CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Cem Flores, Conjuntura, Destaque, Nacional

1 ano de governo Lula-Alckmin: consolidação da ofensiva burguesa. Intervenção do Cem Flores na TV A Comuna.

Cem Flores

29.12.2023

No dia 21 de dezembro, o Coletivo Cem Flores participou da live sobre a avaliação do primeiro ano de governo Lula-Alckmin, no canal TV A Comuna. Convidamos os/as camaradas e leitores/as a assistirem os programas e acompanharem o canal desses companheiros, que realizam um importante trabalho de divulgação do debate revolucionário no país hoje.

Em nossa intervenção, defendemos uma tese central: o governo Lula-Alckmin está consolidando a ofensiva burguesa em curso no país nos últimos anos, além de avançar em vários pontos nessa ofensiva da classe dominante contra as massas trabalhadoras. Esse governo burguês, que tem se aliado com alas radiais da direita, inclusive com políticos abertamente bolsonaristas, mantém os recentes avanços da burguesia na luta de classes (as várias “reformas”, as privatizações etc.). Como se isso não bastasse, essa consolidação é acompanhada por novos avanços do programa hegemônico da burguesia, como a aprovação dos “ajustes” que entendem necessários (novo Teto de Gastos de Lula), novas “reformas” (tributária) e privatizações (concessões no setor elétrico, petróleo, presídios, florestas etc.).

Em nossa página temos publicado artigos de análise desse 1º ano do governo, que foram a base da intervenção de nosso camarada:

O Caráter de Classe Burguês do Governo Lula-Alckmin, de 17.10.2023.

A Composição Burguesa do Governo Burguês de Lula-Alckmin, de 09.11.2023.

Se tal governo serve à manutenção da ofensiva de classe burguesa e nem mesmo representa um enfrentamento real às forças fascistas e golpistas do país, cabe àqueles que estão do lado proletariado da luta de classes não ter nenhuma ilusão com a gestão de Lula-Alckmin e o campo político que o apoia. A posição comunista, revolucionária, é continuar na resistência concreta contra mais esses representantes dos patrões. Na retomada da luta e da organização independentes das massas exploradas nos locais de trabalho e moradia, nas greves e protestos, resistir à ofensiva burguesa e combater as forças de extrema-direita, fascistas. Somente nessa luta, não se iludindo ou se subordinando aos nossos inimigos de classe e aos limites de seus instrumentos institucionais, daremos um basta na piora contínua em nossas condições de vida e acumularemos forças para dar passos em direção à Revolução.

A seguir, publicamos o roteiro do texto que baseou nossa intervenção principal no programa da TV A Comuna.

*          *          *

1 ano de governo Lula-Alckmin: consolidação da ofensiva burguesa

O governo Lula-Alckmin ocorre no contexto de uma longa crise do imperialismo, na qual o sistema imperialista mundial se encontra em estado depressivo. Esse estado depressivo do sistema imperialista impulsiona as burguesias do conjunto dos países, principalmente dos países dominantes, a dois movimentos, principalmente. Um de disputa entre os blocos imperialistas, como os conflitos da guerra na Ucrânia e em torno de Taiwan. E o outro movimento é o de ofensiva sobre os países dominados, sobre a classe operária e as massas trabalhadoras, principalmente, no sentido de tentar garantir as taxas de lucro e ampliar a extração de valor.

Nesse quadro, o governo Lula-Alckmin busca apresentar ao capital formas de garantir a manutenção das taxas de lucro no Brasil. Como todo governo burguês, ele precisa manter a dominação de classe da burguesia (com ideologia e também com repressão), conter a luta das classes dominadas e garantir sua exploração e os altos lucros do capital. No fundamental, como já anunciávamos no período eleitoral, esse governo tem uma tarefa central, que é consolidar a ofensiva burguesa em curso no país, sobretudo depois da crise de 2014-16. A frente montada por Lula-Alckmin se mostrou, desde as eleições, como uma alternativa para o capital, em concorrência com o bolsonarismo, buscando melhores condições políticas para essa consolidação.

Após um ano de governo, identifica-se mais claramente que não só esse governo agiu no sentido de consolidar os interesses burgueses nesse período de crise, como ele deu passos a mais no sentido de avançar nessa ofensiva burguesa. Esse governo garantiu o avanço burguês dos governos anteriores (principalmente Temer e Bolsonaro), com suas “reformas” trabalhista e da previdência, as privatizações e inúmeras outras medidas contra as massas trabalhadoras, mas também tem dado passos além no sentido de garantir cada vez mais os interesses do capital. Tudo isso com uma forma política distinta: o petismo possui diversos instrumentos políticos de cooptação e de paralisação dos movimentos de contestação das classes dominadas.

Eis então os eixos centrais do governo Lula-Alckmin: manter a dominação de classe, em quadro de ofensiva burguesa, e para isso, conter, cooptar, paralisar, confundir a resistência proletária, a resistência dos/as trabalhadores/as.

Por isso é fundamental a necessidade de caracterizar esse governo claramente como um governo burguês. Porque, se principalmente os/as comunistas, a esquerda revolucionária, identificam objetivamente essa característica, isso nos possibilita entender na linha de massas, nas lutas atuais, que este não é um governo a ser “disputado” (sic!), é um governo a ser combatido, como um governo do inimigo de classe, que mantém a sua ofensiva contra nós.

A política econômica do governo traz vários elementos que comprovam esse caráter burguês e de consolidação da recente ofensiva sobre as classes trabalhadoras do país. Elementos concretos, da prática real do governo, e não seus discursos para iludir as massas trabalhadoras.

1. Novo Teto de Gastos de Lula

  • Foi a principal proposta de Haddad (PT) e sua principal “conquista” neste ano junto ao congresso nacional, já tornada lei por Lula. Substitui o desacreditado Teto de Gastos de Temer por um novo Teto de Gastos de Lula.
  • Essa medida consolida/reforça o tripé de política econômica adotado desde o segundo governo FHC: juros altos, câmbio flutuante e superávit primário.
  • Diversos estudos mostram que o novo Teto de Gastos de Lula não deve ser tão diferente assim do de Temer. Em tese, a diferença pode ficar em 2,5%, no máximo. O Teto de Temer previa reajuste apenas pela inflação e o de Lula prevê que o aumento real da despesa pública deve ficar entre 0,6% e 2,5%.
  • Os juros pagos sobre a dívida pública seguem de fora do Teto de Gastos (seja o do Temer, seja o de Lula) e sem nenhuma regra.
  • As maiores probabilidades são que esse novo Teto de Gastos de Lula não seja cumprido, assim como o de Temer não foi. Permanecem as fortes restrições aos gastos públicos com a massa trabalhadora, inclusive com previsão de contingenciamentos e cortes orçamentários.
  • Para 2024, a LDO recém aprovada prevê um fortíssimo ajuste fiscal para atingir a meta de déficit zero e parece indicar, por exemplo, aumento real zero do Bolsa Família e aumento salarial nominal zero do funcionalismo público federal.
  • O Teto de Gastos de Lula foi aprovado com amplo apoio do congresso e com o apoio dos formuladores de política econômica da burguesia.
  • Por causa desse novo Teto de Gastos, houve uma discussão sobre a meta fiscal para 2024. Haddad defendeu déficit zero e Lula e a presidente do PT deram declarações a favor de déficit maior. O mercado financeiro defendeu o déficit zero e Lula voltou atrás e não alterou a proposta do governo, já devidamente sacramentada em lei pelo congresso.

2. Reforma Tributária

  • A proposta econômica número dois do governo Lula-Alckmin foi aprovar uma “reforma” tributária “neutra” (sem aumento da carga tributária) e “mais eficiente” (economizando custos e aumentando os lucros do capital).
  • Essa “reforma” tributária foi proposta pelo líder do MDB em 2019, portanto durante o governo Bolsonaro, e contou com o apoio quase unânime dos formuladores do programa hegemônico da burguesia e das frações de classe burguesas.
  • O principal objetivo da reforma é reduzir os custos indiretos do capital, logo aumentar as suas taxas de lucros, não obstante tenha período de transição de mais de uma década.
  • A versão final aprovada – com mais de 370 votos na câmara dos deputados, com os votos conjuntos do centrão e da “esquerda” – beneficiou ainda mais os maiores lobbies burgueses, que tiveram redução de impostos, como o agronegócio e o mercado financeiro.

3. Privatizações

  • Em primeiro lugar, o governo “esqueceu” das privatizações e das concessões feitas durante o governo Bolsonaro (privatizações de empresas do grupo Petrobras e da Eletrobras, inúmeros leilões de concessões), não mexendo um dedo para revertê-las. Ou seja, o governo Lula consolidou os “avanços” da ofensiva burguesa também nesse campo.
  • Mantém-se e se consolida todo o arcabouço legal e institucional do Estado voltado para as privatizações, incluindo o PPI (Programa de Parcerias e Investimento, criado por Temer). O PPI é hoje dirigido por indicados de Rui Costa (PT), ministro da casa civil, em relação direta com Lula.
  • Segundo o próprio secretário do PPI, em 2023 já foram R$ 44 bilhões movimentados em 19 leilões e 16 contratos assinados. Há ainda a previsão para ocorrerem mais 13 leilões nesse final de ano. Em parcerias com governo locais ou apenas por meio de ministérios, foram privatizados vários aeroportos, rodovias, portos, iluminação pública, além de concessão de florestas para uso turístico e de um presídio. Recentemente aconteceram leilões de blocos exploratórios de petróleo, inclusive na foz do rio Amazonas, e de linhas de transmissão de energia elétrica (na maior parte compradas por uma empresa estatal chinesa). Segundo relato do próprio secretário do PPI: “Vamos bater o recorde de governo com maior número de leilões em 1 ano”!!!
  • O novo PAC inclui dezenas de projetos envolvendo o setor privado. Em outubro, o governo esteve em Nova Iorque apresentando um portfólio de quase R$ 200 bilhões do PAC para “investidores” dos EUA. Se continuar assim, o novo Lula-Alckmin vai concorrer em pé de igualdade com a agenda privatista de Temer e Bolsonaro.
  • Resumindo: sobretudo a infraestrutura nacional e pública e os recursos naturais continuam sendo leiloados, aos bilhões, para uso lucrativo do capital nacional e estrangeiro. Segue-se assim toda a agenda dos organismos internacionais do capital (FMI, Banco Mundial), em articulação inclusive com os governos de extrema-direita, para venda de “ativos”.

4. As “reformas” esquecidas pelo governo burguês de Lula

  • “Reforma” da previdência: feita por Bolsonaro (e por Rui Costa, na Bahia, e por Wellington Dias, no Piauí), e mantida por Lula. Silêncio sepulcral sobre o tema.
  • “Reforma” trabalhista: feita por Temer e mantida por Lula. O tema foi falado nas eleições, nas três versões do “programa” eleitoral, uma mais recuada que a outra. O governo criou diversos grupos de trabalho, cujo foco é retomar o financiamento dos sindicatos e centrais e secundariamente tratar de alguns temas específicos (como os trabalhadores de aplicativo).

5. Outras medidas de política econômica

  • Boa parte das demais medidas de política econômica aprovadas por Haddad no congresso dizem respeito a aumentos de arrecadação, para 2024 ou permanentes, para atingir a meta de déficit zero no ano que vem e de superávits crescentes em 2025 e 2026.
  • Para atingir o déficit zero em 2024, o governo espera aumentar a arrecadação em R$ 168 bilhões no ano que vem. A avaliação quase unânime é que isso será impossível. Como o governo manteve a meta de déficit zero, isso significará ou que o governo voltará atrás, ou que aumentará os contingenciamentos e cortes orçamentários (ou os dois juntos).
  • O governo também reduziu em 2023 o montante dos pisos constitucionais de saúde e educação, mediante um pedido ao TCU, que o aprovou. Para os próximos anos, há declarações do secretário do tesouro para “revisar” esses montantes.
  • O governo também perdeu em diversas medidas no congresso para aumentar arrecadação.

Além da política econômica, a composição do governo também deixa explícito o seu caráter burguês. Além disso, sua incapacidade de combater de fato o bolsonarismo.

  • Nenhum militar ou grande empresário sofreu qualquer punição pela tentativa de golpe no dia 08/01. Gritava-se no início do ano “sem anistia” e no final desse ano temos, além do ministro da defesa apoiado pela direita, anistia total aos militares que apoiaram os atos golpistas, GLO decretada (Lula dizia que “não decretaria nunca”) e manutenção do orçamento inflado aos militares.
  • Centrão e inclusive bolsonaristas possuem vários ministérios. Dos 38 ministérios, 20 estão com o que se autodenomina “esquerda”: 10 do PT (hegemonizados pela direita do partido), 3 com PCdoB, PSOL e REDE (1 ministério cada) e 7 de não filiados; 16 estão com a direita (8 do centrão de Lira e 8 da direita “tradicional”). Os outros 2 ministérios são de Relações Exteriores e GSI. Todos os cargos mais relevantes, sem exceção, são ocupados por essas duas alas. A principal é a ala mais à direita do PT, os responsáveis diretos pela implantação do programa da ofensiva burguesa, seja atualmente no governo federal, seja anteriormente nos governos estaduais. Essa ala hegemoniza a “esquerda governamental” (sic!), ocupante de cadeiras bastante secundárias para a gestão burguesa. A outra ala, digamos complementar, é composta por partidos de direita, bolsonaristas ou não.
  • Nessa “frente ampla” que o governo burguês de Lula-Alckmin supostamente constitui, de acordo com o discurso ideológico da “esquerda” reformista e oportunista, a ala “esquerda” (sic!) do PT, incluindo o PSol e os sem partido, ocupa ministérios com poder de decisão quase nulo, sem orçamento e sem influência governamental significativa. Sua função política principal, central na ação de subordinar as massas trabalhadoras, é a de buscar legitimar e referendar as ações desse governo burguês perante uma base social mais à esquerda, mas que orbita o PT, as organizações sindicais e populares que o PT controla, e outros partidos que também gravitam em torno do PT. Dessa maneira, buscam calar ou limitar a crítica, alimentando a ilusão ideológica de um “governo em disputa”. Mais que isso, tem a função objetiva de buscar paralisar ou sabotar, quando necessário, qualquer mobilização de trabalhadores/as contra o governo e suas medidas pró-capital.

Precisamos, por fim, enxergar claramente que este é um governo inimigo, que este é um governo que atende aos interesses do inimigo de classe e que tenta agir dentro das nossas fileiras, no sentido de nos paralisar, nos cooptar, arrastando a luta para os caminhos institucionais e as ilusões eleitorais.

Já nas eleições, diante das alianças com a direita e do programa burguês da candidatura Lula-Alckmin, vários grupos de esquerda não caíram na chantagem do petismo. Com posições diversas, e ainda muito minoritários no movimento de massa, tais grupos denunciaram as ilusões das eleições burguesas e apontaram a necessidade da reorganização e da luta dos trabalhadores para barrar a atual ofensiva dos patrões e a extrema-direita. Neste ano, houve rachas críticos ao governo no PSOL, partido que aderiu completamente ao governo, aceitando inclusive ministérios, e também um racha à esquerda no PCB. Ocorreram também articulações e manifestações contrárias a medidas do governo, como o novo teto de gastos. Uma dessas articulações é o CEP (Comitê pela Emancipação Proletária), que em nota de outubro denuncia a continuação de ataques do governo Lula-Alckmin e defende que “só a classe trabalhadora auto-organizada, unida, com autonomia política e ideológica, criando seus próprios organismos revolucionários, poderá colocar fim a todas as desigualdades sociais, a todas as misérias que geram sofrimento e morte. Precisamos retomar nossa organização, unificar nossos enfrentamentos nos locais de moradia e de trabalho.”

Em relação às lutas da classe, a situação continua ruim. As greves se encontram em um patamar muito baixo no país. Mas importantes exemplos de greves aconteceram neste ano, como a luta dos terceirizados da Petrobrás em Canoas, na construção do metrô de SP, as greves na educação e as paralisações unificadas contra as privatizações em São Paulo. Participando da solidariedade internacionalista, atos em prol da luta do povo palestino e sua heroica resistência também aconteceram nos últimos meses.

Esse é o caminho a seguir!

Só assim vamos barrar a ofensiva dos patrões, a extrema-direita que permanece viva e voltando às ruas e a queda na qualidade de vida dos últimos anos.

Compartilhe
- 29/12/2023