticas atua com base nos mesmos princípios para a atuação dos gestores do capital: limitar e autoconter a ação da política econômica, adequando-a às demandas e necessidades do capital. Isso para que essas políticas se tornem, em geral, fundamentalmente sancionadoras e reforçadoras dos movimentos de acumulação do capital.
Na política monetária, todos os governos têm definido metas para a inflação decrescentes, dos 8% de 1999 até os 3% de 2024 em diante. Isso está ligado à permanência dos elevados juros reais no país. Além disso, a definição das taxas de juros básicas pelo banco central é feita de maneira previsível para os grandes bancos e o mercado financeiro (nacional e internacional), pois são os agentes dessas instituições que estão temporariamente trabalhando no banco central, e anunciam com antecedência o que pretendem fazer. Dessa maneira, no mais das vezes, a decisão apenas sanciona os juros já praticados nos mercados bancário e financeiro. A partir de 1999, todos os governos têm agido assim e, portanto, o discurso contra os juros altos por parte do governo burguês de Lula-Alckmin é apenas uma peneira para tentar tapar a luz do sol.
Na política cambial, essa limitação e autocontenção funciona ao contrário, pela ausência de metas predefinidas. Mesmo tendo US$ 350 bilhões em reservas cambiais, os gestores do capital no Brasil, há um quarto de século, se recusam a definir a taxa de câmbio. A posição do governo, nesse caso, é ficar acompanhando passivamente as flutuações cambiais, definidas pelos fluxos de capitais internacionais, pelos mercados bancário e financeiro, pela atuação dos grandes monopólios exportadores e importadores (nacionais e estrangeiros) e pela especulação. Os “desenvolvimentistas”, ao defenderem, ao mesmo tempo, o governo Lula e a adoção de uma taxa de câmbio competitiva para a indústria e as exportações de manufaturas, estão tanto defendendo sua fração preferida da burguesia brasileira quanto “esquecendo” a quem este governo, assim como os outros, apoia e defende.
Na política fiscal, as metas de resultado primário e os tetos de gastos resultam em limitação e autocontenção da atividade governamental ainda mais explícitas. Isso porque os montantes e a destinação do gasto púbico são percebidos mais diretamente como podendo beneficiar as classes dominantes e/ou minorar as condições de vida das classes dominadas. Por um lado, inúmeros benefícios tributários e subsídios, verbas orçamentárias e juros baratos, além de toda a estrutura tributária, contribuem para ampliar a acumulação de capital e a taxa de lucro. Por outro, os gastos públicos com transferências de renda, sistemas públicos de saúde e educação, subsídios ao transporte etc., importantes para um mínimo de condições de vida das massas trabalhadoras, também são formas de o estado capitalista atuar a favor do capital. Seu impacto direto é estimular a acumulação de frações do capital como a construção civil, mediante programas de moradia; os setores de educação e saúde privados; os de supermercados, atacadistas e varejistas etc. Mas há também o impacto de a política fiscal assumir uma parte do custo de reprodução da força de trabalho no lugar do salário pago pelo capitalista individual, rebaixando os salários diretamente pagos pelo patrão. No entanto, como esses gastos se restringem ao mínimo do mínimo, contribuem também para manter esse custo de reprodução o mais próximo possível da subsistência, para que a massa trabalhadora tenha que voltar a cada dia para a produção/exploração capitalista. Nos últimos 25 anos, a política fiscal brasileira se destina explicitamente a reduzir o “tamanho” do estado, tanto nas receitas quanto, principalmente, nas despesas, ou ao menos buscar colocar amarras bem restritivas ao seu crescimento.
As políticas privatizantes (privatizações, concessões, parcerias público-privadas, parcerias de investimentos etc.) vêm sendo adotadas por todos os governos desde o começo dos anos 1990: Collor (Usiminas, Acesita, CST etc.), Itamar (CSN, Açominas, Embraer etc.), FHC (Vale, Telebrás, Light, Banespa etc.), Lula 1 e 2 (rodovias e hidrelétricas, além dos bancos estaduais do Ceará e Maranhão), Dilma (aeroportos de Brasília, Guarulhos, Galeão, Confins, e o campo de Libra), Temer (linhas de transmissão de energia e outros), Bolsonaro (Eletrobrás e Petrobrás – BR Distribuidora, TAG, Relan, NTS, Liquigás etc.) e Lula 3 (215 projetos em andamento). Muito embora a própria atuação das empresas estatais no capitalismo tenha uma importante função para a acumulação de capital por parte da burguesia, a privatização tem evidente caráter de limitação e autocontenção da atuação estatal, ao reduzir seus instrumentos para essa atuação (bancos públicos e empresas estatais), entregando-os diretamente nas mãos dos capitalistas nacionais e estrangeiros.
Na privatização do pré-sal, Dilma afirmava que “O Brasil dá, claramente, um sinal efetivo, concreto e inequívoco que está aberto ao investimento privado, nacional ou estrangeiro”.
Além dessas políticas, desde pelo menos meados dos anos 1990, a partir do governo FHC, há também um amplo conjunto de “reformas”, seguidamente proposto pelos gestores do capital para avançar a ofensiva de classe burguesa. Após a adoção, no começo de 1999, da atual política econômica de juros altos, taxa de câmbio flutuante e arrocho fiscal, essa agenda de “reformas” foi intensificada:
- Previdenciária: de 1993 até 2019 já foram realizadas sete rodadas de “reformas” previdenciárias, destacando-se as de 1998 (FHC), 2003 (Lula 1), 2012 (Dilma 1, que ainda tentaria outra, mas não houve tempo e condições políticas para isso) e 2019 (Bolsonaro, aproveitando projeto não aprovado no governo Temer).
- Trabalhista e sindical: aprovada no governo Temer, ratificada por Bolsonaro, e agravada com a proposta de Lula 3 para desregulamentação dos/as trabalhadores/as de plataformas e aplicativos: não reconhecimento de vínculo empregatício, jornadas legais de até 12 horas por dia (por empresa), reconhecendo apenas o tempo efetivamente em atendimento e não a hora logada no aplicativo etc.
- Administrativa: implementada por FHC, com a proposta de Bolsonaro para uma nova reforma em tramitação no congresso e sinalização de outra por Lula 3.
Em suma, esse conjunto de políticas, “reformas” e outras medidas econômicas (“passar a boiada”) para ampliar os lucros do capital, revogar conquistas trabalhistas e agravar a exploração compõe o programa da ofensiva de classe da burguesia contra o proletariado e a massa trabalhadora, que denominamos de programa hegemônico da burguesia:
“Do ponto de vista da acumulação de capital e da retomada da taxa de lucro, o núcleo fundamental desse programa hegemônico é um conjunto de reformas econômicas (previdência, trabalhista-sindical, fiscal e tributária, administrativa, privatizações etc.) que a burguesia entende necessárias para a redução do valor da força de trabalho e dos custos salariais das empresas, para a maior “flexibilização” (precarização, informalidade, etc.) do mercado de trabalho, para a ampliação das esferas de acumulação de capital, etc. Para a classe operária e demais classes dominadas, esse programa significa um conjunto de ataques das classes dominantes que visam aumentar sua exploração”.
- A política econômica dos governos burgueses de Lula: consolidação e novos avanços no programa hegemônico da ofensiva burguesa
Uma década após a grande recessão de 2014-16, durante o governo Dilma, que levou ao seu impeachment, o PT está de volta ao governo e à gestão da política econômica. Em 2015, a política econômica do PT tinha o objetivo explícito de agravar a crise para ampliar o desemprego, rebaixar os salários, acabar com o ciclo de greves de 2013, e abrir caminho para mais “reformas” burguesas e para a retomada dos lucros – o que de fato aconteceu, ainda que sob outras gestões do capital no Brasil. A política econômica de 2023 (em diante), no entanto, guarda mais semelhanças com a do início do primeiro governo Lula, vinte anos atrás. Seus objetivos, antes como agora, são os de consolidar as “reformas” econômicas burguesas realizadas nos governos anteriores, e avançar ainda mais na agenda da ofensiva de classe da burguesia.
Em 2003, o ministro da fazenda burguês de Lula, Antônio Palocci, continuador do ministro da fazenda burguês de FHC, Pedro Malan, manteve o arrocho da política fiscal de superávit primário, que atingiu 3,2% do PIB tanto em 2002 (último ano de FHC) quanto em 2003 (primeiro ano de Lula). Qual a surpresa que, em 2023, o novo ministro da fazenda burguês de Lula, Fernando Haddad, admirador de FHC, tenha proposto um novo teto de gastos para resgatar o desmoralizado teto de gastos de Temer? E não satisfeito ainda tenha proposto aprofundar o arrocho, com a meta de déficit primário zero para 2024, após déficit de R$249,1 bilhões (2,3% do PIB) em 2023?
A equipe econômica burguesa do primeiro governo Lula: Palocci, o ministro da fazenda, era seguidor de Malan, ministro da fazenda de FHC; Meirelles, o presidente do banco central, era ex-presidente mundial do BankBoston e deputado federal eleito pelo PSDB. Em 2011, Palocci foi o ministro-chefe da casa civil de Dilma 1. Em 2016, Meirelles foi o ministro da fazenda de Temer, responsável por formular o teto de gastos e a reforma trabalhista, e em 2019, o secretário da fazenda de Dória no governo de São Paulo.
O primeiro governo Lula não reverteu a privatização da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1993, no governo Itamar, nem a privatização da Companhia Vale do Rio Doce (Vale), em 1997, no governo FHC. Qual a surpresa de o terceiro governo Lula não ter revertido a privatização das subsidiárias da Petrobrás (BR Distribuidora, em 2019 e 2021, TAG, em 2019, refinarias e outras empresas) nem a privatização da Eletrobrás, em 2022, todas no governo Bolsonaro? E não satisfeito ainda tenha proposto aprofundar as privatizações com um decreto que amplia a política de privatização de Temer?
Em 2003, o primeiro governo Lula indicou um banqueiro internacional, Henrique Meirelles, ex-presidente global do BankBoston, para presidente do banco central. Para quem acreditou no conflito de Lula com o banqueiro internacional Roberto Campos Neto, ex-tesoureiro global para as Américas do Santander, indicado presidente do banco central por Bolsonaro, o ano de 2023 terminou com os dois comendo churrasco juntos na Granja do Torto. Em ambos os casos, esses banqueiros praticaram as maiores taxas de juros do mundo durante seus períodos como presidentes do banco central. Não por acaso, o primeiro sempre saiu em defesa do segundo, seja no começo de 2023 (janeiro, fevereiro, abril, junho), seja no começo de 2024…
Em suma, a política econômica no primeiro governo Lula era para os banqueiros e os empresários ganharem dinheiro, para os ricos ganharem dinheiro como ninguém, como gostava de dizer o próprio presidente. Naqueles anos, as taxas de lucro foram as maiores do século até agora. Em 2006, Lula isentou do imposto de renda os ganhos do capital financeiro internacional aplicado nas maiores taxas de juros do mundo. Como resultado, em uma década esse capital especulativo cresceu 2.439%. Sob Lula 1 e 2, o capital financeiro internacional na bolsa de valores brasileira aumentou 400%, enquanto a Bovespa teve valorização de 515%. Os investimentos diretos triplicaram e a remessa de lucros ao exterior cresceu 150%. Os juros da dívida pública ficaram em torno de R$400 bilhões todos os anos (valores atualizados pela inflação) e o superávit primário médio foi de 3,1% do PIB ao ano. A concentração bancária aumentou e a lucratividade dos bancos bateu recordes. Também se agravaram tanto a desindustrialização quanto a reprimarização do país. O financiamento ao agronegócio, os heróis de Lula, com taxas de juros reais negativas, cresceu 335%. Enquanto a concentração agrária não se reduziu em nada, característica da não-reforma agrária lulista, a centralização de capital no agronegócio disparou, com amplos financiamentos do BNDES. Também não diminuíram as desigualdades de renda e riqueza nos governos Lula.
Todos esses dados, e outros, são analisados com detalhes no capítulo 4 do nosso livro digital “Quem são os nossos inimigos? Quem são os nossos amigos? Essas são questões fundamentais! A conjuntura econômica e política brasileira e a posição comunista”, também disponível em versão impressa.