CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

Conjuntura, Destaque, Imperialismo, Internacional

KKE: Sangue e lágrimas para os povos – Lucros para o capital.

Um ano desde o início da guerra imperialista na Ucrânia

Cem Flores

28.02.2023

Alguns dias antes do início da guerra imperialista na Ucrânia, em nota política denominada A ameaça de guerra na Ucrânia expressa o acirramento das contradições interimperialistas, o Coletivo Cem Flores e o blog comunista Bandeira Vermelha já indicavam que

“Desde o colapso do bloco do leste europeu, na virada das décadas de 1980 e 1990, a Ucrânia se tornou o principal palco da disputa entre União Europeia (UE), EUA e Rússia na disputa por ampliação (EUA e UE) ou manutenção (Rússia) de zonas de influência para seus interesses imperialistas (…). De um lado, (há) as tropas imperialistas russas, ao lado das bielorrussas, com o apoio cada vez mais explícito do imperialismo chinês. De outro, tropas ucranianas (que incorporaram inclusive milícias neonazistas) com apoio da aliança imperialista chefiada pelos EUA, a OTAN, ensaiam exercícios militares cada vez maiores, enquanto as lideranças sobem o tom em suas declarações públicas”.

A nota indicava ainda as causas de fundo, estruturais, desse conflito, que acabou de completar um ano:

“Essa luta interimperialista se acirra diante do contexto de sucessivas crises globais do capital e estagnação econômica, no qual cada potência imperialista busca superar os impactos da crise mantendo ou ampliando sua zona de influência, conquistando novos mercados, fontes de energia, rotas comerciais, seja com alianças estratégicas ou com conflitos mais ou menos abertos, de forma direta ou indireta. Trata-se de uma necessidade objetiva desse modo de produção, em todos os aspectos antagônico às reais necessidades das massas exploradas – em plena pandemia, os senhores do dinheiro investem como nunca em armas e planejam ainda mais mortes!”

Após o início da guerra, em 24/02/2022, nosso site publicou uma série de artigos aprofundando a análise desse conflito militar e seu caráter de expressão da disputa econômica no bojo do aprofundamento das contradições interimperialistas na crise mundial.


Sobre a guerra na ucrânia, leia também as seguintes publicações do Cem Flores:

A Conjuntura Internacional no Começo de 2022, de 25/02/2022.

A Guerra na Ucrânia é uma guerra entre potências imperialistas! A guerra dos comunistas é contra o imperialismo!, de 02/03/2022.

Guerra da Ucrânia: “Os custos serão pagos pelos trabalhadores” – por Coletivo CVM, de 15/04/2022.

A guerra inter-imperialista na Ucrânia e as armadilhas para uma posição proletária, de 19/04/2022.

Guerra na Ucrânia: preparação de conflitos interimperialistas ainda maiores!, de 25/05/2022.

Panorama da conjuntura internacional, por Ana Barradas, de 04/02/2023.

A Conjuntura Internacional no começo de 2023, de 11/02/2023.


No conjunto desses artigos mostramos, por vários aspectos, que essa guerra só pode ser compreendida se entendermos a caraterística central da conjuntura mundial hoje: o aprofundamento das disputas entre os blocos imperialistas no mundo, em contexto de estado depressivo do imperialismo. Nesses artigos também defendemos que a posição comunista diante desse cenário só pode ser uma: frente à crise e à guerra imperialistas, frente a mais uma rodada de barbárie aberta desse sistema, organizar e construir a luta do proletariado a partir de seus verdadeiros interesses e avançar na perspectiva revolucionária. Tal posição se confronta abertamente com organizações e grupos da dita “esquerda” que se colocam a reboque de um ou outro polo imperialista e de seus capitais.

Com a intenção de estimular o conhecimento mais aprofundado do enfrentamento entre as tropas russas (com o apoio econômico e financeiro da China) e ucranianas (com apoio total dos EUA, da OTAN e das principais potências europeias), e combater as posições oportunistas em torno dessa questão, traduzimos e reproduzimos abaixo o texto do Partido Comunista da Grécia (KKE): Sangue e lágrimas para os povos – Lucros para o capital: Um ano desde o início da guerra imperialista na Ucrânia. Retiramos nessa publicação o trecho final em que o KKE trata das ações específicas feitas na Grécia contra a guerra e de seu chamado a votar nas eleições parlamentares contra o massacre na Ucrânia. O artigo completo (em inglês) pode ser acessado aqui.

Criticando e expondo claramente o caráter de guerra imperialista, os camaradas gregos mostram quem ganha com a guerra (o capital russo, os monopólios dos EUA e da UE, os capitalistas da China e de outros países como Turquia, Brasil, Índia, as monarquias do Oriente Médio e a burguesia ucraniana) e quem perde: “os povos, que pagam pelos lucros extras do capital com o sangue de seus filhos ou do próprio bolso, uma vez que a guerra fez disparar os preços e a inflação e corrói a renda das pessoas”. São centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados ou atingidos das classes dominadas na Ucrânia e na Rússia, além dos efeitos econômicos na Europa e em todo o mundo que atingem violentamente as condições de vida dos/as trabalhadores/as.

Mais do que nunca devemos afirmar claramente que não é nosso papel apoiar capitalistas ou imperialistas pretensamente “menos piores” do que o imperialismo norte-americano ou europeu. As disputas entre as potências imperialistas é uma disputa entre nossos inimigos. Não seremos “bucha de canhão” dos interesses de nenhum desses blocos que só querem melhores condições para aprofundar sua exploração contra a classe operária e demais classes trabalhadoras em todo mundo. Nossa guerra é contra o imperialismo e contra as burguesias!

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Sangue e lágrimas para os povos – Lucros para o capital

Um ano desde o início da guerra imperialista na Ucrânia

O KKE segue firme na vanguarda da luta contra a guerra imperialista

Doze dias antes de V. Putin anunciar a “Operação Militar Especial”, como ele chamou a invasão militar russa dos territórios ucranianos, o Rizospastis comentou as declarações do oficial americano Kurt Volker, que afirmou: “a Rússia pode anexar um terço da Ucrânia”, avaliando que a Ucrânia poderia perder o acesso ao Mar de Azov e que uma passagem terrestre poderia ser formada ligando a Federação Russa à Crimeia.

Na época, entre outras coisas, observamos o seguinte: “Não sabemos se as declarações acima do oficial americano indicaram quais seriam as novas fronteiras da Ucrânia, se esta é uma proposta de compromisso entre EUA e Rússia em relação à partição da Ucrânia – exigindo algo em troca – ou apenas um exercício de pressão sobre a liderança atual da Ucrânia. O que sabemos, no entanto, é que, em geral as fronteiras não mudam sem derramamento de sangue e que o papel de nosso país nesses desenvolvimentos é de profunda importância para nosso povo.”[1]

Hoje, um ano após o início do conflito que está devastando os povos da Ucrânia e da Rússia, testemunhamos dezenas de milhares (ou, segundo outras estimativas, centenas de milhares) de pessoas mortas e incapacitadas, bem como a destruição total de dezenas de cidades e vilas. A fronteira entre a Rússia e a Ucrânia de fato mudou durante as batalhas, já que, além da maior parte da região de Donbas (60% de Donetsk e 95% de Lugansk), a Rússia conseguiu controlar Kherson (75%) e Zaporozhye (80%). Todas essas regiões foram incorporadas ao território russo, com base nos decretos presidenciais de Putin e apesar de suas proclamações iniciais de que o objetivo da “operação militar especial” não era conquistar território ucraniano. No total, os territórios ucranianos atualmente sob controle militar russo somam 18% da Ucrânia (em comparação com 27% em março de 2022).

De fato, a “profecia” acima do oficial americano foi cumprida, pois a Rússia bloqueou completamente o acesso da Ucrânia ao Mar de Azov e criou um corredor terrestre de comunicação entre seus territórios e a Crimeia, que anexou desde 2014.

O Vice-Presidente do Conselho de Segurança da Rússia e ex-Presidente Dmitry Medvedev escreveu alegremente em 03/02/2023 que “a economia ucraniana está rapidamente se transformando em uma madeira podre e fedorenta”. Conforme ele descreve, isso ocorre porque a Ucrânia já perdeu mais de 40% de sua capacidade industrial nacional e cerca de 15% de seu PIB pré-guerra e agora não tem acesso a mais de $12 trilhões em matérias-primas, incluindo 63% de seus depósitos de carvão e 42% de seus metais.[2]

Quem ganhou e quem perdeu?

Os representantes do capital russo estão esfregando as mãos pelo fato da Rússia capitalista, sob o disfarce de antifascismo e da ameaça de perseguição a toda voz de oposição dentro do país, ter conquistado e totalmente controlado o Mar de Azov, bem como milhares de quilômetros quadrados de terras férteis, riquezas minerais e infraestrutura industrial que pertenciam à Ucrânia. Além disso, vários milhões de trabalhadores são colocados à disposição dos monopólios russos.

Existem também outras forças esfregando suas mãos:

  • Os EUA, uma vez que os monopólios energéticos norte-americanos, daqui em diante, fornecerão à Europa o gás natural liquefeito mais caro. Os EUA tiveram a oportunidade de uma “reorganização” relativa e um fortalecimento adicional do “ninho de vespas” da OTAN, que enfrentava problemas de coesão no período anterior.
  • A União Europeia (UE), que encontrou outro álibi para promover sua “estratégia de crescimento verde”, com base na qual os monopólios de energia europeus lucram – tanto os envolvidos em “fontes alternativas” (painéis solares, turbinas eólicas, etc.) quanto os típicos – e outras seções do capital, como os proprietários de transportes marítimos gregos, que lucraram durante o ano de guerra.
  • Os capitalistas da China, Índia, Brasil e outros países, que encontraram uma maneira de importar matérias-primas russas, especialmente petróleo, pela metade do preço, e estão lucrando com as diferenças no mercado internacional.
  • As monarquias do Golfo, que aumentaram sua “clientela”, e a burguesia da Turquia, que desempenha o papel de “mediadora” e “plataforma” para interesses e commodities de ambos os lados.
  • Todos os estados capitalistas que possuem uma indústria de guerra desenvolvida (EUA, Rússia, China, França, Alemanha, Turquia, Irã, etc.) que produzem e testam novas máquinas de matar nos campos de batalha, lucrando com o comércio da morte.
  • A burguesia da Ucrânia, que fortaleceu ainda mais seu poder. Por um lado, ela ligou, mais estreitamente, seus interesses aos dos outros países capitalistas poderosos do bloco euro-atlântico e, por outro lado, fomentou um clima de “unidade” dentro do país, incluindo muito anticomunismo, chauvinismo, justificação histórica dos colaboradores nazistas, etc., em nome do “patriotismo”, da defesa da integridade territorial do país e da recaptura de territórios.

É claro que o conflito militar entre as forças da OTAN e a Rússia continua, uma vez que sua duração, os meios utilizados e, em última análise, o resultado militar-econômico, terão uma repercussão direta nos ganhos e perdas de cada lado.

Quem perdeu até agora?

Existem também seções do capital que perderam neste período. No entanto, isso é um desenvolvimento natural no capitalismo, onde há competição intra e transetorial, bem como desenvolvimento desigual, e não é possível todas as seções capitalistas ganharem sob condições de anarquia e competição feroz, que são características típicas da economia capitalista mesmo em tempos de paz.

No entanto, os grandes perdedores nesse ano de guerra imperialista são os povos, que pagam pelos lucros extras do capital com o sangue de seus filhos ou do próprio bolso, uma vez que a guerra fez disparar os preços e a inflação e corrói a renda do povo.

O “velo de ouro”[3] moderno

Desde o primeiro momento, o KKE mostrou ao nosso povo, sem hesitação, as verdadeiras causas da guerra. Como observado na Resolução do Comitê Central do KKE sobre a guerra imperialista na Ucrânia: “O povo da Ucrânia tem pagado o preço pela competição e intervenções sobre a divisão de mercados e esferas de influência entre, por um lado, os EUA, a OTAN e a UE e sua estratégia de ‘expansão euro-atlântica’ e, por outro, a estratégia da Federação Russa capitalista com seus planos de exploração contra os povos, visando fortalecer sua própria coalizão imperialista (União Econômica Euroasiática, Organização do Tratado de Segurança Coletiva) na região da antiga URSS”.[4]

O KKE destacou que “A intervenção militar russa em essência marca o começo formal de uma guerra que vem se formando há tempos. O foco está na divisão da riqueza mineral, energia, terra, força de trabalho, oleodutos, redes de transporte de commodities, baluartes geopolíticos e participações de mercado.

Nosso partido rejeitou os pretextos usados pelos EUA, OTAN, UE, incluindo o governo grego, sobre o “revisionismo”, “democracia”, “liberdade de escolher aliados”, etc., para apoiar o governo reacionário de Zelensky. Foi demonstrado que seus chefes, que fizeram até mesmo certas disposições formais do direito internacional se tornarem letra morta, são os imperialistas da UE-OTAN.

O KKE também rejeitou os pretextos do lado russo, como a invocação do antifascismo, a fim de promover os planos de seus próprios monopólios na região, aproveitando o forte espírito antifascista dos russos e de todos os povos, que pagaram com milhões de mortos pela luta contra a ocupação e as atrocidades da Alemanha nazista. (…) Não esquecemos que a própria Rússia capitalista, que está na linha de frente do anticomunismo hoje, mantém relações amistosas com grupos de extrema-direita em muitos países e que a liderança russa elogia publicamente os ideólogos do fascismo russo”.

Internacionalismo proletário contra o massacre imperialista

O KKE, juntamente com o Partido Comunista do México, o Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha e o Partido Comunista da Turquia, emitiu uma Declaração Conjunta de Partidos Comunistas e Operários, que foi imediatamente publicada (26/02/2022) e até agora recebeu o apoio de 44 Partidos Comunistas e 30 Organizações de Juventudes Comunistas de todo o mundo.

Nessa importante Declaração Conjunta destaca-se que:

  • A dissolução da URSS e a restauração do capitalismo significaram o desmantelamento dos ganhos históricos dos trabalhadores e do povo e trouxeram os povos da URSS de volta à era da exploração de classe e das guerras imperialistas.
  • Os desenvolvimentos na Ucrânia estão ocorrendo no contexto do capitalismo monopolista e estão ligados aos planos dos EUA, OTAN, UE e de sua intervenção na região, no contexto da feroz competição entre esses poderes e a Rússia capitalista pelo controle de mercados, matérias-primas e redes de transporte do país.
  • A ação das forças fascistas e nacionalistas na Ucrânia, o anticomunismo, bem como a retórica contra Lenin, os bolcheviques e a União Soviética a qual a liderança russa está recorrendo, devem ser condenados.
  • Os povos dos dois países (Rússia e Ucrânia), que viviam em paz e prosperaram juntos sob a URSS, como todos os povos, não têm interesse em tomar partido por um imperialista ou outro, por uma aliança ou outra que sirva aos interesses dos monopólios.
  • As ilusões propagadas pelas potências burguesas de que poderia haver uma “melhor arquitetura de segurança” na Europa com a intervenção da UE, uma OTAN “sem planos militares e sistemas de armas ofensivas em seu território”, uma “UE pró-paz” ou um “mundo multipolar pacífico” desapareceram. O capitalismo caminha de mãos dadas com as guerras imperialistas.
  • Faz-se um apelo aos povos dos países cujos governos, especialmente por meio da OTAN e da UE, bem como da Rússia, estão envolvidos nos acontecimentos, para lutarem contra a propaganda das potências burguesas que empurram o povo no “moedor de carne” da guerra imperialista sob vários pretextos falsos. Exige-se o fechamento das bases militares, que as forças militares ao redor do mundo retornem a seus países de origem e a intensificação da luta para libertar os países dos planos e alianças imperialistas como a OTAN e a UE.
  • O interesse da classe trabalhadora e das camadas populares impõe que o critério de classe na análise dos desenvolvimentos seja fortalecido, que seja traçado o caminho independente dos trabalhadores e do povo contra os monopólios e a burguesia, pela derrubada do capitalismo, pelo fortalecimento da luta de classe contra a guerra imperialista, pelo socialismo.

(…)

Eliseos Vagenas

Membro do Comitê Central do KKE,

Chefe da Seção de Relações Internacionais do Comitê Central do KKE

Publicado no “Rizospastis”, órgão do Comitê Central do KKE, em 18-19/02/2023.


[1] Sobre a escalada entre os poderes Euro-Atlântico e Russia, “Rizopastis”, 12/02/2022, http://inter.kke.gr/en/articles/On-the-escalation-between-Euro-Atlantic-powers-and-Russia/

[2] Jornal russo “Kommersant”, 03/02/2023.

[3] Nota do Cem Flores: “velo de ouro”, na mitologia grega, é uma lã de ouro do carneiro alado chamado Crisómalo. É um símbolo de poder e prosperidade.

[4] Resolução do Comitê Central do KKE sobre a guerra imperialista na Ucrânia, 12/03/2022, http://inter.kke.gr/en/articles/RESOLUTION-OF-THE-CENTRAL-COMMITTEE-OF-THE-KKE-ON-THE-IMPERIALIST-WAR-IN-UKRAINE/

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- 28/02/2023