Internacional Comunista. Teses sobre a Questão Parlamentar.
Discurso de Lênin no 2º Congresso da Internacional Comunista, em 1920, no Teatro Uritsky. Pintura de Isaak Brodsky (1924).
Cem Flores
28/10/2022
“É muitíssimo mais difícil – e muitíssimo mais meritório – saber ser revolucionário quando ainda não existem as condições para a luta direta, aberta, autenticamente de massas, autenticamente revolucionária”.
Lênin. Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo.
Estamos a dois dias das eleições presidenciais no Brasil. Durante esse período o Cem Flores procurou apresentar aos camaradas e leitores/as análises marxistas-leninistas, a partir da posição proletária na luta de classes, do processo eleitoral brasileiro. Buscamos fazer a “análise concreta da realidade concreta” desse complexo processo e não nos contentar com formulações superficiais ou apriorísticas que pouco contribuem para a compreensão e a atuação comunista na conjuntura atual.
Nos últimos meses, analisamos na conjuntura atual o aparente paradoxo da estagnação da economia brasileira com enormes lucros para a burguesia, o engodo de uma pretensa burguesia “democrática”, os reais interesses de classe por trás das candidaturas de Bolsonaro (aqui e aqui) e de Lula (aqui e aqui) e destacamos o importante crescimento das críticas de esquerda ao reformismo e oportunismo eleitoreiros nesta eleição.
Leia nosso documento sobre a atual conjuntura do Brasil
Mostramos que as eleições de 2022 são disputadas pelas duas principais forças políticas burguesas, representadas pelas candidaturas presidenciais de Bolsonaro – a extrema-direita, fascista, genocida, com amplo apoio da burguesia, em seu autoritarismo crescente – e de Lula, maior representante do reformismo e do oportunismo, ideologias burguesas atuando junto à massa trabalhadora para mantê-la subordinada à exploração das classes dominantes. O primeiro, o mais recente serviçal dos patrões, abertamente contra a luta dos/as trabalhadores/as. O segundo, um já conhecido serviçal dos patrões, que diz defender os/as trabalhadores/as – pura enganação! As duas forças políticas apresentam, em vários pontos, riscos diferentes à massa trabalhadora e sua causa. Mas, fundamentalmente, representam duas faces da ofensiva patronal que ocorre no país.
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Trazemos agora, como contribuição teórica à análise da participação dos comunistas na questão eleitoral, um texto que já publicamos há dois anos, a partir do blog A Luta Contínua. O mesmo documento foi recentemente publicado, agora completo, com sua última seção sobre a tática revolucionária, no site Bandeira Vermelha. Trata-se das Teses Sobre a Questão Parlamentar, redigidas por Lenin e Bukhárin e aprovadas no 2º Congresso da Internacional Comunista (IC), em julho de 1920.
Esse documento da IC é inteiramente consistente com o livro de Lênin, Esquerdismo: Doença Infantil do Comunismo, escrito em abril e maio de 1920, publicado em russo em junho daquele ano, em francês e inglês em julho, e distribuído a todos os participantes do Congresso.
A atualidade dessas Teses impressiona!
Compreendendo a relação entre o imperialismo, fase apodrecida do capitalismo, e a democracia burguesa, há mais de 100 anos a IC já afirmava a falência do parlamento burguês para garantir as transformações que interessavam aos/às trabalhadores/as:
“Nas condições atuais, caracterizadas pelo desenvolvimento do imperialismo, o Parlamento tornou-se instrumento de mentira, de fraude, de violência, de destruição, de atos criminosos, obra do imperialismo, e as reformas parlamentares desprovidas de coerência e estabilidade e concebidas sem planos de conjunto perderam toda a importância prática para as massas trabalhadoras”.
O Congresso da IC indicava aos Partidos Comunistas de todo o mundo que os parlamentos burgueses não poderiam ser, em caso algum, o espaço central de atuação dos/as revolucionários/as:
“Para os comunistas o Parlamento não pode ser, em caso nenhum, e na hora atual, o teatro das lutas por reformas e pelo melhoramento da situação da classe operária, como [outrora]. [O centro de gravidade da] política atual saiu, completa e definitivamente, do Parlamento”.
Além disso apontava com clareza qual deveria ser a tarefa dos/as revolucionários/as em relação aos aparelhos de estado burgueses. Na conjuntura de 1920, de consolidação do poder soviético, vencedor da guerra civil e da invasão das potências imperialistas, de reforço da IC e de perspectivas de novos levantes revolucionários, essa tarefa aparecia como “dever histórico imediato”. Na conjuntura atual, de maré baixa para a ação comunista, a posição de princípios, estratégica, continua a mesma, devendo os/as comunistas agir de forma imediata, tática, para assim começarmos a construir as condições para alcançar esse objetivo:
“o dever histórico [imediato] da classe operária é o de arrancar estes aparelhos às classes dirigentes, de os partir, de os destruir e de os substituir pelos novos órgãos do poder proletário”.
A conclusão justa da análise concreta da situação concreta do Brasil atual é que o fato de estarmos em uma defensiva na luta de classes não justifica apoiar nossos inimigos de classe. Não justifica estarmos subordinados a eles e a suas posições e organizações reformistas e oportunistas. Não justifica defendermos a posição pequeno-burguesa em prol do “estado democrático de direito”, das “instituições democráticas burguesas”, do “sistema jurídico burguês”, em suma, de todo o aparelho político e jurídico das classes dominantes, como tem sido o discurso e a prática da absoluta maioria dos grupos pretensamente de “esquerda”. A prática da burguesia e das camadas médias com esse aparelho estatal capitalista é uma. A do proletariado e das classes dominadas é outra, diametralmente oposta, antagônica.
A crise em que vivemos e a ofensiva burguesa em todas as frentes (econômica, política e ideológica), com o crescimento da extrema-direita, do fascismo, não é justificativa para rebaixarmos nossa disposição de luta e nos colocarmos a reboque de uma ou outra posição burguesa. Pelo contrário. Foi exatamente o abandono de nossa posição de classe, foram as ilusões com nossos inimigos de classe, que nos levaram à atual situação de desorganização e fraqueza no combate, de crise em nosso campo. Como afirmava Lênin no “Esquerdismo”:
“Toda a questão consiste em saber aplicar essa tática para elevar, e não para rebaixar, o nível geral de consciência, de espírito revolucionário e de capacidade de luta e de vitória do proletariado”.
Se quisermos combater de fato o processo atual de fascistização e de avanço da crise econômica e da ofensiva burguesa, que tendem a continuar independentemente das eleições, não há outro caminho. Serão nas lutas, nas greves e nos protestos e ações por melhores condições de vida, resistindo aos ataques dos patrões e do estado, que enfrentaremos o fascismo juntamente com a ofensiva burguesa (da qual ele faz parte). Exatamente como afirma o item 9º das Teses:
“O método fundamental da luta do proletariado contra a burguesia, ou seja, contra o seu poder governamental, é, antes de mais, o das ações de massas”.
Apenas assim – partindo do marxismo-leninismo, dos princípios comunistas, desenvolvendo um trabalho cotidiano junto à classe operária e às massas, participando e estimulando suas lutas concretas – é que conseguiremos transformar esse duro momento em uma oportunidade de nos reconstruirmos enquanto força autônoma na luta de classes e avançar para o caminho revolucionário, a única solução para sair dessa vida de exploração e miséria.
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Teses Sobre a Questão Parlamentar
Internacional Comunista
Julho de 1920
I – A Nova Época e o Novo Parlamentarismo
A atitude dos partidos socialistas em relação ao parlamentarismo, de início, na época da I Internacional, consistia em utilizar o Parlamentos burguês para a agitação. Encarava-se a participação na ação parlamentar do ponto de vista do desenvolvimento da consciência de classe, quer dizer, do despertar da hostilidade das classes proletárias contra as classes dirigentes. Esta atitude modificou-se, não por influência de uma teoria, mas por influência do progresso político, em consequência do aumento incessante das forças produtivas e do alargamento do domínio da exploração capitalista, o capitalismo e, com ele, os Estados parlamentares adquiriram uma estabilidade duradoura.
Daí provém a adaptação da tática parlamentar dos partidos socialistas à ação legislativa “orgânica” dos Parlamentos burgueses e a importância sempre crescente da luta pela introdução de reformas no quadro do capitalismo, o predomínio do programa mínimo dos partidos socialistas, a transformação do programa máximo numa plataforma destinada às discussões sobre “um objetivo final”, longínquo. Sobre esta base desenvolveram-se o arrivismo parlamentar, a corrupção, a traição aberta ou camuflada aos interesses primordiais da classe operária.
A atitude da III Internacional em relação ao parlamentarismo não é determinada por uma nova doutrina, mas pela modificação do próprio do papel do parlamentarismo. Na época precedente, o Parlamento, instrumento do capitalismo em vias de desenvolvimento, trabalhou, de certo modo, em favor do progresso histórico. Nas condições atuais, caracterizadas pelo desenvolvimento do imperialismo, o Parlamento tornou-se instrumento de mentira, de fraude, de violência, de destruição, de atos criminosos, obra do imperialismo, e as reformas parlamentares desprovidas de coerência e estabilidade e concebidas sem planos de conjunto perderam toda a importância prática para as massas trabalhadoras.
O parlamentarismo, como aliás toda a sociedade burguesa, perdeu toda a sua estabilidade. A transição do período orgânico ao período crítico cria uma nova base à tática proletária no campo parlamentar. Foi assim que o partido operário russo (Partido Bolchevique) determinou já as bases do parlamentarismo revolucionário na época anterior, depois da Rússia ter, em 1905, perdido todo o seu equilíbrio político-social e entrado, desde então, num período de tormentas e convulsões.
Quando os socialistas, aspirando ao comunismo, sublinham que a hora da revolução ainda não chegou no seu país e se recusam a separar-se dos oportunistas parlamentares, procedem no fundo considerando, conscientemente ou inconscientemente o período que se abre como um período de relativa estabilidade da sociedade imperialista e pensam, por essa razão, que uma colaboração com os Turati1 e os Longuet2 pode dar resultados práticos na luta pelas reformas.
O comunismo deve tomar por ponto de partida o estudo teórico da nossa época (apogeu do capitalismo, tendendo o imperialismo à sua própria destruição e agravamento contínua das guerras civis, etc.). As formas das relações políticas e de organização podem diferir de país para país, mas o fundo das coisas permanece o mesmo em toda a parte: para nós, trata-se da preparação imediata, política e técnica, do levantamento proletário que destruirá o poder burguês e estabelecerá o novo poder proletário.
Para os comunistas o Parlamento não pode ser, em caso nenhum, e na hora atual, o teatro das lutas por reformas e pelo melhoramento da situação da classe operária, como [outrora]. [O centro de gravidade da] política atual saiu, completa e definitivamente, do Parlamento. Por outro lado, a burguesia é obrigada, pelas suas relações com as massas trabalhadoras e também pelas relações bastante complexas existentes no seu seio das próprias classes burguesas, a fazer aprovar algumas das suas ações pelo Parlamento, onde os “grupos económicos” disputam o poder, manifestam as suas forças e as suas fraquezas, se comprometem, etc.
Por isso, o dever histórico [imediato] da classe operária é o de arrancar estes aparelhos às classes dirigentes, de os partir, de os destruir e de os substituir pelos novos órgãos do poder proletário. O Estado-Maior revolucionário da classe operária está, de resto, profundamente interessado em ter nas instituições parlamentares da burguesia pontas de lança que facilitem a sua destruição. A partir deste ponto de vista vê-se claramente a diferença essencial entre a tática dos comunistas que vão ao Parlamento com fins revolucionários e a do parlamentarismo socialista que começa por reconhecer a estabilidade relativa, a duração indefinida do regime. O parlamentarismo socialista tem por missão obter reformas a todo o custo; ele está interessado em que cada conquista seja vista pelas massas como um triunfo do parlamentarismo socialista (Turati, Longuet e Cia).
O velho parlamentarismo de adaptação foi substituído por um parlamentarismo novo, que é um dos meios de destruir o parlamentarismo em geral.
Mas as antigas e lastimáveis tradições da velha tática parlamentar aproximam certos elementos revolucionários dos antiparlamentaristas por princípio (os IWW3, os sindicatos revolucionários, o Partido Operário Comunista da Alemanha, etc.).
Considerando esta situação, o II Congresso da Internacional Comunista apresenta as seguintes conclusões:
II – O Comunismo, a Luta pela Ditadura do Proletariado e “pela Utilização” do Parlamento Burguês
I
1º – O governo parlamentar tornou-se a forma “democrática” de dominação da burguesia, à qual é necessária em certo momento do seu desenvolvimento, uma falsa representação popular que exprimisse em aparência a “vontade do povo” e não a das classes, mas constituindo na realidade, nas mãos do Capital reinante, um instrumento de coação e de repressão;
2º – O parlamentarismo é uma forma determinada de Estado. Portanto, não convém de modo nenhum à sociedade comunista, que não conhece classes, nem luta de classes, nem qualquer espécie de poder governamental;
3º – o parlamentarismo também não pode de maneira nenhuma ser a forma de governo “proletário” no período de transição entre a ditadura da burguesia e a ditadura do proletariado. No momento mais grave da luta de classes, quando esta se transforma em guerra civil, o proletariado deve construir inevitavelmente a sua forma própria de organização governamental, considerada como uma organização de combate na qual os representantes das antigas das classes dominantes não serão admitidos; toda a ficção de vontade popular é, no decurso desta fase, prejudicial ao proletariado; este não tem necessidade da separação parlamentar dos poderes, que só lhe poderia ser nefasta; a República Soviética é a forma da ditadura do proletariado;
4º – Os Parlamentos burgueses, constituindo um dos principais aparelhos da máquina governamental da burguesia, não podem, como não o pode o Estado burguês, ser pura e simplesmente conquistados pelo proletariado. A tarefa do proletariado consiste em fazer saltar a máquina governamental da burguesia, destruí-la, bem como as instituições parlamentares, sejam elas das repúblicas ou das monarquias constitucionais;
5º – O mesmo se passa com as instituições municipais ou comunais da burguesia, as quais é teoricamente falso apresentar como opostas aos órgãos governamentais. Na realidade, elas fazem parte, também, do mecanismo governamental da burguesia: elas devem ser destruídas pelo proletariado revolucionário e substituídas pelos Sovietes de deputados operários;
6º – O comunismo recusa-se, pois, a ver no parlamentarismo uma das formas da sociedade futura; ele recusa-se a ver no parlamentarismo a ditadura de classe do proletariado; ele nega a possibilidade da conquista durável dos parlamentos; ele propõe como meta a abolição do parlamentarismo. A partir daqui não se pode pôr a questão da utilização das instituições governamentais burguesas senão na perspectiva da sua destruição. É neste sentido, e unicamente neste sentido, que a questão pode ser posta.
II
7º – Toda a luta de classes é uma luta política, já que ela é, no fim de contas, uma luta pelo poder. Toda a greve, estendida a um país inteiro, torna-se uma ameaça para o Estado burguês e adquire, por isso mesmo, um caráter político. Esforçar-se por derrubar a burguesia e destruir o Estado burguês é manter uma luta política. Criar um aparelho proletário de governo e coerção de classe contra a burguesia refratária, é, seja qual for esse aparelho, é conquistar o poder político;
8º – A luta política não se reduz, portanto, apenas a uma simples questão de atitude em relação ao parlamentarismo. Ela abrange toda a luta de classes do proletariado a partir do momento em que essa luta deixa de ser local e parcial e tende ao derrubamento do regime capitalista em geral;
9º – O método fundamental da luta do proletariado contra a burguesia, ou seja, contra o seu poder governamental, é, antes de mais, o das ações de massas. Estas são organizadas e dirigidas pelas organizações de massa do proletariado (sindicatos, partidos, sovietes) sob a direção geral do Partido Comunista, solidamente unido, disciplinado e centralizado. A guerra civil é uma guerra. Nesta guerra o proletariado deve dispor de ter bons quadros políticos e um estado-maior político que dirija todas as operações, em todos os domínios da luta;
10º – A luta das massas constitui todo um sistema de ações em vias de desenvolvimento, que se agudizam pela sua própria forma e que levam, logicamente, à insurreição contra o Estado capitalista. Nesta luta de massas, levada a transformar-se em guerra civil, o partido dirigente do proletariado deve, regra geral, fortificar todas as suas posições legais, e fazer dessas posições pontos de apoio secundários da sua ação revolucionária, além de as subordinar ao plano principal de campanha, ou seja, a luta de massas;
11º – A tribuna do Parlamento burguês é um desses pontos de apoio secundários. Não se pode invocar contra a ação parlamentar a qualidade burguesa da própria instituição. O Partido Comunista entra no Parlamento não para se entregar a uma ação orgânica, mas para, do interior, fazer um trabalho de sapa em relação ao Parlamento e à máquina governamental (exemplos: a ação de Liebknecht na Alemanha, a dos bolcheviques na Duma czarista, na “Conferência Democrática” e no “Pré-Parlamento” de Kerensky, bem como na Assembleia Constituinte e nos municípios, e por fim, a ação dos comunistas búlgaros);
12º – Esta ação parlamentar, que consiste sobretudo em utilizar a tribuna parlamentar com fins de agitação revolucionária, em denunciar as manobras do adversário, em agrupar em torno de certas ideias as massas que, sobretudo nos países atrasados, consideram a tribuna parlamentar com grandes ilusões democráticas, deve ser totalmente subordinada aos fins e às tarefas da luta extraparlamentar das massas;
A participação nas campanhas eleitorais e a propaganda revolucionária do alto da Tribuna parlamentar tem uma significação particular para a conquista política dos setores da classe operária que, como as massas trabalhadoras rurais, ficaram até ao momento afastadas do movimento revolucionário e da política;
13º – Os Comunistas, no caso de obterem a maioria nos municípios devem
a) Formar uma oposição revolucionária em relação ao poder central da burguesia;
b) Esforçar-se por todos os meios por prestar serviços à parte mais pobre da população (medidas económicas, criação ou tentativa da criação de uma milícia operária armada, etc. …);
c) Revelar em todas as ocasiões os obstáculos levantados pelo Estado burguês contra todas as reformas radicais;
d) Desenvolver nesta base uma propaganda revolucionária enérgica, sem temer o conflito com o poder burguês;
e) Substituir, em certas circunstâncias, os poderes municipais burgueses por sovietes de deputados operários. Toda a ação dos comunistas nos municípios deve, portanto, integrar-se na obra geral de desagregação do sistema capitalista;
14º – A campanha eleitoral deve ser conduzida, não no sentido da obtenção do máximo de mandatos parlamentares, mas sim da mobilização das massas sob as palavras de ordem da revolução proletária. A luta eleitoral deve abranger não só os dirigentes do Partido, como todo o conjunto dos seus militantes. Todo o movimento de massas deve ser utilizado (greves, manifestações, efervescência no exército e na armada, etc.); deve ser estabelecida uma estreita ligação com qualquer movimento do género; a atividade das organizações proletárias de massa será necessariamente estimulada;
15º – Sendo observadas estas condições e as que são indicadas numa instrução especial, a ação parlamentar encontra-se em completa oposição com a repugnante politiquice dos partidos socialistas de todos os países, cujos deputados vão ao Parlamento para apoiar esta instituição “democrática” e, na melhor das hipóteses, para o “conquistar”. O Partido Comunista só pode admitir a utilização exclusivamente revolucionária do parlamentarismo, como o fizeram Karl Liebknecht, Hoeglund e os bolcheviques russos.
III – No Parlamento
16º – O “antiparlamentaríssimo” de princípio, concebido como recusa absoluta e categórica de participação nas eleições e na ação parlamentar revolucionária, não é, portanto, mais do que uma doutrina infantil e ingênua, que não resiste à crítica e que resulta por vezes de uma sã aversão aos políticos parlamentaristas, mas que não se apercebe da possibilidade de existência de um parlamentarismo revolucionário. Para mais, acontece que esta opinião se baseia numa noção completamente errada do papel do Partido, considerado não como vanguarda operária centralizada e organizada para o combate, mas como um sistema descentralizado de grupos mal ligados entre si;
17º – Por outro lado, a necessidade de uma participação efetiva em eleições e em assembleias parlamentares não provém do reconhecimento, em princípio, da ação revolucionária no Parlamento. Aqui tudo depende de uma série de condições específicas. A saída dos comunistas do Parlamento pode tornar-se necessária em certos momentos. Foi o que aconteceu quando os bolcheviques se retiraram do Pré-Parlamento de Kerensky, a fim de o torpedear, de o tornar impotente e de lhe opor mais nitidamente o Soviete de Petrogrado nas vésperas de este se colocar à cabeça da insurreição; foi o que aconteceu quando os bolcheviques remeteram para o III Congresso dos Sovietes o centro de gravidade dos acontecimentos políticos, dada a sua gravidade.
Noutras circunstâncias poder impor-se o boicote das eleições ou o aniquilamento imediato e pela força do Estado burguês e de toda a corja burguesa; ou ainda a participação nas eleições coincidindo com o boicote ao Parlamento, etc. …
18º – Reconhecendo assim, regra geral, a necessidade de participar nas eleições parlamentares e municipais, e de trabalhar nos Parlamentos e municípios, o Partido Comunista deve resolver a questão segundo cada caso concreto, inspirando-se nas particularidades específicas da situação. O boicote das eleições e do Parlamento, do mesmo modo que a saída do Parlamento, são sobretudo admissíveis em presença de condições que permitam a passagem imediata à luta armada pela conquista do poder.
19º – É indispensável que se tenha constantemente presente o caráter relativamente secundário desta questão. O centro de gravidade encontra-se na luta extraparlamentar pelo poder político, e é obvio que a questão geral da ditadura do proletariado e da luta de massas por essa ditadura não se pode comparar em importância com a questão particular da utilização do parlamentarismo;
20º – É por isso que a Internacional Comunista afirma, da forma mais categórica, que considera como um grave erro em relação ao movimento operário toda a cisão ou tentativa de cisão provocada no seio do Partido Comunista por esta questão e unicamente por esta questão. O Congresso convida todos os partidários da luta de massas pela ditadura do proletariado, sob a direção de um Partido centralizado sobre todas as organizações da classe operária, a realizar a unidade completa dos elementos comunistas, a despeito das possíveis divergências de pontos de vista quanto à utilização dos Parlamentos burgueses.
III – A Tática Revolucionária
As medidas seguintes impõem-se a fim de garantir a aplicação objetiva de uma táctica revolucionária no Parlamento:
1º – O Partido Comunista, no seu todo, e o seu Comité Central devem assegurar-se, desde o período preparatório que precede as eleições, da sinceridade e do valor comunista dos membros do grupo parlamentar; eles têm o direito indiscutível de recusar todo o candidato designado por uma organização desde que não tenha a certeza de que esse candidato fará uma política verdadeiramente comunista.
Os Partidos Comunistas devem renunciar ao velho hábito da socialdemocracia, de fazer eleger exclusivamente parlamentares “experimentados” e, sobretudo, advogados. Em regra, os candidatos serão destacados de entre os operários; não se deve recear designar simples membros do Partido sem grande experiência parlamentar.
Os Partidos Comunistas devem recusar com um desprezo implacável os arrivistas, que vêm até eles com o único objetivo de entrarem no Parlamento. Os Comités Centrais só devem aprovar as candidaturas de homens que durante longos anos tenham dado provas indiscutíveis da sua fidelidade à classe operária.
2º – Uma vez terminadas as eleições, pertence exclusivamente ao Comité Central do Partido Comunista organizar o grupo parlamentar, quer o Partido seja legal ou ilegal nesse momento. A escolha do presidente e dos membros do “bureau” do grupo parlamentar deve ser aprovado pelo Comité Central. O Comité Central do Partido terá no grupo parlamentar um representante que gozará do direito de veto.
Sobre todas as questões políticas importantes o grupo parlamentar deve pedir as diretivas ao Comité Central.
O Comité Central tem o direito e o dever de designar ou de recusar os oradores do grupo chamados a intervir sobre questões importantes e de exigir que as teses ou o texto completo dos seus discursos, etc., sejam submetidos à sua aprovação. Todo o candidato da lista comunista deve assinar o seu compromisso de resignar ao seu mandato, à primeira ordem do Comité Central, a fim de que o Partido disponha sempre da possibilidade de o substituir.
3º – Nos países onde os reformistas e semi-reformistas, ou seja, simples arrivistas, tenham já conseguido infiltrar-se no grupo parlamentar comunista (é já o caso em vários países), os Comités Centrais dos Partidos Comunistas têm o dever de proceder a uma depuração radical desses grupos, inspirando-se no princípio de que um grupo parlamentar pouco numeroso, mas verdadeiramente comunista, serve muito melhor os interesses da classe operária de que um grupo numeroso de comunistas indecisos.
4º – Todo o deputado comunista tem o dever de, por decisão do Comité Central, unir o trabalho ilegal com o trabalho legal. Nos países onde os deputados comunistas beneficiam ainda, em virtude das leis burguesas, de uma certa imunidade parlamentar, essa imunidade deve servir à organização e à propaganda ilegal do Partido.
5º – Os deputados comunistas têm o dever de subordinar toda a sua atividade parlamentar à ação extraparlamentar do Partido. A apresentação regular de projetos de lei puramente demonstrativos, concebidos não com vista à sua adopção pela maioria burguesa, mas para efeitos de propaganda, agitação e organização, deve ter lugar segundo as diretivas do Partido e do seu Comité Central.
6º – O deputado comunista tem o dever de se colocar à cabeça das massas proletárias, na primeira fila, bem à vista, nas manifestações e ações revolucionárias.
7º – Os deputados comunistas têm o dever de manter por todos os meios (sob o controle do Partido) relações por escrito, e outras, com os operários, camponeses e os trabalhadores revolucionários de todas as categorias, sem imitar em nenhuma circunstância, os deputados socialistas, que se esforçam por manter com os seus eleitores relações do tipo comercial.
Eles estão a todo o momento à disposição das organizações comunistas para o trabalho de propaganda no país.
8º – Todo o deputado comunista no Parlamento deve lembrar-se de que ele não é um “legislador” procurando uma linguagem comum com outros legisladores, mas sim um agitador do Partido enviado para o seio do inimigo para aplicar as decisões do Partido. O deputado comunista é responsável não perante a massa anónima dos eleitores, mas sim perante o Partido Comunista, seja ele legal ou clandestino.
9º – Os deputados comunistas devem manter no Parlamento uma linguagem acessível ao operário, ao camponês, à lavadeira, ao servente de pedreiro, de maneira que o Partido possa editar os seus discursos em panfletos e os espalhar por todo o país, mesmo nas regiões mais afastadas.
10º – Os operários comunistas do grupo parlamentar, mesmo que sejam novatos no Parlamento, devem abordar sem medo a tribuna dos Parlamentos burgueses e não ceder o seu lugar a oradores mais “experientes”. Em caso de necessidade, os deputados operários limitar-se-ão a ler os seus discursos, destinados a ser reproduzidos pela imprensa e em panfletos.
11º – Os deputados comunistas têm por dever utilizar a tribuna parlamentar não só para desmascarar a burguesia e os seus lacaios oficiais, mas também os social-patriotas, os reformistas, os políticos equívocos do centro e, de uma maneira geral, os adversários do comunismo, e ainda para propagar largamente as ideias da III Internacional.
12º – Os deputados comunistas, nem que sejam só um ou dois, devem pela sua atitude lançar constantes desafios ao capitalismo, e não esquecer que só aquele que o faz é verdadeiramente digno do nome de comunista, que se revela não nas palavras, mas nos atos, o inimigo da sociedade burguesa e dos seus lacaios social-patriotas.