CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Conjuntura, Destaque, Nacional

A Composição Burguesa do Governo Burguês de Lula-Alckmin

 

André Fufuca em dois momentos: na campanha eleitoral para presidente em 2022 e no dia da posse como o novo ministro do centrão, em setembro de 2023.

Cem Flores

09.11.2023

Na publicação anterior sobre o governo burguês de Lula-Alckmin, apresentamos nossa tese fundamental, a de que o governo Lula-Alckmin é um governo burguês, cuja função é gerir o capitalismo brasileiro para manter as elevadas taxas de lucro/exploração dos últimos anos. Avançamos também que o governo burguês de Lula-Alckmin busca cumprir essa sua função de duas formas fundamentais:

  1. A consolidação dos avanços do programa hegemônico da burguesiaobtidos nos últimos anos (“reformas” previdenciária, trabalhista, privatizações, concessões, entre outros) e a busca por avanços nessa ofensiva de classe (novo teto de gastos do PT, “reforma” tributária, concessões, parcerias público-privadas (PPPs) etc.) e
  2. A conciliação de classes, na verdade subordinação das massas trabalhadoras à burguesia, seja via cooptaçãodos movimentos sindicais/populares (inclusive com cargos, grupos de trabalho e verbas públicas), seja pela sabotagem direta das lutas das massas.

Leia nossa publicação anterior sobre o governo burguês de Lula-Alckmin

O Caráter de Classe Burguês do Governo Lula-Alckmin, de 18 de outubro de 2023


  1. A Composição Burguesa do Governo Burguês de Lula-Alckmin

Neste documento mostramos com detalhes a composição do governo Lula-Alckmin. Esse é um governo burguês, dirigido por um partido burguês (PT), em aliança com outros partidos burgueses, seja de direita, incluindo bolsonaristas (MDB, PSD, União Brasil, PP e Republicanos), seja de “centro” (PSB, PDT, Rede, PV), e partidos reformistas e oportunistas (PCdoB, PSol).

A análise marxista-leninista da conjuntura política deve ser, sempre, a análise concreta de uma situação concreta, a partir do ponto de vista da classe operária em sua luta de classes contra a burguesia e seus aliados e da perspectiva revolucionária. Portanto, ao analisar uma conjuntura, as/os comunistas não devemos considerar somente como cada partido vê a si mesmo, como se autodenomina, qual foi sua história, mas fundamentalmente suas ações concretas e suas alianças. Por exemplo, no caso do PDT, não apenas a candidatura presidencial de Ciro Gomes tentou se aliar à direita (PSD e União Brasil), como desde meados deste ano o PDT se aliou formalmente ao bloco parlamentar de Arthur Lira na câmara dos deputados. No caso do PSB, nome e histórico do partido são irrelevantes dadas a longa aliança com o PSDB, a filiação de Alckmin e o acordo para integrar o bloco parlamentar de Lira, ocupando a primeira liderança.

Assim, dos 38 ministérios atuais, a “esquerda” dirige 20, com filiados ao PT (10), PCdoB, PSol e Rede (1 ministério cada um), além de ministros/as não filiados/as (sem partido, S/P), mas vinculados/as a essas posições (7). A direita, considerando os blocos parlamentares da câmara dos deputados, ocupa 16 ministérios, sendo 8 do centrão de Lira – União Brasil (3), PSB (3), PP (1) e PDT (1) – e 7 do centrão mais “tradicional”, MDB (3) e PSD (3), que conseguiu atrair o bolsonarista Republicanos (1), e o ministro da Defesa, sem atuação partidária. Dois ministérios ficaram de fora dessa classificação, o das Relações Exteriores, com um burocrata, e o Gabinete de Segurança Institucional, no qual, já no governo Lula, um general de 3 estrelas da reserva do exército foi substituído por um general de 4 estrelas da reserva do exército.

Todos os cargos mais relevantes, sem exceção, são ocupados por duas alas. A principal é a ala mais à direita do PT, os responsáveis diretos pela implantação do programa da ofensiva burguesa, seja atualmente no governo federal, seja anteriormente nos governos estaduais. Essa ala hegemoniza a “esquerda governamental” (sic!), ocupante de cadeiras bastante secundárias para a gestão burguesa. A outra ala, digamos complementar, é composta por partidos de direita, bolsonaristas ou não.

Nessa “frente ampla” que o governo burguês de Lula-Alckmin supostamente constitui, de acordo com o discurso ideológico da “esquerda” reformista e oportunista, a ala “esquerda” (sic!) do PT, incluindo o PSol e os sem partido, ocupa ministérios sem poder de decisão, sem orçamento e sem qualquer influência governamental. Sua função política principal, central na ação de subordinar as massas trabalhadoras, é a de buscar legitimar as ações desse governo burguês perante uma base social mais à esquerda, mas que orbita o PT, as organizações sindicais e populares que o PT controla, e outros partidos que também gravitam em torno do PT. Dessa maneira, buscam calar ou limitar a crítica, alimentando a ilusão ideológica de um “governo em disputa”. Mais que isso, tem a função objetiva de buscar paralisar ou sabotar, quando necessário, qualquer mobilização de trabalhadores/as contra o governo e suas medidas pró-capital.

  1. O Papel do PT no Governo Burguês de Lula-Alckmin

Como afirmamos no nosso Documento Base, publicado em agosto de 2023, o PT surgiu, em 1980, como um partido hegemonicamente socialdemocrata, reformista, composto por lideranças sindicais, setores da igreja católica, ex-comunistas, trotskistas, intelectuais e egressos do MDB. Nos anos 1980-90, o PT conquistou a hegemonia nas organizações sindicais e populares e na “esquerda” institucional e parlamentar, se consolidando como o principal representante do reformismo e oportunismo, ideologias burguesas no seio da classe operária. A partir de meados dos anos 1990, o PT se torna um partido burguês, reforçando as alianças com os demais partidos burgueses e buscando apoio nas classes dominantes. Posteriormente:

A vitória nas eleições presidenciais de 2002, os seguidos mandatos petistas e seus governadores, prefeitos e parlamentares, concluem a transformação do PT no ‘partido da ordem’, aliado e executor das políticas do capital financeiro, do capital internacional, da burguesia industrial e comercial, e do agronegócio. Seus papeis fundamentais são a implementação de políticas burguesas para atender às necessidades da acumulação de capital e de elevação das taxas de lucro, e o controle, cooptação e institucionalização dos movimentos das massas dominadas, por meio de centrais e sindicatos pelegos, dos movimentos populares governistas, e de recursos e cargos no aparelho de estado” (pg. 106).

No governo burguês de Lula-Alckmin, o PT controla os ministérios responsáveis pela articulação política (Casa Civil e Secretaria de Relações Institucionais), pela política econômica (Fazenda) e pelos programas sociais (Desenvolvimento Social), além da Educação e do Trabalho. Todos esses ministros são da ala direita do PT. Juntamente com Lula, eles constituem o núcleo do governo, responsáveis diretos pela definição e implementação das políticas que consolidam e avançam a ofensiva de classe burguesa contra as massas trabalhadoras do país.

    2.1 A casa civil como centro político do governo

A casa civil é o mais importante ministério político-administrativo do governo, responsável por aprovar ou não as medidas propostas pelos demais ministérios, lhes dar a versão final, aprová-las com Lula e, se for o caso, encaminhá-las para o congresso. Nas palavras de Lula: “O Rui toma conta do governo. Tudo o que vai para mim, passa pelo Rui primeiro. … é um jeito de ele me proteger para que eu não caia em uma cilada”. Em suma, “o ministro da Casa Civil é quase que um primeiro-ministro”.

Além disso, a Casa Civil do governo burguês de Lula-Alckmin comandará as privatizações, via concessões ou parcerias público-privadas (PPP), mantendo ainda o programa de parcerias de investimentos (PPI) criado por Temer. Na divulgação do novo PAC, Lula aproveitou para divulgar os números de suas pretendidas privatizações: R$ 612 bilhões nos seus 4 anos de mandato. Nas palavras do ministro: “o novo PAC … tem um peso muito maior no investimento privado, ou seja, na parceria público-privada. Nós estamos com muitos projetos em concessão pública e em PPP em várias áreas”. O site oficial do PPI lista 221 projetos em andamento, principalmente em transportes, infraestrutura e meio ambiente. O programa conta com o BNDES para estruturação dos projetos, indicação das prioridades e financiamento ao capital com juros subsidiados.

Lula nomeou como ministro da casa civil Rui Costa, que Lula define como o “melhor ex-governador da Bahia”. Rui Costa governou a Bahia por dois mandatos (2015-22), sendo precedido por dois mandatos de Jaques Wagner (2007-14). O atual governador baiano, Jerônimo Rodrigues, também é do PT que, portanto, governa a Bahia faz mais de 16 anos. O governo Rui Costa replicou na Bahia a “reforma” da previdência de Temer-Bolsonaro, só que, de acordo com a Associação dos Docentes da UESB, “com medidas mais duras que Bolsonaro. Com isso, os servidores públicos baianos precisarão trabalhar 4 anos a mais e as servidoras, mais 6 anos, para se aposentarem. A contribuição previdenciária aumentou e o valor da aposentadoria diminuiu. A aprovação da proposta de Rui Costa na assembleia legislativa baiana foi feita a toque de caixa, contou com protesto de servidores/as, que foram reprimidos pela polícia militar e a votação seguiu a portas fechadas.

Plenário da assembleia legislativa da Bahia durante a votação da proposta de Rui Costa de reforma da previdência, em janeiro de 2020.

Mas o nível de repressão e de violência do governador Rui Costa fica inteiramente explícito no crescimento dos assassinatos por policiais, que quadruplicaram durante o seu governo, passando de 354 para 1.464 por ano. Em 2022, pela primeira vez, a polícia da Bahia passou a ser a que mais mata no Brasil, superando a do Rio de Janeiro. A Bahia também foi o estado com o maior número de homicídios do país no governo Rui Costa, com pelo menos 49,5 mil assassinatos de 2015 a 2022, 40% a mais que o Rio de Janeiro. Para o professor Samuel Vida, “o PT baiano optou pela manutenção do modelo herdado [da direita] e o aperfeiçoou nos seus piores vícios e perversões”. Ou seja, trata-se de uma comprovação da nossa tese de que o PT no governo consolida os avanços da ofensiva burguesa e busca avançar ainda mais.

Na Bahia, os governos do PT são a continuação/radicalização do PFL na segurança pública.

As reações dos petistas em defesa da violência policial baiana caberiam perfeitamente na boca de qualquer membro da extrema-direita, fascista. “Não se enfrenta o crime organizado com rosas”, disse o número dois do ministério da justiça e segurança pública, Ricardo Cappelli. O atual governador elogiou a “firmeza” da polícia, após mais uma chacina, e reafirmou seu compromisso de manter essa política homicida. Em 2015, após a chacina do Cabula em que foram assassinados 12 jovens negros já previamente rendidos e desarmados, Rui Costa negou-se a afastar quaisquer dos policiais envolvidos na chacina e elogiou sua conduta, comparando-os a artilheiros na hora do gol: “É como um artilheiro em frente a um gol, que tem que decidir em alguns segundos como é para colocar a bola para fazer um gol”. Neste link, o vídeo da declaração infame, em cerimônia militar, aplaudida entusiasticamente pelos oficiais da pm.

Essa mesma polícia foi colocada por Rui Costa para gerir dezenas de escolas públicas baianas, em uma política de militarização da educação igual a de Bolsonaro, de Ratinho Jr. e outras figuras da extrema-direita dos últimos anos. Essas escolas, em expansão no país apesar do fim do programa federal, implementam disciplina de quartel e conteúdos semelhantes aos da ditadura militar para dezenas de milhares de crianças e adolescentes. São várias as denúncias da comunidade contra os militares, envolvendo assédio, violência e racismo.

    2.2 O reformista à frente dos “programas sociais”

O ministério do desenvolvimento e assistência social, família e combate à fome é o responsável pelo Bolsa Família e pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), além de aprovar os orçamentos do Sesi, do Sesc e do Sest. Seu orçamento para 2024 está previsto em R$ 282 bilhões. É parte central da política de transferência de renda do capitalismo brasileiro, de gestão da população na miséria, de contenção das explosões dessa massa causadas pela fome, e de buscar dividendos eleitorais com essas medidas.

O ministro Wellington Dias, foi governador do Piauí por 4 mandatos (2003-10 e 2015-22). Ele não apenas foi abertamente favorável à “reforma” da previdência de Temer-Bolsonaro, articulando ativamente sua aprovação no congresso, como a criticou por achá-la muito fraca, chamando-a de “meia reforma. Dias queria “fazer para valer uma reforma”, conseguindo uma “solução para o déficit imediato”, pelo aumento da contribuição previdenciária para uma “alíquota maior de 14%”. Mas principalmente defendia uma reforma total, para “unificar o setor público e privado, União, Estados e municípios”. Nas palavras desse direitista burguês do PT: seria “uma decisão que exigia muita coragem na minha opinião”.

Não tendo conseguido incluir os estados na reforma de Temer-Bolsonaro, Dias fez a sua própria “reforma” da previdência no Piauí. Até mesmo a CUT afirmava que “a proposta do governo do estado tem pontos mais graves que a apresentada pelo governo federal”. Ou seja, em tudo alinhada com a reforma da previdência que o PT fez na Bahia. No Piauí, a “reforma” se baseava “principalmente, no aumento da contribuição de servidores ativos e inativos e na arrecadação de recursos por meio da venda e locação de ativos do estado”. Ou seja, Dias se mostrou um aplicado gestor dos interesses do capital, combinando “reforma” da previdência com privatização.

    2.3 A educação nas mãos das fundações privadas

No ministério da educação, a pauta principal de Camilo Santana – ex-governador do Ceará (2015-22) – parece ser abrir cada vez mais espaço ao capital privado, ampliando a participação das fundações empresariais na composição do MEC e na definição das políticas educacionais e fazendo os ajustes que entende necessários para a continuidade da “reforma” do ensino médio de Temer. Já em novembro de 2022, após a vitória nas eleições presidenciais, o grupo de transição de educação, nomeado por Lula, já era “composto por maioria de representantes da burguesia brasileira, especialmente fundações empresariais e do terceiro setor, Sistema S e instituições privadas de ensino”.

A composição do MEC de Lula tem como número 2 Izolda Cela, com ligações com o Centro Lemann. A secretária de educação básica, Kátia Schweickardt, apresenta-se no LinkedIn como “membro dos Conselhos Consultivos da Associação Nova Escola, da D3E – Dados para um Debate Democrático na Educação e do Movimento Nacional pela Base e Consultora Especialista do Todos pela Educação. … e Fellow da Fundação Lemann”. Por meio dessa secretária, a Fundação Lemann (com sua empresa MegaEdu) fechou parceria estratégica com o MEC para a estratégia nacional de escolas conectadas, no valor de R$ 6,6 bilhões. A mesma MegaEdu também participa do conselho do fundo de universalização dos serviços de telecomunicações (Fust), indicada pelo ministro das comunicações (um corrupto do União Brasil, bolsonarista), gerindo R$ 2,74 bilhões. O presidente do Inep, Manuel Palácios, é defensor do ensino à distância, uma das plataformas das fundações educacionais para o ensino médio e superior. Em suma, é “fácil encontrar vínculos entre muitos dos secretários nomeados para a pasta da educação com o Movimento Todos pela Educação e aparelhos privados de hegemonia como a Fundação Lemann”.

A avaliação de petistas, é que “o governo Bolsonaro [está] pautando o governo Lula”, que há “continuidade do governo Temer em pleno governo Lula”, e que a “atual gestão do MEC é devedora do programa e de relações estabelecidas com fundações e associações empresariais” nas palavras de Daniel Cara. Para a CNTE, trata-se de “agendas impostas por fundações privadas”. Claro que, apesar dessas críticas, esses setores permanecem apoiando o governo burguês de Lula-Alckmin e vendendo a ilusão ideológica de um “governo em disputa”, mediante a qual o governo vai cumprindo seu papel de consolidar os avanços da ofensiva burguesa e realizar novos avanços contra as massas trabalhadoras e exploradas.

A proposta dessas fundações empresariais para a educação – Movimento Todos pela Educação (Fundação Lemann), Instituto Unibanco, Sistema S, Instituto Ayrton Senna, Movimento Brasil Competitivo, Instituto Millenium, entre muitos outros, implementada pela sua influência no MEC, nas secretarias estaduais, em conselhos e na definição das políticas educacionais – é de “em primeiro lugar, reduzir o tamanho do estado na educação, diminuindo os investimentos públicos. Em seguida, tirar a gestão dos educadores e transferi-la para gestores neoliberais. Por fim, a privatização”. Essas propostas vão sendo incorporadas pela sequência dos governos burgueses, de maneira crescente. Observe-se, por exemplo, a explícita vinculação entre a diminuição dos investimentos públicos e o novo teto de gastos de Lula, escancarada com a proposta do governo de não cumprir os mínimos constitucionais em 2023 e de reduzi-los de forma permanente.

Manifestação estudantil em São Paulo pela revogação do novo ensino médio de Temer-Bolsonaro, em 15 de março de 2023.

Esse movimento de consolidação da ofensiva burguesa executado pelo governo burguês de Lula-Alckmin tem como marco na esfera da educação a recusa à revogação do novo ensino médio, proposto por Temer e ratificado por Bolsonaro. Lula já afirmou (e repetiu) que “não vamos revogar”, mas sim “aperfeiçoar” “até fazer um acordo que deixe todas [!] as pessoas satisfeitas”. Na mesma linha, o ministro da educação mencionou “correções a serem feitas” – posição similar, como veremos, à do ministro do trabalho sobre os “ajustes” em relação à “reforma” trabalhista. As discussões são para “aprimoramentos” no novo ensino médio de Temer-Bolsonaro. No final de outubro, o governo apresentou seu projeto de lei com esses “aprimoramentos”. Em suma, aumenta a carga horária e a quantidade das disciplinas obrigatórias, mas mantém as disciplinas optativas, mudando o nome de “itinerário formativo” para “percursos de aprofundamento e integração de estudos” e reduzindo-os de cinco para quatro. As primeiras reações foram de “pessoas satisfeitas”, tanto na “esquerda” reformista (“é uma sinalização importante à nossa luta por um Ensino Médio de qualidade”) quanto nos outros representantes da burguesia (“[A reforma] tem a sua essência mantida e tem pontos melhorados”). Quando se agrada à burguesia e à “esquerda”, sempre a classe operária e seus/suas filhos/as é quem paga o pacto. Trata-se, no caso dos “aprimoramentos” do novo ensino médio, da mesma enganação petista do caso da taxação dos ricos nos fundos exclusivos, como veremos à frente.

    2.4 O trabalho na consolidação da “reforma” e na paralisia das lutas

O ministério do trabalho foi novamente entregue a Luiz Marinho, pelego com longa ficha de bons trabalhos prestados à conciliação/subordinação de classe. Marinho foi ex-presidente do sindicato dos metalúrgicos do ABC (1996-2003) e ex-presidente da CUT (2003-05). Largou seu mandato na CUT ao ser “convocado pelo presidente Lula para assumir o Ministério do Trabalho. E evidentemente que com uma convocação não se pensa”. Depois disso, ele ainda seria ministro da previdência (2007-08) e prefeito de São Bernardo (2009-16).

A principal missão do ministério do trabalho nesse novo governo burguês, de Lula-Alckmin, é consolidar a “reforma” trabalhista, aprovada por Temer e ratificada por Bolsonaro. Essa consolidação se concretiza na não revogação, defendida pelo ministro, e na continuidade/aprofundamento, de maneira crescente na atuação patronal, no acesso e nas decisões da justiça trabalhista e mesmo na própria atuação objetiva/subjetiva da massa trabalhadora. A consolidação petista inclui a legitimação da “reforma” trabalhista com a realização de ajustes em pontos específicos e alguma mínima regulamentação de questões novas, como as dos/as trabalhadores/as de aplicativos (sem a participação da base da categoria) – além, é claro, de dar importância central ao tema de reestabelecer o financiamento das centrais e dos sindicatos.

Essa posição já estava clara durante a campanha presidencial de 2022, conforme analisamos no capítulo 4, sobre a candidatura Lula-Alckmin, de nosso livro digital Quem são os nossos inimigos? Quem são os nossos amigos? Essas são questões fundamentais!, de setembro de 2022. A versão impressa pode ser adquirida aqui.

Começando com a ‘reforma trabalhista’, a redação passou da hipócrita e mentirosa afirmação de que ‘defendemos a revogação da reforma trabalhista feita no governo Temer’ (1ª versão), para ‘revogando os marcos regressivos da atual legislação trabalhista, agravados pela última reforma’ (2ª versão), da qual se depreende que, na avaliação do PT, houve coisas boas na ‘reforma’ (sic!) de Temer! Na nossa avaliação, as intenções do PT são as de revisar alguns poucos temas mais regressivos e pontuais, ‘justificando’ essas diretrizes; buscar alguma pequena formalização para trabalhadores/as de aplicativos (processo já em curso, fruto da luta da categoria); e, fundamentalmente, tratar dos temas sindicais, como o incentivo do negociado sobrepujar o legislado – que nas diretrizes aparece como formas de ‘negociações coletivas’ e ‘solução ágil dos conflitos’ – e, especialmente, retomar o financiamento do aparelho sindical pelego: ‘serão respeitadas também as decisões de financiamento solidário e democrático da estrutura sindical’” (pg. 112-13, na versão digital, e 167-68, na impressa).

A posição petista a esse respeito é explícita. Por exemplo, nas declarações de Clemente Ganz Lúcio, por uma década e meia assessor do Dieese, coordenador do fórum das centrais e coordenador da equipe de transição sobre trabalho no final do ano passado:

Vou ser muito claro, eu não vejo sentido prático em a gente falar da revogação da reforma trabalhista. Ela já fez uma mudança. … A reforma trabalhista já teve um efeito prático em muitas coisas, tem várias coisas sendo tratadas pela Justiça, seja pela Justiça do Trabalho, seja pelo Supremo. Em alguns casos, eles já julgaram e já deram validade a ela, portanto já houve um pronunciamento da Justiça que a regra vale”.

Mesmo com muitos outros fortes concorrentes nesse governo burguês e na pelegagem que o cerca, essa afirmação de rendição ideológica, derrotismo, resignação, submissão e institucionalismo/legalismo deve ser das mais reles e odiosas que já lemos.

A forma de atuação governamental para executar essa missão é fundamentalmente a institucionalização (quase uma estatização) de toda e qualquer luta, reivindicação, pauta e bandeira dos/as trabalhadores/as, principalmente da pelegagem oficial incrustrada em praticamente todo o aparelho sindical. Uma das principais maneiras dessa atuação é a cooptação com o uso da máquina pública e seus fartos recursos (aceitos pelos pelegos de muito bom grado!), atraindo também centrais e entidades que se pretendem diferentes do peleguismo. A cooptação inclui a criação de diversos grupos de trabalho, conselhos, conferências, fóruns, sempre com participação patronal, para a enrolação e institucionalização das pautas de trabalhadoras/es.

A cooptação das centrais sindicais ao governo Lula-Alckmin segue a todo vapor e sem qualquer resistência (pelo contrário!). No dia 18 de janeiro se alinharam ao governo as duas Intersindicais, NCST, UGT, CUT, Força Sindical, CTB, CSB, Pública e Conlutas.

Combinado com a cooptação, a institucionalização/estatização também busca paralisar ou controlar as mobilizações sindicais e de trabalhadores/as, tirando-as das fábricas, do campo, dos locais de trabalho e das ruas e levando-as para os gabinetes. Um exemplo são as declarações de Lula contra as (bastante moderadas) mobilizações do MST:

Por que a gente tem que esperar o movimento invadir uma terra? … Ao invés de as pessoas invadirem, a gente oferece [as terras], organiza. … Vamos fazer uma prateleira das chamadas terras improdutivas desse país e terras devolutas que a gente pode fazer assentamento agrário, para quem quiser trabalhar no campo sem precisar brigar com ninguém”.

O objetivo de desmobilização é claro: os/as trabalhadores/as da cidade e do campo, ao invés de organizarem as suas próprias lutas, de forma independente, pelos seus interesses de classe, devem esperar do estado capitalista, passivamente, que desapropriações, assentamentos ou o que quer que seja, lhes caia do céu como um maná, por intermédio da “boa vontade” dos governantes. Essa inexistência de mobilização se desdobra em desorganização da classe. Para o governo burguês de Lula-Alckmin, trabalhadores/as desorganizados/as devem esperar a atuação estatal. Se ela não vier, paciência, pois trata-se de um “governo em disputa”… (sic!).

Quando isso não é bem-sucedido, o governo burguês procura ativamente desmobilizar ou sabotar as lutas que resistem. Esse foi o caso da mobilização dos/as trabalhadores/as de aplicativos, marcada para 25 de janeiro, desmobilizada pela atuação direta do governo e suas propostas de enrolação nos palácios. Como último recurso, quando necessário, não hesitam em pagar o preço da repressão às lutas de massas.

    2.5 A fazenda como o centro da política econômica e do programa hegemônico da burguesia

O ministério da fazenda é o principal órgão responsável por toda a política econômica do governo, ao qual se subordinam, na prática, os demais ministérios, inclusive o Planejamento (Tebet) e o Desenvolvimento (Alckmin). Nesses termos, esse ministério é o principal encarregado de consolidar/avançar o programa hegemônico da burguesia, com um conjunto de medidas de política econômica para buscar manter/aumentar as elevadas taxas de lucro atingidas nos períodos Temer-Bolsonaro.

O ministro da fazenda indicado por Lula é Fernando Haddad, “chamado de ‘o mais tucano dos petistas’, [que] não esconde sua admiração por FHC, conforme perfil publicado na revista piauí (número 203, de agosto de 2023, pp. 12-22). Esse “petista-tucano” é aliado de Alckmin desde que um era prefeito da capital e o outro governador do estado em São Paulo, quando agiram conjuntamente contra as Jornadas de Junho de 2013. Haddad foi o responsável pela indicação de Alckmin para a vice-presidência e pela aproximação entre Lula e Alckmin – ainda no primeiro semestre de 2021! A matéria da piauí afirma que, ao ser convidado para o ministério, Haddad tratou de “alertar” Lula de que tudo isso que eu quero fazer está à direita do seu plano de governo e à direita do seu discurso”. Lula, é claro, topou sem pestanejar. O plano “à esquerda” era só potoca para engambelar trouxas que queriam ser enganados e para mentir para as massas.

Para número 2 do ministério, Haddad chamou um ex-banqueiro “de esquerda”, ex-consultor da Fiesp, especializado em programas de privatização e parcerias público-privadas. Após sua indicação para uma diretoria do banco central (parceria Campos Neto-Haddad), Haddad o substituiu pelo diretor da Meta/Whatsapp no Brasil. A secretaria do tesouro nacional está ocupada pelo ex-secretário adjunto de desestatização e parcerias e ex-diretor-presidente da São Paulo Parcerias (“companhia responsável pela estruturação de concessões, parcerias público-privadas (PPPs) e alienações de ativos na Prefeitura de São Paulo”) de Bruno Covas (PSDB) e defensor da eliminação dos pisos constitucionais de educação e saúde para poder cortar gastos e cumprir o novo teto de gastos de Lula: “Entendemos que há critérios que podem ser melhores que a mera indexação [em relação às receitas]”, pois “esses pisos criam problemas porque os gastos totais do governo estão submetidos a uma regra geral, que era o teto dos gastos e será substituída pelo novo arcabouço fiscal”. Ou seja, a proposta do secretário do tesouro é que os gastos com educação e saúde sigam a mesma regra do novo teto de gastos de Lula.

Com essa equipe e sua missão a cumprir, Haddad já aprovou o novo teto de gastos de Lula, já apresentou sua “reforma” tributária, já atuou para o avanço das privatizações (incluindo educação, saúde, presídios e outros), já tornou permanentes as metas para a inflação definidas por Paulo Guedes, entre outras iniciativas. Haddad também projeta uma “reforma” administrativa para os/as servidores/as públicos/as federais “Se a pessoa não tem vocação para o serviço público, elimina”, declarou o “’defensor de métricas’ para avaliar o funcionalismo público”.

Outra “conquista” recente de Haddad para a burguesia foi o perdão bilionário de impostos dos mais ricos – sob o enganoso disfarce de “colocar os ricos no imposto de renda”. Trata-se do seguinte engodo. A burguesia dispõe dos chamados fundos exclusivos, voltados para quem tem centenas de bilhões de reais para investir. Esses fundos pagam 15% sobre seus lucros, mas apenas no momento do resgate (e não semestralmente, como os demais, no chamado “come-cotas”). Partindo de uma medida provisória de Temer, o governo burguês de Lula-Alckmin elaborou uma proposta, que foi relatada e aprovada na câmara dos deputados pelo centrão. O pulo do gato é: ao invés de pagar só no resgate, passa a pagar semestralmente, mas todo o montante dos lucros acumulados até agora vai pagar apenas 8% (e não 15%) – e parcelado em 4 vezes! Um perdão de quase metade no bilionário imposto devido pela burguesia, estimado em R$ 20 bilhões! E tem mais. O Valor Econômico já deu o caminho das pedras para os bilionários. Basta sair dos fundos exclusivos e passar para outros “fundos com benefícios: previdência privada, debêntures e Fiagro”. Com isso, continuarão com vários benefícios fiscais e sucessórios, sem come-cotas, imposto entre zero e 10%, desconto na renda tributável etc. Como sempre cantou a Internacional: “Crime de rico, a lei o cobre, / O Estado esmaga o oprimido, / Não há direitos para o pobre, / Ao rico tudo é permitido.

A maioria dessas “conquistas” foi feita em explícita parceria com o centrão de Arthur Lira, colocando Haddad como um dos principais “articuladores políticos” do governo. Como diz a matéria da piauí, “Lira gosta da deferência que Haddad lhe faz. Aprecia sentir-se contemplado nas decisões”. Como resultado, Lira dá declarações como: “O Haddad e o Galípolo já me explicaram isso e eu confio neles”. E no parágrafo seguinte, a revista conclui com a afirmação de Lira que “o governo não iria mexer na autonomia do BC, na reforma trabalhista, no marco do saneamento e tampouco na reforma da previdência”. Como temos defendido, a função do governo burguês de Lula-Alckmin é a de consolidar, e buscar avançar ainda mais, a implementação da ofensiva de classe da burguesia contra as massas trabalhadoras.

Como “reconhecimento” de todo esse trabalho, as agências internacionais de rating (Fitch e Standard & Poor’s) elevaram a nota de crédito soberano do país – ou seja, a chance que elas atribuem ao país pagar sua dívida externa ao capital internacional, sem atrasos nem calote. Para a Fitch, “a elevação dos ratings do Brasil reflete desempenho macroeconômico e fiscal acima do esperado em meio a choques sucessivos nos últimos anos, políticas proativas e reformas, além da expectativa da Fitch de que o novo governo trabalhará para melhorias adicionais” e a política monetária “prudente” do banco central. O ministério agradeceu e “apontou compromisso com a agenda de reformas em curso”.

Outro “reconhecimento” a Haddad (e a Campos Neto) foi o prêmio da revista Latin Finance, como o melhor ministro da fazenda – ou seja, o melhor gestor do capital, principalmente o financeiro – da região. Significativamente, a premiação foi entregue numa reunião do FMI…

Para o mercado financeiro, Haddad tinha avaliação positiva de 10%, regular de 52% e 38% de negativo em março. Depois de todas essas “entregas”, tudo mudou. A avaliação positiva passou para 46% em setembro (após pico de 65% em julho), a negativa caiu para 23% e o regular ficou em 31%. No mesmo período, a expectativa de “melhora” da política econômica passou de 6% para 36% e a de “piora” caiu de 78% para 34%.

Em conclusão, toda essa ala ainda mais à direita do PT, englobando Lula e seus ministros, é composta por experimentados gestores do capital, por dedicados funcionários da burguesia, todos com longo e provado histórico de medidas concretas em favor das classes dominantes. No cumprimento de suas tarefas, eles, em geral, usam de engodos e mistificações para enganar as massas e dar justificativas para seus apoiadores pelegos, oportunistas e reformistas. A consolidação e os avanços no programa hegemônico da burguesia, nos seus lucros e na sua dominação, promovidos pelo governo burguês de Lula-Alckmin e pelo partido burguês, o PT, tendem a ser apresentados sob a forma de “aprimoramentos”, “correções técnicas”, “ajustes” para a realidade concreta e para a “correlação de forças”. Isso vale para o “novo” ensino médio, para a “reforma” trabalhista, para a “reforma” tributária, para a taxação dos super-ricos, para o “fim” da paridade dos preços internacionais da Petrobrás, etc.

    2.6 A irrelevância dos ministérios da “esquerda” do PT e seu papel de legitimação desse governo burguês

O governo burguês de Lula-Alckmin também criou ou reorganizou ministérios ocupados por pessoas vinculadas a setores da “esquerda” do PT ou de seus partidos-satélites (PSol, PCdoB). Trata-se do ministério das mulheres, dos povos indígenas, da igualdade racial e dos direitos humanos e da cidadania, além do meio ambiente e mudança do clima e da ciência, tecnologia e inovação. Os 4 primeiros, somados, têm orçamento de R$ 1,7 bilhão, o que equivale a 0,08% do orçamento dos ministérios para 2024. Se somarmos os orçamentos da C&T (R$ 12,4 bilhões) e do meio ambiente (R$ 3,6 bilhões), chegaremos a um total de R$ 17,7 bilhões, ainda assim menos de 1% (0,85% para ser mais exato) do orçamento total. Em um governo burguês, este é o principal critério que atesta a total falta de importância desses ministérios nas políticas governamentais.

Têm sido irrelevantes para as “políticas públicas” as opiniões do ministro dos direitos humanos e da cidadania sobre as ações concretas do governo para privatizar presídios – por exemplo, em comparação com os “argumentos” do BNDES – e suas caravanas para avaliar as condições carcerárias do país. Ambos os casos referentes a um importante mecanismo de reprodução do racismo estrutural e da exploração de classes no país. Como diria antigamente o professor Silvio Almeida:

As políticas de austeridade e o encurtamento das redes de proteção social mergulham o mundo no permanente pesadelo do desamparo e da desesperança. Resta ao Estado, como balizador das relações de conflito, adaptar-se a esta lógica em que a continuidade das formas essenciais da vida socioeconômica depende da morte e do encarceramento. Sob condições objetivas e subjetivas projetadas no horizonte neoliberal, o estado de exceção torna-se a forma política vigente” (Racismo Estrutural, São Paulo. Sueli Carneiro/Editora Jandaíra, 2020, p. 124).

Processo similar ocorre com o ministério dos povos indígenas, que perdeu até mesmo a competência legal para o reconhecimento e a demarcação de terras indígenas (!!!) em acordo de Lula com o centrão. Nas palavras da ministra, trata-se do “esvaziamento total do ministério”. Quando o congresso aprovou uma lei sobre o marco temporal, que já havia sido declarado inconstitucional pelo STF, a ministra recomendou ao presidente “o veto total do projeto de lei”. A posição de Lula, no entanto, foi de veto parcial, mantendo “aquilo que ele pôde preservar de contribuição, de colaboração do Congresso para o aperfeiçoamento do processo demarcatório, do processo da política indigenista”, de acordo com o advogado-geral da união. Claro que é uma empulhação falar que o congresso, com sua enorme bancada do agronegócio, quer “aperfeiçoar” a política indigenista. Na verdade, mais uma vez, prevalecem os interesses conjuntos do executivo e do legislativo, em acordo para avançar a ofensiva burguesa, cuja concretização é impulsionada pelos três poderes da república.

Isso quando esses ministérios de “esquerda” não executam eles mesmos as políticas da ofensiva da classe dominante, como é o caso do meio ambiente na privatização das florestas do país, do Amazonas ao Paraná e Santa Catarina. Também nesses casos com o auxílio do BNDES.

Além de ministérios, a “esquerda” vinculada a centrais sindicais, sindicatos e movimentos sociais que gravitam em torno do PT também ocupa secretarias de ministérios, superintendências regionais, conselhos e um sem número de órgãos públicos, como é o caso do MTST, do MST, da CUT e muitos outros. Além da boquinha das posições bem remuneradas, no ar condicionado, o papel desses reformistas e oportunistas é o de institucionalizar a luta de classes, canalizar as contradições de classes para o estado capitalista e legitimar seu governo.

Em suma, o papel desses ministérios de “esquerda” é praticamente nulo para o governo burguês de Lula-Alckmin, seja pela ausência de orçamento, seja pela sua falta de importância na composição política e nas prioridades governamentais. O que esses/as ministros/as fazem, na prática, é contribuir objetiva e subjetivamente para legitimar as políticas burguesas do governo burguês de Lula-Alckmin, para legitimar a ofensiva da burguesia nas suas próprias áreas de atuação e para paralisar o movimento e as lutas de massas, reforçando a institucionalização e o peleguismo.

  1. A Direita no Governo Burguês de Lula-Alckmin

Em contraste, os ministérios da direita, bolsonarista ou não, controlam um orçamento somado de R$ 241,3 bilhões – mais de 13 vezes o orçamento total da “esquerda” (R$17,7 bilhões) –, conforme a proposta orçamentária enviada por Lula para 2024. Os destaques são transportes (R$ 57,4 bilhões) e cidades (R$ 21 bilhões), comandados pelas oligarquias regionais do MDB de Alagoas e Pará; a agricultura e pecuária (R$ 10,5 bilhões), com o PSD de Kassab; e, principalmente, a defesa (R$ 126,1 bilhões), comandada por um direitista indicado pelos militares.

A esses valores se somam as emendas parlamentares, nas quais Lula já pagou quase R$ 20 bilhões até meados de setembro. Os principais partidos beneficiados foram o PSD (R$ 1,6 bilhão) e o PL bolsonarista (R$ 1,5 bilhão). O PT está em terceiro (R$ 1,4 bilhão), seguido dos demais partidos da direita: PP de Lira (R$ 1,3 bilhão), União Brasil (R$ 1,2 bilhão), MDB (R$ 1,2 bilhão) e Republicanos (R$ 1 bilhão). Evidentemente, todos esses valores são o pagamento ao congresso e à direita pelo avanço nas medidas da ofensiva de classe burguesa propostas pelo governo burguês de Lula-Alckmin.

Os ministérios da direita começam pelo desenvolvimento, indústria, comércio e serviços, ocupado pelo vice-presidente, Alckmin, que representa a ala direita do PSDB, mais vinculada ao capital financeiro. Lembremos que ele ocupa esse cargo apenas porque o presidente da Fiesp, convidado por Lula, recusou. Embora o “programa” (sic!) da chapa Lula-Alckmin fale em reindustrialização, uma das tarefas fundamentais desse ministério da “indústria” é promover o comércio exterior, assegurar isenção de impostos a exportadores, reduzir o “custo Brasil” – em tudo beneficiando o agronegócio de exportação e a indústria extrativa mineral (petróleo e minério de ferro).

Já qualificamos Alckmin nosso livro digital Quem são os nossos inimigos? Quem são os nossos amigos? Essas são questões fundamentais!, de setembro de 2022:

Alckmin é um conservador religioso de direita, formado na Opus Dei, que foi fundador do PSDB, em 1988, além de também ter sido presidente paulista e nacional dos tucanos. Em São Paulo, comandou o programa de privatização do PSDB (primeiro, sob Covas, depois por conta própria, quando colocou a Sabesp para ser negociada na bolsa de Nova Iorque e privatizou a Cesp) e foi governador por 14 anos, entre 2001 e 2018. Como governador, deu a palavra final autorizando o massacre do Pinheirinho, em 2012; foi o responsável pela repressão às manifestações paulistas de junho de 2013; pela repressão às ocupações de escolas pela juventude secundarista, em 2015, causada por sua “política” educacional (sic!); além de diversas chacinas policiais. Como resultado, a quantidade de assassinatos cometidos pela polícia paulista bateu recorde em 2017, chegando a quase mil homicídios” (pg. 106-7, na versão digital, e 160, na impressa).

Alckmin também indicou seu ex-vice-governador de São Paulo para o ministério dos portos e aeroportos – cuja missão fundamental é avançar nas privatizações do setor. Com o acordão para dar ministérios ao centrão de Lira, Márcio França foi transferido para a pasta do empreendedorismo, microempresa e empresa de pequeno porte.

As oligarquias regionais do MDB ocupam, além dos transportes (Renan Filho, Alagoas) e das cidades (Jáder Filho, Pará), o planejamento (Tebet, Mato Grosso do Sul). Seu objetivo fundamental é assenhorar-se de partes do governo federal e do seu orçamento para reproduzir e fortalecer sua dominação local, perpetuando-se na condição de representantes políticos estaduais das classes dominantes e implementando seu programa de classe.

Além disso, o planejamento é um ministério acessório à fazenda na implementação do programa hegemônico da burguesia, que atualmente conta com uma equipe toda alinhada à pauta liberal de Temer e que contribui para deslocar as medidas de política econômica sempre mais para a direita.

A agricultura está onde sempre esteve, quer o governante de turno seja FHC, Lula, Dilma, Temer ou Bolsonaro: nas mãos do agronegócio. No governo burguês de Lula-Alckmin, a agricultura foi entregue nas mãos da Associação dos Produtores de Soja, mediante um político do Mato Grosso, atualmente no PSD e ex-PP de Lira.

A direita também é representada no ministério de Lula por políticos explicitamente bolsonaristas, entrados no governo pelas mãos de Lira, como é o caso dos ministros do turismo (substituindo uma miliciana do Rio de Janeiro), dos portos e aeroportos e do esporte. Neste último caso, com o requinte de “impor” a Lula a nomeação como número 2 da pasta o ex-número 2 de Weintraub no ministério da educação bolsonarista, ex-assessor da casa civil com Braga Netto e do ministério da defesa de Bolsonaro. Sob o pretexto de negociação por votos no congresso, os ministérios bolsonaristas servem fundamentalmente para a ampliação do poder político do presidente da câmara dos deputados e de seu grupo de extrema direita, mediante o reforço da sua influência no governo federal e o maior controle de verbas públicas.

O último componente da direita no governo burguês de Lula-Alckmin – além do centrão, das oligarquias regionais e dos bolsonaristas – são os militares e seus indicados. O principal indicado pelos militares é o próprio ministro da defesa, que elogiou os acampamentos golpistas em frente aos quartéis, sancionou os novos comandantes militares, defende a manutenção do art. 142 da constituição e a impunidade dos generais no golpismo bolsonarista. Seu discurso é o da “despolitização” das forças armadas e da “pacificação” do país, empulhações sob as quais corre solta a defesa do status quo das forças armadas. Para o gabinete de segurança institucional, Lula indicou primeiramente um general de 3 estrelas da reserva, que manteve intocado todo o aparelhamento bolsonarista, e depois foi substituído por um general de 4 estrelas da reserva, mantendo a militarização. Militarização que permanece alta em vários outros órgãos e ministérios, mostrando que as promessas de remoção dos militares em cargos do executiva não passavam de conversa fiada de período de eleição.

Além disso, Lula apoia objetivamente as forças armadas aumentando seu orçamento, mesmo no contexto do seu novo teto de gastos. Ainda em dezembro de 2022, Lula “prometeu apoiar seus projetos estratégicos prioritários com recursos” e pediu que os futuros comandantes apresentassem suas propostas. Logo em seguida, em 19 de janeiro, juntou militares e empresários para receber esses projetos: programa nuclear da marinha, submarinos e fragatas; blindados para o exército, além de mísseis, defesa antiaérea, monitoramento de fronteiras; e caças da aeronáutica. Em maio, Múcio e os comandantes militares foram ao congresso reiterar esse pedido de verbas bilionárias. Como resultado, em agosto, Lula anunciou que o novo PAC incluiria R$ 52,8 bilhões para as forças armadas, além do orçamento anual de mais de R$ 120 bilhões. A defesa foi o quarto maior entre os nove eixos do PAC em termos de recursos. Seu montante é maior do que os investimentos previstos no PAC para educação, ciência e tecnologia (R$ 45 bilhões) e para saúde (R$ 30,5 bilhões).

Esse apoio objetivo às forças armadas também ficou claro com a decretação de mais uma operação de garantia da lei e da ordem (GLO) em 1º de novembro – apenas três dias após Lula ter mentido que “enquanto eu for presidente não tem GLO”. Não importa o governante de plantão, as forças armadas sempre são vistas como forças de segurança interna, às quais se concede poder de polícia e de repressão interna, baseados no famigerado artigo 142 da constituição. Desde 1992 já ocorreram 145 GLO, uma média de quase 5 por ano… Dessa vez, por seis meses, 3,7 mil militares das três forças atuarão junto com a polícia federal e a polícia rodoviária federal nas fronteiras, portos e aeroportos. No delírio lulista, “com a PF, Marinha, Aeronáutica, Exército, com a Força Nacional, com a PRF, vamos definitivamente tirar o poder da organização chamada crime organizado”. Já especialistas afirmam que “isso não tem a menor chance de dar certo”, chamaram a operação de “midiática”, “cosmética”, “figuração cenográfica”, que cria uma “pauta positiva” para passar pano no desgaste das forças armadas bolsonaristas e golpistas.

  1. A posição comunista diante do governo e do estado burgueses

Este primeiro ano do governo burguês de Lula-Alckmin comprova a posição que defendemos já durante a campanha eleitoral e logo após as eleições e que temos desenvolvido neste documento e no anterior: o governo Lula-Alckmin é um governo burguês, cuja função é gerir o capitalismo brasileiro para manter as elevadas taxas de lucro/exploração dos últimos anos. A maneira de atingir esses objetivos é por meio da consolidação dos avanços do programa hegemônico da burguesia obtidos nos últimos anos e da busca por novos avanços nessa ofensiva de classe. Além disso, é um governo de conciliação/subordinação de classe, tanto pela cooptação dos movimentos sindicais/populares quanto pela sabotagem direta das lutas das massas.

Como afirmamos, ainda em novembro do ano passado, no nosso artigo A vitória eleitoral de Lula-Alckmin, a reação da extrema-direita, fascista, e as tarefas das classes trabalhadoras e dos/as comunistas em relação às características principais do novo governo burguês de Lula-Alckmin:

  1. “Uma margem relativamente estreita para governar, diante da completa falta de mobilização popular e de ruas e da reduzida presença institucional da ‘esquerda’, seja no congresso seja nos governos estaduais.
  2. Essa margem estreita é reforçada pela busca de dar caráter de ‘frente ampla’ ao novo governo, ampliando o peso relativo da direita, a começar pela vice-presidência de Alckmin.
  3. Essa margem se reduz ainda mais diante da permanência de uma extrema-direita, organizada e mobilizada, com força institucional no parlamento e nos estados e com capacidade de mobilização nas redes e nas ruas.
  4. Adicionalmente, o cenário econômico mundial e nacional indica uma significativa desaceleração em 2023, rumo à estagnação/recessão, o que também reduz a margem de governo de Lula-Alckmin.
  5. Dos itens acima e da experiência dos seus governos anteriores, o PT já deu início a amplos conchavos com o centrão, a direita e a burguesia em busca de comprar sua ‘governabilidade’.
  6. Isso deve indicar que a pauta do futuro governo Lula-Alckmin representará a continuidade/consolidação da ofensiva burguesa e da implementação do seu programa hegemônico, apenas com a inclusão de alguns ajustes que não comprometam o aspecto principal”.

Assim, quando a “esquerda” reformista e oportunista fala em “governo em disputa”, na verdade trata-se de disputa entre diferentes alas da burguesia, por mais ganhos na atuação governamental. Além disso, é claro, trata também da sua disputa por cargos e posições no aparelho estatal, necessárias para a sua própria reprodução.

A posição dos/as comunistas é totalmente diferente desse pântano de oportunismo. Para nós, trata-se de denunciar aberta e concretamente, com detalhes e muita clareza, as políticas burguesas do governo Lula-Alckmin, seus conchavos com o centrão e a direita, sua posição de conciliação/subordinação de classe, suas tentativas de cooptar e de paralisar as justas manifestações de luta de trabalhadores e trabalhadoras em defesa de seus interesses próprios, resistindo à ofensiva do capital.

Temos à nossa frente as imensas tarefas de reconstruir a posição política própria e independente do proletariado na luta de classes, assim como o seu instrumento político, o Partido Comunista. Somente com esses passos, junto com a classe operária, a partir dela e para ela, podemos construir a única real alternativa para toda a massa trabalhadora, para escaparmos da escravidão assalariada, para derrubarmos nossos odiados exploradores, seu estado e sua polícia e forças armadas, e construirmos o Socialismo!

Cem Flores

Novembro de 2023

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- 09/11/2023