O Pacote Fiscal do Teto de Gastos de Lula: mais um ataque da burguesia contra os trabalhadores
Dois dias depois do anúncio do corte de gastos que ataca milhões de trabalhadores, o ministro Haddad presta contas aos banqueiros, na Febraban, e promete mais: “Esse conjunto de medidas não é o ‘gran finale’ de tudo que precisa fazer”.
Cem Flores
02.12.2024
Na quarta-feira, dia 27 de novembro, Lula tirou o dele da reta e mandou Haddad anunciar o novo pacote fiscal do governo em cadeia nacional. Haddad encheu a boca para anunciar, sorridente, vários cortes bilionários de despesas públicas com programas sociais para fazer cumprir o teto de gastos de Lula.
Como se numa competição para ver quem agrada mais à burguesia e sua ofensiva de classe contra a massa trabalhadora, o ministro-chefe da casa civil, Rui Costa, afirmou orgulhoso que
“O que está sendo colocado aqui é um absoluto compromisso do governo do presidente Lula com o equilíbrio fiscal, a responsabilidade fiscal e o arcabouço fiscal. Esse conjunto de medidas foi construído conjuntamente, por todos os ministros e muitos foram ouvidos. Aqui todos nós temos responsabilidade com esse país. O que está se fazendo hoje é garantindo que esse desequilíbrio de longo prazo não ocorrerá. É reafirmar, através de medidas firmes, como o realinhamento do reajuste do salário mínimo e, com ele, todas as despesas a ele indexadas, trazendo esse crescimento para o crescimento do arcabouço fiscal”.
Desde o início, já estava claro que esse novo teto de gastos, aprovado em 2023, era incompatível com as regras existentes de vários desses programas e políticas – como denunciamos no nosso documento sobre a política econômica do governo burguês de Lula. Isso inclui os pisos constitucionais de saúde e educação, a política de aumento do salário mínimo, os pisos de benefícios vinculados a ele, como aposentadorias, benefícios de prestação continuada (BPC), seguro desemprego, entre outros. Programas e políticas que atendem milhões de famílias trabalhadoras, especialmente as mais pobres.
Ou seja, o teto de gastos de Lula era apenas o primeiro movimento do seu governo burguês para avançar o programa hegemônico da burguesia. Outros movimentos viriam. Desde então, vimos avanços da ofensiva de classe burguesa na “reforma” tributária, nas diversas privatizações/concessões, nos contingenciamentos e bloqueios orçamentários. Além disso, houve a consolidação das ofensivas anteriores, como as intocadas “reformas” trabalhista e da previdência, a privatização de subsidiárias da Petrobrás, a privatização da Eletrobrás e muitos outros. Agora veio um ataque direto e de peso aos programas sociais.
O centro do pacote de corte de gastos é o ataque à política de valorização do salário mínimo, criada pelo próprio PT. Isso permite cortar, de uma só vez, o orçamento de diversos benefícios cujos pisos são vinculados ao salário mínimo. Para o governo, esses cortes de gastos significam transferir recursos que iriam para a massa explorada (trabalhadores desempregados e aposentados, idosos, pessoas com deficiência) e que agora serão destinados ao pagamento da dívida pública, beneficiando a burguesia e a parcela de maior renda da pequena burguesia. Para os patrões, além disso, o dinheiro que eles deixarão de pagar de aumento do salário mínimo se transforma diretamente em aumento dos lucros. O caráter de classe do governo também se revela nos seus atos concretos – além de sua composição e alianças.
A nova regra de Lula para o salário mínimo obriga que seus aumentos sejam limitados pelo teto de gastos, “para nós reencontrarmos o equilíbrio fiscal” nas palavras de Haddad. Um exercício aplicando a nova regra desde 2003, início do governo Lula 1, mostra que hoje o salário mínimo seria de menos de mil reais – uma grande e evidente perda para os trabalhadores, especialmente os mais pobres.
Olhando para frente, pelos dados do próprio governo, o pacote fiscal de Lula rouba do salário mínimo e dos benefícios sociais vinculados a ele estimados R$ 109,8 bilhões de 2025 a 2030. Esse é, de longe, o maior corte dentre os vários propostos pelo governo, representando um terço do corte total.
Mas a coisa não parou por aí. Listando apenas as estimativas de impactos diretos sobre as classes exploradas, a soma supera os R$ 200 bilhões!
O segundo maior corte será no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), construído pela união, estados e municípios e destinado aos salários de professores e às escolas públicas de todo o país. O governo propõe que parte do Fundeb seja destinado obrigatoriamente para a educação de tempo integral, substituindo a parte hoje financiada pelo MEC. Assim, abre-se espaço para cortes no orçamento desse ministério. Ao mesmo tempo, impõe que estados e municípios também cortem em outros gastos educacionais para tentar cobrir a sua nova responsabilidade com a educação integral. Na prática, essa enrolação contábil-orçamentária significa que serão cortados R$ 42,3 bilhões da educação básica pública até 2030.
Já o abono salarial, “benefício que num certo sentido perdeu sua razão de ser” (Haddad), vai deixar de ser destinado a trabalhadores que recebem até dois salários mínimos e passa a se limitar àqueles de até1,5 salário mínimo. Ou seja, trabalhadores perderão esse 14º salário, utilizado muitas vezes para atender necessidades básicas de suas famílias. Já o ministro e seus iguais continuarão com suas mordomias intocadas, mesmo recebendo quase R$ 50 mil por mês de salário (ou mais).
Nem o Bolsa Família foi preservado. Em 2024, o aumento da bolsa já havia sido zero. A partir de 2025, passará a haver várias restrições para o acesso ao programa, com o objetivo de reduzir sua cobertura. Na verdade, conforme declaração do ministro da fazenda na entrevista para detalhar os cortes, “tomamos uma série de providências para conter um aumento de R$ 25 bilhões na despesa do ano que vem”. Ou seja, os gastos com o Bolsa Família iriam crescer acima do teto de gastos… – então serão cortados!
O mesmo vale para o BPC que, segundo Haddad, “extrapolou o orçamento deste ano em praticamente 7 bilhões de reais”. Para Rui Costa, podem ser cortados até 1 milhão de beneficiários por falta de CID (Classificação Internacional de Doenças) nos laudos da deficiência ou por terem garantido o benefício por liminar judicial. Além disso, o governo quer impor critérios ainda mais rígidos para trabalhadores terem acesso ao benefício.
Os cortes bilionários nesses benefícios também são encobertos com a cínica justificativa de combater “fraudes” e “irregularidades”. No entanto, esse rigor do estado tem um caráter de classe. De um lado, o estado restringe ainda mais direitos da massa explorada pobre – sendo que parte dela, apesar de necessitar, hoje nem consegue acesso a esses benefícios, por conta da burocracia. De outro, fecha os olhos para as fraudes bilionárias dos burgueses, exímios sonegadores de impostos. Essa é a verdade de classe por trás do “pente-fino” do governo Lula.
Ainda há outro aspecto a destacar, além do corte de beneficiários em função desse “pente-fino” para viabilizar o teto de gasto. Com essa medida, o governo burguês de Lula abre uma discussão sobre o formato e as regras dos programas sociais e mesmo, em alguns casos, sobre a sua própria manutenção. Com essa ofensiva de Lula e do PT, os programas deixarão de ser considerados “intocáveis” e se tornam passíveis até mesmo de extinção em futuros pacotes fiscais deste ou de outros governos burgueses.
Além desses impactos diretos, estão previstas medidas que poderão ter impactos indiretos nos programas e benefícios sociais, embora ainda não haja estimativas detalhadas do governo. A Desvinculação de Receitas da União (DRU) desobriga o cumprimento das regras orçamentárias para despesas obrigatórias. As propostas também revogam o dever de execução do orçamento. Assim, mesmo os pisos constitucionais de saúde e educação poderão ser atingidos. Esses pisos já estão afetados indiretamente pelo pacote fiscal. No caso da educação, pela manobra contábil do Fundeb e do programa Pé de Meia. No caso da saúde, pelo direcionamento das emendas parlamentares, abatendo os gastos orçamentários atuais do ministério.
Por falar nos pisos da educação e da saúde, juntamente com o seguro-desemprego, eles foram objeto de diversos estudos do governo para avaliar mudanças de regras e impactos orçamentários. Em um deles, “a proposta do governo burguês de Lula-Alckmin roubaria da saúde e da educação entre R$ 867 bilhões e R$ 1,1 trilhão” em uma década. Muito embora tenham ficado de fora dessa leva de cortes, os estudos governamentais e a discussão escancarada sobre sua revogação ou mudança de regras já deixam a porta aberta para novos ataques, possivelmente em 2027, primeiro ano do novo governo.
Numa tentativa de negar o caráter burguês de mais essa ofensiva contra as conquistas das massas trabalhadoras, o governo incluiu no pacote de cortes de gastos a promessa de isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Essa tática foi replicada por grande parcela da dita “esquerda”, que aplaudiu tal proposta, escondendo os ataques aos trabalhadores do pacote fiscal. A redução de receita com o aumento dessa isenção seria compensada pelo aumento de imposto para quem ganha mais de R$ 50 mil. A medida, caso implementada, atingiria potencialmente 36 milhões de pessoas a um custo de R$ 45 bilhões. Mas…
1) O governo já se acertou com Lira e com Pacheco para que essa discussão no congresso só seja iniciada “depois de ser resolvido o pacote de corte de gastos”, ou seja, segundo Haddad, é uma “discussão para o ano que vem”…
2) Haddad explicitamente vinculou o aumento da isenção de impostos ao aumento do imposto sobre os mais ricos. Se não houver a segunda, não haverá a primeira. Então, na prática, deixou o congresso de mãos livres para não aprovar nenhuma das duas…
A reação do mercado financeiro foi a esperada. Considerou que os ataques às conquistas dos trabalhadores eram pequenos e insuficientes para os seus interesses e reagiu desvalorizando o real de 5,8 por dólar para 6 em uma semana. Os juros também aumentaram, assim como a perspectiva de novo aumento pelo Banco Central no começo de dezembro. Nesse cenário, as perspectivas são de um aumento ainda maior da dívida pública, puxado pelo pagamento de quase R$ 900 bilhões por ano de juros para os ricos. Com isso, esses mesmos beneficiados de sempre vão exigir ainda mais cortes dos atingidos de sempre…
A resposta de Haddad ao mercado também foi a mesma de sempre. Na sexta, dia 29, ele foi para o almoço anual de confraternização da Febraban. Em plena reunião do lobby dos banqueiros, sentado entre os presidentes do BTG Pactual e do Itaú Unibanco, e de frente para o do Bradesco, ele afirmou que o conjunto de medidas já anunciado não era ainda tudo o que se precisa fazer. E prometeu que no começo do ano que vem vai “voltar para a planilha” para propor mais ataques contra os trabalhadores.
Como temos afirmado desde a campanha eleitoral de 2022, o governo Lula 3 é um novo governo burguês, dedicado à gestão do capitalismo no Brasil, à defesa dos interesses da burguesia. Para isso, tem como objetivos fundamentais retomar as taxas de lucro/exploração, consolidar e avançar nas medidas do programa hegemônico da burguesia, os ataques da ofensiva de classe burguesa contra o proletariado e as demais classes exploradas.
É fundamental denunciar seus ataques às conquistas das massas trabalhadoras e participar e contribuir para organizar as lutas próprias dessas massas na defesa dos seus interesses de classe, de maneira independente.
Dessa forma, construir e fortalecer a resistência de classe proletária contra a burguesia e seus aliados!