O Reforço da Posição Revolucionária do PCB: o Manifesto de Agosto de 1950
100 Anos do Comunismo no Brasil
Ilustração de publicação do PCB de 1952, em homenagem a Prestes, no 30º aniversário do Partido, com os slogans do Manifesto de Agosto de 1950: paz, libertação nacional e constituição da Frente Democrática de Libertação Nacional (FDLN)
Cem Flores
08.12.2023
Na publicação anterior desta série do Cem Flores sobre os 100 Anos de Comunismo no Brasil, apresentamos e analisamos criticamente o Manifesto de Janeiro de 1948 como o momento da viragem política do PCB em busca da construção de uma política revolucionária, após a decretação da ilegalidade do Partido pela democracia burguesa brasileira em ação conjunta dos seu poderes executivo, legislativo e judiciário. A dura, clara e aberta autocrítica do PCB se voltava contra o reformismo e o oportunismo de sua política anterior de conciliação/subordinação de classes, contra seu legalismo e institucionalismo absolutos; apontava para o caminho da organização da classe operária, do campesinato e das massas trabalhadoras a partir de suas bases, em defesa dos seus interesses próprios e imediatos; e defendia a adoção de métodos de luta cada vez mais altos e vigorosos. Avaliamos, no entanto, essa autocrítica como incompleta, na medida em que manteve a mesma análise mecânica da estrutura da formação econômico-social brasileira (atrasada, semifeudal e semicolonial), a mesma visão estratégica sobre o processo revolucionário (revolução agrária e anti-imperialista, governo popular, democrático e progressista) e a mesma postura em relação à burguesia nacional, vista como em contradição com o imperialismo e, portanto, como compondo as classes revolucionárias naquela “etapa” preconizada pelo PCB.
Leia as publicações do Cem Flores sobre os 100 Anos de Comunismo no Brasil:
– 100 Anos de Comunismo no Brasil, de 25.03.2022.
– 3º Congresso do Partido Comunista do Brasil (PCB), dezembro de 1928 a janeiro de 1929, de 23.04.2022.
– 1ª Conferência Nacional do Partido Comunista do Brasil (PCB), julho de 1934, de 08.05.2022.
– Manifesto da Aliança Nacional Libertadora (ANL), 5 de julho de 1935, de 20.05.2022.
– União Nacional para a Democracia e o Progresso, discurso de Luiz Carlos Prestes, 23 de maio de 1945, de 01.07.2022.
– A Viragem na Linha Política do PCB Após a Cassação: o Manifesto de Janeiro de 1948, de 24.10.2023.
- A conjuntura política mundial em 1949-50
O marco principal da conjuntura mundial e do movimento comunista internacional nesse período foi a vitória da Grande Revolução Chinesa, com a proclamação da República Popular da China por Mao Tsé-Tung em 1º de outubro de 1949. Embora o PCB permanecesse nesses anos inteiramente alinhado com a política da União Soviética, podemos identificar possíveis impactos do processo revolucionário chinês na linha política do Manifesto de Agosto de 1950, tais como o papel do campo e do campesinato e a proposta de criação de um “Exército Popular de Libertação Nacional”.
Detalhe da capa do jornal Voz Operária, editado pelo PCB, de 8 de outubro de 1949, celebrando a Grande Revolução Chinesa. No número seguinte, artigo de Pedro Pomar.
Em junho de 1950 teve início a Guerra da Coreia – importante marco militar do início da “guerra fria”, a ofensiva imperialista em todas as frentes contra os países do chamado “bloco socialista” e o movimento comunista que caracterizou o pós-guerra – que estava como que em preparação desde a ocupação militar do imperialismo dos EUA no sul da península coreana em 1948. Essa guerra se prolongaria por três anos, durante os quais o PCB defendeu a política do movimento comunista internacional por um amplo movimento pela paz e também organizou importantes manifestações de massa contra a participação do Brasil na guerra ao lado das potências imperialistas e contra o envio de soldados para os campos de batalha.
Os anos de 1949-50 também são anos de consolidação da dominação do imperialismo dos EUA sobre o mundo capitalista. Por um lado, pela expansão econômica dos monopólios dos EUA, seja via os bilhões de dólares do Plano Marshall de reconstrução da Europa, seja com os bilhões de dólares das exportações de mercadorias e de capitais. Por outro, ampliava-se o alinhamento dos governos, dos partidos políticos e das classes dominantes dos países capitalistas, em especial na América Latina, aos interesses do imperialismo dos EUA, fortalecendo a reação e a repressão internas. No caso brasileiro, a ofensiva imperialista dos EUA ocorria nos campos econômico, político, ideológico e militar, com pleno apoio do reacionário governo Dutra, do parlamento, das forças armadas e das classes dominantes nacionais.
- A conjuntura política brasileira de aumento da repressão e a atuação do PCB
A partir de 1947, o governo Dutra fez uma série de ataques contra as conquistas democráticas, aumentando a violência e a repressão contra as massas trabalhadoras. Em geral, a historiografia “oficial”, reformista, sobre os/as comunistas enfatiza nesse período a cassação da legenda eleitoral do PCB e a perda de mandato dos seus parlamentares. No entanto, como vimos na publicação anterior, a onda repressiva foi muito mais profunda e generalizada do que isso. Militantes e trabalhadores/as passaram para a clandestinidade e/ou foram presos, jornais foram fechados, centenas de sindicatos ficaram sob intervenção em todo o país, manifestações eram violentamente reprimidas e dezenas de comunistas foram assassinados pela repressão das classes dominantes e do seu governo.
Um caso histórico foi a Chacina de Tupã. Em maio de 1949, trabalhadores/as rurais tentaram realizar, na cidade de Marília, o Congresso de Trabalhadores Rurais da Alta Paulista para a organização de uma União Camponesa. Terminaram proibidos pela polícia e com seu dirigente comunista (Edgard Martins) preso. Nos meses seguintes foram realizadas reuniões clandestinas para levar adiante a tarefa. A de Tupã ocorreu em 25 de setembro. Após denúncia, a polícia cercou a casa de noite. A reunião já havia terminado, mas ainda restavam militantes que deveriam viajar no dia seguinte. A violência policial matou três comunistas: Afonso Marma, operário paulista, Pedro Godoy, marítimo de Santos, e Miguel Rossi, trabalhador rural de Garça. Ainda foram presos a comunista Maria Aparecida Rodrigues e o sapateiro Honório Faria, militante em Marília. Várias mobilizações foram organizadas pela liberdade desses camaradas, o que ocorreu após mais de seis meses de prisão.
Chacina de Tupã, em São Paulo, em setembro de 1949. A falsificação da cena do crime pela polícia paulista é muito similar à da Chacina da Lapa, em 1976, na qual foram assassinados os dirigentes do Comitê Central do PCdoB Pedro Pomar e Ângelo Arroyo.
No 1º de maio de 1950, na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, o ataque policial assassinou quatro comunistas: Angelina Gonçalves, Euclides Pinto, Honório Couto e Osvaldino Correia. Esse crime ficou conhecido como o Massacre do Rio Grande.
Também no Rio Grande do Sul, menos de cinco meses depois, ocorreria outra chacina, na cidade de Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai. A Chacina do Livramento ou a Chacina dos 4 As, ocorreu em 24 de setembro. Operários/as e comunistas da principal fábrica da cidade, o frigorífico Swift Armour, organizavam greves e diversas lutas pelo menos desde 1947, contra as péssimas condições de trabalho, os inúmeros acidentes de trabalho (que incluíam mutilações como perda de dedos e mãos nas máquinas), os baixos salários e a falta de cumprimento das obrigações trabalhistas. Naquele dia, os/as comunistas organizaram uma manifestação e pichações na cidade, reunidos na Praça Internacional, na divisa entre Livramento e Rivera, no Uruguai. A sangrenta repressão policial assassinou Aladin Rossales, Aristides Leite, Abdias da Rocha e Ary Kullman. Foram ainda feridos os militantes Helio Santana, Hugo Nequessanrt e Lucio Soares Neto, salvos pela solidariedade internacionalista de militantes do Partido Comunista do Uruguai.
Nessas condições de clandestinidade e violenta repressão, o PCB perdeu a maioria absoluta de seus/suas filiados/as. As estimativas disponíveis mencionam redução de quase 90%, dos 200 mil filiados, em 1947, para pouco mais de 20 mil militantes, no começo da década de 1950. Mesmo nessas difíceis condições, o Partido organizou importantes lutas de massas. O trabalho entre as mulheres trabalhadoras cresceu significativamente, tendo sido organizada a Federação de Mulheres do Brasil, fundada em congresso em maio de 1949. As manifestações contra a participação do Brasil na guerra da Coreia ao lado do imperialismo e contra o envio de tropas também ocorreram em diversas partes do país no começo dos anos 1950, sob a direção do Partido.
Passeata em Niterói contra a Guerra na Coreia. A costureira Elisa Branco foi presa em 7 de setembro de 1950 ao erguer a faixa “Os soldados nossos filhos não irão para a Coreia” diante do palanque oficial das comemorações do governo Dutra. Condenada por um tribunal militar, uma campanha nacional conseguiu sua libertação. A capa da Momento Feminino, revista apoiada pelo Partido que circulou de 1947-56, destaca que ela recebeu o Prêmio Stálin da Paz.
O Partido iniciou a viragem de sua posição em direção a uma política revolucionária com o Manifesto de Janeiro de 1948. No ano seguinte, com repressão ampliada, o PCB reuniu clandestinamente sua direção em maio e aprovou o Informe Político de Prestes que aprofundou e aperfeiçoou a nova política do Partido, na busca da construção de um caminho revolucionário para o Brasil.
- O Informe Político de Prestes de maio de 1949
O Informe mantém a caracterização da “estrutura econômico-social” do país como “arcaica e decadente”, em função da “conservação dos restos feudais” e do “processo de colonização” pelo imperialismo. A penetração dos monopólios e dos capitais imperialistas não apenas “entrava de maneira violenta o desenvolvimento das forças de produção” e “perturba e deforma o livre desenvolvimento da economia nacional” como “dificulta e impede a acumulação capitalista no país, já que drena para o estrangeiro a maior parte dos lucros”. No processo “revolucionário”, “não se trata somente da emancipação nacional do jugo imperialista. Trata-se do progresso nacional … Trata-se do desenvolvimento da indústria nacional, frente à concorrência imperialista … Trata-se de unificar a economia nacional”.
Essa é uma concepção mecânica do desenvolvimento econômico de um país dominado, a partir da repetição das etapas sucessivas, e supostamente necessárias, do desenvolvimento dos países imperialistas. Esse mecanicismo se refletia na estratégia do PCB, que pensava o desenvolvimento capitalista nacional como uma “etapa” necessária (sic!) do processo revolucionário. Esse processo, idealizado, colocaria em polos opostos as burguesias nacional e estrangeira/imperialista. Supostamente caberia à primeira derrotar a segunda na defesa do desenvolvimento das forças produtivas capitalistas nacionais e das consequentes relações de produção capitalistas. Nunca é demais repetir que quem defende o desenvolvimento capitalista e o seu lucro defende também, necessariamente, a exploração da classe operária e da massa trabalhadora.
A política proposta pelo PCB era formar a “mais ampla frente nacional“, unindo “todos os democratas e patriotas brasileiros”, “todos aqueles que em nossa pátria queiram lutar contra a guerra imperialista, acima de quaisquer diferenças de classes, de ideologia, de tendências políticas e religiosas”. Essa luta contra a paz seria “o grande objetivo central”. Com essa formulação, o PCB buscava unificar a linha do movimento comunista internacional, pela paz e contra a guerra imperialista, com as tarefas nacionais da luta comunista, numa pretensa “unificação” das lutas e demandas a partir da luta pela paz: “A luta pela paz é a maneira atual de lutarmos contra o imperialismo, pela independência nacional, pela revolução agrária e anti-imperialista, pela derrubada da ditadura e a instauração de um governo efetivamente democrático e popular”.
Essa frente ampla multiclassista seria “a maioria esmagadora da nação contra a minoria de latifundiários e grandes capitalistas vendidos ao estrangeiro”. O traço comum das classes dominantes aliadas ao imperialismo seria a propriedade da terra: “grandes proprietários latifundiários da grande burguesia agrária, comercial, bancária e industrial”. O Informe vai além ao defender que um pressuposto dessa frente amplíssima seriam “as contradições nas fileiras das classes dominantes”, quando então “poderá ser organizada a frente única democrática e popular, frente única anti-imperialista e de luta pela paz e pela independência nacional”.
Deixando de lado a confusão de igualar a luta pela paz mundial com a Revolução no Brasil, a proposta da “mais ampla frente” possível dilui o caráter de classe proletário da luta anti-imperialista e minimiza ou, no limite, elimina a contradição fundamental entre burguesia e proletariado da política do PCB. Dessa forma, há um potencial caminho aberto para que a burguesia hegemonize e dirija esse processo, subordinando o proletariado.
No Informe, a caracterização da burguesia nacional é ambígua, fruto da busca por realizar uma análise concreta, ampliando a diferença em relação às formulações anteriores a janeiro de 1948. Ao mesmo tempo em que separa a grande burguesia das demais frações burguesas – abrindo espaço para que essas se perfilem, na formulação do PCB, no campo “revolucionário” –, caracteriza inequivocamente essa grande burguesia como aliada do imperialismo e do latifúndio, mesmo apontando as “contradições objetivas” entre eles.
Esse “paradoxo” que o PCB identifica, de a grande burguesia se aliar ao imperialismo, com o qual teria “contradições objetivas”, fica mais claro na afirmação de que a burguesia industrial adota uma posição contrarrevolucionária ainda que diretamente interessada no fim dos restos feudais e mesmo na revolução agrária! Esses são graves erros na análise marxista-leninista das classes e da luta de classes: superestimar as disputas concorrenciais entre os capitais; elevá-las ao nível de contradições, antagonismos, de classe; e subestimar a unidade de classe da burguesia na sua luta contra a classe operária e as demais classes trabalhadoras.
Destacamos abaixo os trechos mais relevantes do Informe Político de Prestes, de maio de 1949, sobre a caracterização da burguesia:
“A burguesia brasileira, devido à sua própria origem, e ao processo de sua formação, jamais lutou contra o feudalismo, trata de adaptá-lo aos seus interesses, conservando-o e a ele se aliando para a luta contra as massas trabalhadoras … uma burguesia retrógrada, covarde e pusilânime”.
“a camada superior da burguesia brasileira revela toda a sua fragilidade, sua impotência e covardia, seu medo do povo … prestar-se ao papel infame de sócio menor do imperialismo na exploração de nosso povo … Já é assim, evidente, o acordo da grande burguesia brasileira com o imperialismo”.
“posição contrarrevolucionária da grande burguesia, mesmo da burguesia industrial, mais diretamente interessada na liquidação dos restos feudais e na revolução agrária, que determinariam a rápida expansão do mercado interno”.
“diferenciação na burguesia brasileira com a concentração do capital nas mãos de um número cada vez mais reduzido de grandes capitalistas ligados ao latifúndio”.
“sem exceção, colocou-se a grande burguesia paulista ao lado dos latifundiários, com proclamado receio, quase pânico, do impulso progressista das grandes massas de trabalhadores do campo”.
“aliança de todas aquelas classes e camadas revolucionárias, além dos elementos antiimperialistas que sempre ainda existem na burguesia nacional, especialmente suas camadas médias e progressistas”.
Estamos de pleno acordo com o Informe ao caracterizar a burguesia de retrógrada, covarde, pusilânime, impotente, infame. Podemos acrescentar que a burguesia brasileira também é assassina, torturadora, escravocrata, racista, misógina, LGBTfóbica.
Nossa crítica é ao nacionalismo etapista do Informe, de criticar a burguesia de um país dominado por “prestar-se ao papel infame de sócio menor do imperialismo”. Isso é exatamente o que nós, marxistas-leninistas, deveríamos esperar de nossos inimigos de classe, da burguesia. Isso é o que ela sempre foi e continua sendo atualmente. Idem ao fato da burguesia se aliar ao latifúndio “para a luta contra as massas trabalhadoras”. Pior ainda é achar que a burguesia industrial estaria “diretamente interessada” na “revolução agrária”. Nenhuma burguesia está “diretamente interessada” em nenhum processo revolucionário liderado pelo proletariado e pelas massas trabalhadoras e que efetivamente signifique uma radical mudança na estrutura de propriedade, nas relações de produção e de poder/dominação política de classe.
Dessa forma, é contraditório o chamamento do Informe para a “criação da ampla frente democrática e de libertação nacional … sob a direção do proletariado”, único que poderia “dirigir e realizar o bloco nacional-revolucionário”. Além das razões acima, porque a Revolução e a constituição do novo poder “efetivamente democrático e popular” estariam condicionadas à consolidação da “aliança de todas aquelas classes e camadas revolucionárias, além dos elementos antiimperialistas que sempre ainda existem na burguesia nacional, especialmente suas camadas médias e progressistas”.
As contradições do Informe em relação à composição da frente se expressam na convivência de formulações mais atrasadas, conciliadoras, em que se destaca o papel da burguesia, em contraposição a formulações mais radicais, em que não há espaço para a conciliação burguesa. Os dois trechos abaixo sintetizam bem a dualidade nas formulações de 1949:
Formulação de conciliação com a burguesia: “Mas o proletariado só poderá realizar essa tarefa revolucionária, se … for capaz … de libertar a pequena burguesia rural e urbana da influência da burguesia nacional conciliadora, de criar um bloco nacional revolucionário de operários, camponeses e da intelectualidade revolucionária”.
Formulação revolucionária: “Só a luta de massas, a aliança do proletariado com as mais amplas massas, especialmente as grandes massas de trabalhadores do campo, sob a direção do partido de vanguarda da classe operária será capaz de desarmar as forças feudais-burguesas, de destruir o aparelho de opressão estatal, de armar o proletariado e o povo para tomar o poder em suas mãos”.
Essa mesma contradição entre formulações conciliadoras e revolucionárias também está presente quando o PCB define o caráter da Revolução, como se pode ver claramente nos trechos abaixo:
Formulações conciliadoras com a burguesia: “ampla frente democrática e de libertação nacional no país, que, sob a direção do proletariado, poderá quebrar a reação, substituir a atual ditadura feudal-burguesa por um governo democrático, popular e progressista, capaz de iniciar a solução dos problemas da revolução agrária e antiimperialista, reconquistar a independência nacional e de deslocar o Brasil do campo do imperialismo e da reação para o campo do progresso e da democracia … luta pela paz, pela independência nacional, a democracia e o progresso”.
“revolução democrático-burguesa … afastar os obstáculos que impedem o desenvolvimento das forças produtivas no país. Isto implica na luta consequente contra os restos feudais e todas as formas pré-capitalistas de exploração … revolução agrária … luta contra o imperialismo estrangeiro, norte-americano em particular nos dias de hoje, e pela independência nacional”.
Formulação revolucionária: “Mas essa revolução agrária e antiimperialista, revolução democrática em sua forma e burguesa pelo seu conteúdo econômico e social, a realizar-se em plena época da revolução proletária e da construção do socialismo numa boa parte do mundo, só pode ser realizada sob a direção do proletariado … possibilidade de um desenvolvimento não capitalista que leve diretamente ao socialismo … a revolução democrático-burguesa dos dias de hoje nos países coloniais e atrasados é parte integrante da revolução do proletariado … e jamais poderá ser realizada sob a direção da burguesia”.
Essa última formulação seria a mais completa do Informe e do período – incluindo o caráter anti-imperialista e de independência nacional, agrário e contra os restos feudais, democrática e burguesa, e sob a direção do proletariado e com perspectiva socialista – não fosse o fato de que a indicação de seu caráter socialista ser inteiramente discrepante das formulações do PCB daquele período.
O próprio embrião de Programa apresentado no Informe, em 11 pontos, trata dos aspectos anti-imperialistas (nacionalização e anulação das dívidas), anti-monopolistas (estatização) e anti-latifúndio (confisco de terras) e dos interesses de classe dos trabalhadores (legislação trabalhista), dos camponeses (terra e fim da exploração feudal) e da burguesia não-monopolista (liberdade de iniciativa industrial e comercial). Além desses, há uma forte pauta democrática e republicana (ensino gratuito, separação estado/igreja, abolição de todas as discriminações, liberdade de pensamento, imprensa, reunião etc.) e da paz, solidariedade com a União Soviética e apoio à luta anti-imperialista. Em suma, nenhuma palavra sobre qualquer perspectiva socialista…
A mais inovadora das propostas é a retomada de uma formulação militar, abandonada havia décadas pelo PCB:
“11) Organização de um exército revolucionário e popular capaz de defender a nação dos ataques do imperialismo e de seus agentes no país”.
Essa formulação será retomada no Manifesto de Agosto de 1950 e no primeiro Programa do PCB, aprovado no 4º Congresso do Partido, em 1954. Essa tarefa, ao que tudo indica, permaneceu letra morta, até ser definitivamente descartada, na prática a partir de 1955, e formalmente, de 1958 em diante.
Por fim, é importante destacar que o Informe Político de maio de 1949 é um vigoroso chamamento à luta de classes, à organização do proletariado, do campesinato e das massas trabalhadoras pela luta e através da luta, com a participação e a direção do Partido. Diferente do “pacifismo” anterior a 1948, o PCB defende que “saibamos lutar em todos os terrenos, saibamos utilizar todos os meios e processos de luta, sem esquecer nem desprezar nenhum”, pois “é através dessas lutas que devemos organizar as massas, tendo sempre presente que está justamente na falta de organização das massas a maior debilidade de nosso povo”. O PCB indica priorizar o trabalho entre o proletariado, “especialmente o das grandes empresas”, e o campesinato, principalmente em São Paulo. Além disso, fazer a ligação da luta pelas reivindicações imediatas da classe com as lutas políticas estratégicas:
“Fazer a mais intensa propaganda da solução revolucionária dos problemas brasileiros”.
- O Manifesto de Agosto de 1950
Na nossa avaliação das posições políticas assumidas pelos/as comunistas no Brasil ao longo desses mais de 100 anos, o curto período de 1948 a 1954 marcou um hiato em que se buscou formular uma linha revolucionária, no meio de três décadas (1937 a 1964) de um longo e profundo domínio do reformismo e do oportunismo. Já tratamos da conjuntura dessa viragem política na nossa publicação anterior.
A conjuntura na qual o Partido aprovou e publicou o Manifesto de Agosto de 1950 se caracterizava por uma forte luta anti-imperialista dos/as comunistas. Dessas lutas faziam parte tanto as campanhas pela paz e pela não participação na guerra da Coreia, quanto o engajamento na campanha “o petróleo é nosso” que, não obstante, permaneceu hegemonizada pelas posições burguesas.
Além do anti-imperialismo, o PCB pretendia reforçar sua organização e a da classe operária e das massas trabalhadoras a partir das bases, dos seus locais de trabalho. Uma das definições para isso era a criação de “sindicatos vermelhos”, de instrumentos de luta econômica e sindical próprios e independentes, fora do controle do ministério do trabalho e do estado burguês, que interviam amplamente no movimento sindical. Essa política levou ao confronto contra os trabalhistas e ameaçou a própria unidade operária na base, razão pela qual foi revisada de forma relativamente rápida.
Em terceiro lugar, o Manifesto de Agosto foi publicado dois meses antes das eleições presidenciais de outubro de 1950, nas quais concorreram o ex-ditador Vargas, pelo PTB, para voltar ao poder que ocupara por 15 anos (1930-45); o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN; e Cristiano Machado (PSD). A posição do PCB foi pelo voto em branco, negando o apoio a todos esses candidatos, corretamente definidos como burgueses. Com a vitória de Vargas, o PCB definiu-se como oposição ao seu governo. Não obstante a justeza, em geral, dessas posições, a avaliação das perspectivas da conjuntura, feitas no Manifesto, mostraram-se inteiramente erradas. Não ocorreu o antecipado agravamento da ditadura e da repressão – embora permanecessem todas as restrições às liberdades democráticas – nem a participação do país em guerras imperialistas. O novo governo Vargas tampouco confirmou “sua vocação para o fascismo e para o terror sangrento contra o povo” que marcaram seu período ditatorial anterior.
Essas duas últimas posições – criação de estruturas próprias para a luta econômica e sindical do proletariado, hostilidade ao trabalhismo e quebra da unidade da classe; e voto em branco e oposição a Vargas – e os erros em suas aplicações concretas, são utilizadas pelos historiadores “oficiais”, reformistas, para caracterizar como sectário e esquerdista todo esse período e todo o conjunto de políticas do PCB na busca por construir uma posição e uma ação revolucionárias, comunistas, no Brasil. Trata-se de mais um dentre inúmeros casos em que o reformismo/oportunismo tacha de sectárias e esquerdistas quaisquer políticas comunistas que se oponham ao legalismo e ao institucionalismo absolutos, que se neguem a permanecer na subordinação à burguesia em políticas de “conciliação” de classes.
Nossa posição comunista e revolucionária é o oposto disso. Reivindicamos todas as políticas revolucionárias de nossos/as antecessores/as, ao mesmo tempo que as submetemos a uma crítica marxista-leninista, no limite dos nossos conhecimentos e das nossas capacidades. É sobre os ombros dos/as gigantes comunistas que nos antecederam, com seus acertos e erros, que temos o imenso desafio de (re)construir os caminhos da Revolução e do Socialismo no Brasil atual.
Por fim, ressalte-se que o PCB permaneceu em estrita clandestinidade naqueles anos, submetido à violenta repressão, que de resto caracterizou não apenas as lutas dos/as comunistas, mas também as manifestações e lutas das massas trabalhadoras.
Prisão de Câmara Ferreira e invasão do comitê eleitoral de Pedro Pomar, em setembro de 1950: “Cresce o número de perseguidos políticos e nos cárceres da reação são barbaramente espancados, torturados, ensandecidos e assassinados os melhores filhos do povo”.
4.1 Manutenção da análise sobre a formação econômico-social brasileira…
O Manifesto de Agosto de 1950 mantém integralmente a análise sobre a formação econômico-social brasileira herdada das formulações do PCB das décadas anteriores: “todas as causas da miséria e do atraso … estão fundamentalmente na estrutura arcaica de nossa economia, na miséria da renda nacional, nos restos feudais e no monopólio da terra que impedem a ampliação do mercado interno e o desenvolvimento da indústria nacional”. Esse atraso era visto como causado direta e fundamentalmente pela dominação imperialista (“crescente colonização de nossa pátria”; “escravidão colonial e da perda total de nossa soberania nacional”), que impedia e entravava o desenvolvimento das forças produtivas, e seu principal aliado interno, o latifúndio. O Brasil era corretamente definido como integrando os “países dominados” no sistema imperialista mundial.
A conclusão política dessa análise era que, naquelas condições, a luta revolucionária deveria ser feita pelo conjunto de “todos os patriotas e democratas” – o oposto das definições de 1934, quando a 1ª Conferência Nacional do Partido se dirigiu diretamente às massas trabalhadoras – e em prol da “independência do Brasil”, da “pátria livre”, a partir da dualidade “a independência ou a colonização total”. Ao considerar a “maioria esmagadora da nação” como integrando o bloco das forças revolucionárias, o PCB inclui a burguesia nacional, que seria objetivamente anti-imperialista e teria interesse no processo revolucionário para estimular sua acumulação de capital e os seus lucros, visto como necessário na visão “etapista” e mecânica. Esse erro na análise marxista-leninista das classes cobraria um preço muito caro aos/às comunistas uma década e meia depois.
Economicamente, o PCB avaliava que a ruptura com o imperialismo e o fim do latifúndio, com a realização da reforma agrária, abririam caminho para um desenvolvimento capitalista nacional e soberano, a partir do crescimento do mercado interno e da industrialização – outro erro na análise marxista-leninista, dessa vez sobre o sistema imperialista e a posição e os limites dos países dominados.
Em termos ideológicos e organizativos, o PCB buscou uma política revolucionária que, naquelas condições concretas, englobava grandes contradições, teve aplicação prática deficiente e com equívocos e terminou tendo duração muito curta levando, ao invés das necessárias retificações e aprofundamentos, ao retorno à política reformista.
4.2 … com mudança radical na política do PCB, na direção de uma política revolucionária
A principal definição do PCB no Manifesto de Agosto de 1950 foi pela criação da Frente Democrática de Libertação Nacional (FDLN), inclusive para a “luta armada pela libertação nacional”. Essa foi a mudança fundamental em relação à política reformista seguida até 1947. Essa viragem já estava anunciada no Manifesto de Janeiro de 1948, nos trechos sobre “formas de lutas mais altas” e “novos métodos de lutas”, e se consolidou nas formulações de 1950 até o 4º Congresso do PCB, em 1954, e no Programa do Partido aprovado naquele Congresso.
Ou seja, se a Revolução continuava sendo definida pelo PCB, tal como antes de 1947, como anti-imperialista e de libertação nacional, com tarefas democráticas e com a participação da burguesia nacional, o processo revolucionário passou a ser considerado de maneira inteiramente distinta. O Manifesto de Agosto de 1950 defendia “a solução revolucionária” como a “única solução viável e progressista dos problemas brasileiros”, mediante a “luta armada pela libertação nacional, contra a ditadura terrorista, pela vitória da revolução e a conquista da democracia popular”.
A tarefa revolucionária fundamental preconizada pelo Manifesto de Agosto de 1950 era “libertar o país do jugo imperialista”. Para a realização dessa tarefa seria “indispensável liquidar as bases econômicas da reação”, mediante o confisco dos monopólios estrangeiros e nacionais e do latifúndio e a nacionalização de bancos e serviços públicos. Além disso, era necessária a “derrocada das atuais classes dominantes”, derrubando “a ditadura de latifundiários e grandes capitalistas” e substituindo “o governo da traição, da guerra e do terror contra o povo pelo governo efetivamente democrático e popular”. Esse governo revolucionário, além da ampliação das liberdades democráticas, deveria “impulsionar o desenvolvimento independente da economia nacional, de assegurar a marcha rápida no caminho do progresso, da melhoria efetiva das condições de vida das grandes massas trabalhadoras”.
Ou seja, tratava-se da derrubada do regime autoritário, defensor do latifúndio e aliado do imperialismo, para promover a liberdade e eliminar o arcaísmo e os restos feudais. Caberia ao novo governo, revolucionário, promover amplas liberdades democráticas e propiciar o “progresso” de um desenvolvimento capitalista livre do imperialismo e dos seus monopólios, independente e baseado na indústria e no mercado interno. Esse “capitalismo progressista” (sic!) seria baseado nas empresas nacionalizadas, na burguesia nacional (com lucros controlados!) e na classe operária com salários significativamente mais elevados. Nos referindo a outra conjuntura e a outra posição política, já denominamos isso de “capitalismo utópico”.
O Manifesto apresentou o Programa de 9 pontos da FDLN, desenvolvido no Programa aprovado no 4º Congresso, em 1954. O Programa definiu tarefas anti-imperialistas e democráticas e incluiu demandas das classes do “bloco revolucionário” (proletariado e trabalhadores/as urbanos/as, camponeses/as e burguesia nacional). O primeiro item, sobre o governo democrático e popular, defendia um “governo revolucionário”, que derrubaria a “atual ditadura feudal-burguesa, serviçal do imperialismo” e fosse a expressão do “bloco de todas as classes e camadas sociais … que participem efetivamente da luta revolucionária pela libertação nacional do jugo imperialista, sob a direção do proletariado”. As tarefas anti-imperialistas do novo poder seriam se posicionar pela paz e contra as guerras imperialistas, a favor das lutas anti-imperialistas e de libertação nacional, restabelecer relações com a União Soviética, a China Popular e os países do chamado bloco “socialista” e, fundamentalmente, libertar o país do “jugo imperialista”. Concretamente, o PCB propunha:
“Confiscação e imediata nacionalização de todos os bancos, empresas industriais, de serviços públicos, de transporte, de energia elétrica, minas, plantações etc., pertencentes ao imperialismo. Imediata anulação da dívida externa do Estado e denuncia de todos os acordos e tratados lesivos aos interesses da nação. Imediata expulsão do território nacional de todas as missões militares ianques, de todos os técnicos, agentes e espiões norte-americanos, como de todos os destacamentos militares ianques que ocupam nossa terra”.
Essa proposta de confisco/nacionalização se estendia a “todas as grandes empresas industriais e comerciais de caráter monopolista ou que exerçam influência preponderante na economia nacional”.
Permaneciam, no entanto, importantes contradições no Programa, derivadas da inclusão da burguesia no conjunto das classes (ao menos potencialmente) revolucionárias. O confisco desses monopólios poderia ser indenizado, “conforme a posição de seus proprietários na luta pela libertação nacional do jugo imperialista”!!! Os “grandes capitalistas” – não teriam sido confiscados? Ou os “grandes capitalistas” revolucionários (sic!) permaneceriam com suas empresas? – estariam sujeitos a “controle dos lucros”, ou seja, o governo revolucionário definiria o quanto de exploração e roubo da classe operária e da massa trabalhadora estaria disposto a aceitar em nome do “Desenvolvimento Independente da Economia Nacional”.
Apenas numa posição de força política e militar, com um Exército Popular de Libertação conquistando vitórias – como no caso da Grande Revolução Chinesa – o proletariado e os/as comunistas podem impor essas condições às classes dominantes para obter apoio ou neutralidade de algumas de suas frações ou de alguns de seus membros em pontos específicos e em conjunturas concretas dadas. Mas nesse caso, muito provavelmente, isso já não será mais necessário, no geral, e o processo revolucionário deveria avançar para a completa expropriação dos expropriadores e para a construção do Socialismo.
O Programa também prevê medidas justas e concretas para as massas trabalhadoras, como o aumento geral dos salários (destacando soldados e marinheiros), das aposentadorias e pensões, igualdade de salários para igual trabalho de homens e mulheres (e menores!), ajuda a desempregados, democratização e extensão da legislação e da assistência social, e “fiscalização dos direitos dos trabalhadores, bem como a administração da assistência social, entregue aos próprios trabalhadores por intermédio de seus sindicatos”. No campo, o Programa propunha corretamente reforma agrária sem indenização com “imediata entrega gratuita da terra, máquinas, ferramentas, animais, veículos, etc., aos camponeses sem terra ou possuidores de pouca terra e a todos os demais trabalhadores agrícolas”, fim das relações pré-capitalistas e anulação das dívidas do campesinato, e assistência técnica e financeira, estímulo ao cooperativismo e política de preços mínimos.
As pautas democráticas do Programa de 1950 eram avançadas para aquela conjuntura: liberdade efetiva “de manifestação do pensamento, de imprensa, de reunião, de associação, de organização sindical” e de culto, completa separação estado/igreja, direito de voto a analfabetos, soldados e marinheiros, abolição das desigualdades com as mulheres e de “todas as discriminações de raças, cor, religião, nacionalidade”, judiciário eleito pelo povo e organização livre e autônoma dos “indígenas”, além de ensino gratuito (até os 14 anos).
Resumo do Manifesto de Agosto de 1950 na publicação do PCB de 1952, em homenagem a Prestes, no 30º aniversário do Partido
O último item do Programa defendia a criação de um “Exército Popular de Libertação Nacional”, mediante o “armamento geral do povo e reorganização democrática das forças armadas na luta pela libertação nacional”, com a expulsão dos fascistas e agentes do imperialismo, a reintegração dos militares democratas e revolucionários e o livre acesso ao oficialato para praças. Para este ponto inédito nos documentos do Partido, incluindo os da Aliança Nacional Libertadora (ANL), de 1935, é importante saber que o PCB mantinha influência nas forças armadas naquele período, tendo inclusive eleito em outubro de 1950 o presidente e o primeiro secretário da Casa do Sargento do Brasil, que unia as três forças, as polícias militares e os bombeiros. E, no entanto, nunca houve qualquer sinal de que se houvesse avançado sequer o mínimo na concretização desse item dos Programas de 1950 e de 1954.
4.3 As classes revolucionárias que deveriam formar a Frente Democrática de Libertação Nacional (FDLN)
De acordo com a natureza atribuída ao processo revolucionário – Revolução anti-imperialista e de libertação nacional – o principal instrumento das classes revolucionárias seria a FDLN, uma ampla frente multiclassista, revolucionária, sob a direção da classe operária. Sobre a FDLN, além de sua composição de classe, é preciso destacar outros dois aspectos. O primeiro é a diretriz para a sua organização nas bases, a partir dos “locais de trabalho e de residência”, “nas fábricas e nas fazendas, nas escolas e repartições públicas, nos quartéis e nos navios, em todos os locais de trabalho, enfim, nos bairros das grandes cidades e nas aldeias e povoados”. O Manifesto propõe a criação de Comitês Democráticos de Libertação Nacional. No entanto, não conseguimos encontrar evidências de avanços significativos na organização desses Comitês.
O segundo é a necessidade de ligar as lutas imediatas, cotidianas, com as lutas políticas mais gerais: “É através da luta diária, da ação e do trabalho pertinaz, que conseguiremos organizar o povo para essa grande batalha”, “luta diária, pelas reivindicações mais imediatas e sensíveis, sempre em íntima ligação com a luta pela paz e pela independência nacional”. Como sintetiza essa excelente frase do Manifesto: “organizando para lutar e aproveitando a luta para organizar”.
Em termos de composição de classes, o Manifesto afirma a respeito do seu Programa que a “maioria esmagadora da nação não pode deixar de concordar com este programa revolucionário, de luta concreta e ação imediata”, pois ele representaria “as aspirações de todos … os verdadeiros democratas e sinceros patriotas”. Por diversas vezes o Manifesto menciona “todos os compatriotas”, “concidadãos” ou “todos os patriotas e democratas”. Para nós, essas formulações abandonam a demarcação marxista-leninista de classes, secundarizam a luta de classes e substituem a contradição fundamental do capitalismo por uma oposição ilusória entre as classes dominantes (pró e anti-imperialistas), tornando parte delas “aliadas” das classes dominadas. Com isso, superestimam os aliados de classe da luta revolucionária do proletariado e das massas, contribuindo para o fracasso dessa própria luta.
Também sobre este ponto o Manifesto tem posições contraditórias, apresentando formulações mais detalhadas e com demarcação de classe. Por vezes são explicitadas as classes ou setores que o PCB entende como integrantes da FDLN. Esse amplo leque vai do proletariado à burguesia:
“Unamo-nos, todos, democratas e patriotas, acima de quaisquer diferenças de crenças religiosas, de pontos de vista políticos e filosóficos, homens e mulheres, jovens e velhos, operários, camponeses, intelectuais pobres, pequenos funcionários, comerciantes e industriais, soldados e marinheiros, oficiais das forças armadas, em ampla FRENTE DEMOCRÁTICA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL para a ação e para a luta”.
“as grandes massas trabalhadoras, operários e camponeses, os intelectuais honestos que não se prostituem aos opressores estrangeiros ou a seus agentes no pais, o funcionalismo pobre civil e militar, os estudantes, os pequenos comerciantes e industriais, a maioria esmagadora de nosso povo”
Em outros momentos, o Manifesto parece propor um critério prático, de participação efetiva na luta revolucionária, como condição para a composição da FDLN. Nessa formulação, a FDLN seria o
“bloco de todas as classes e camadas sociais, de todos os setores da população do país que participem efetivamente da luta revolucionária pela libertação nacional do jugo imperialista, sob a direção do proletariado”.
Um necessário e revolucionário complemento subjetivo a esse critério prático seria o ódio de classe aos dominadores: “povo que luta contra a miséria, contra a colonização do país, que manifesta com vigor cada dia maior seu ódio aos atuais dominadores”.
Na nossa avaliação comunista, a formulação justa sobre a composição do bloco revolucionário, em cada conjuntura específica e em cada realidade concreta, deve partir da contradição fundamental de classes na formação econômico-social e da sua posição no sistema imperialista mundial, compreender a correta análise das classes e da luta de classes, em seus aspectos objetivos e subjetivos, e incluir o critério da participação concreta e efetiva nas lutas que constituem o processo revolucionário.
Nesse sentido, destacamos os seguidos chamamentos à luta para a construção da FDLN e do seu Programa que o Manifesto de Agosto de 1950 realiza, com amplitude baseada no critério da ação, da luta:
“Chamamos a todos os trabalhadores das cidades e do campo, manuais e intelectuais, homens e mulheres, para a ação e para a luta por esse programa revolucionário”; a “todas as organizações operárias, as organizações de camponeses, de mulheres, de jovens, a todas as organizações populares e democráticas de qualquer caráter”.
Esses mesmos chamamentos são, em seguida, detalhados classe por classe, setor por setor, a partir dos pontos do Programa, detalhando sua situação concreta, suas reivindicações imediatas e a participação de operários/as, trabalhadores/as do campo (“assalariados, peões, meeiros, parceiros, colonos, arrendatários, trabalhadores do eito”), mulheres (“operárias e camponesas, donas de casa, mães e esposas”), jovens trabalhadores/as e estudantes, soldados e marinheiros. Observem que nesse chamamento à luta concreta, pela organização para suas reivindicações imediatas e pelas pautas mais gerais, não há qualquer espaço para a enumeração das “reivindicações” e para a “organização” da burguesia, dos industriais… Esse silêncio nos mostra tanto o erro da análise de classes do PCB quanto as contradições de sua proposta revolucionária em construção.
Edição de 7 de outubro de 1950 da Voz Operária, jornal do PCB, conclamando às ações e lutas revolucionárias de massas!
Por fim, o Manifesto reserva à classe operária (e ao PCB) o papel dirigente na FDLN e no processo revolucionário. O desafio inconcluso foi o de transformar essa definição programática em realidade concreta.
4.4 Imperialismo, latifúndio e grande burguesia como principais classes inimigas
O imperialismo, principalmente dos EUA, é o principal inimigo de classe para o Manifesto de Agosto de 1950, exercendo amplo domínio sobre a economia brasileira (“posições-chaves da economia do país são dominadas pelos monopólios anglo-americanos”: comércio exterior e mesmo o interno, indústria, petróleo e outras riquezas minerais), “recolonizando” o país (“economia do país como complementar e caudatária da economia norte-americana”) e subordinando seus aliados internos das classes dominantes (“os grandes comerciantes e industriais, os banqueiros e latifundiários”).
Assim, o latifúndio e o grande capital constituiriam, por um lado, classes dominantes “caducas e impotentes”, que precisariam do imperialismo para manter sua dominação de classe. Por outro, essa própria dominação imperialista – com seus lucros elevados remetidos para o estrangeiro, o controle dos principais setores econômicos e a manutenção do atraso do país – abriria possibilidades para que uma disputa concorrencial se transformasse, nas formulações do PCB, em antagonismo de classe. Essa seria a maneira de possibilitar que parte da burguesia nacional, especialmente a industrial, mas também a comercial, tivesse potencial para se tornar anti-imperialista e pudesse participar do bloco revolucionário.
O governo Dutra – o “bando de assassinos, negocistas e traidores que hoje governa o país” – era caracterizado como o governo da reação, autoritário, com participação de fascistas, representante político dessas classes inimigas. Partilhavam essa caracterização todos os partidos políticos burgueses (a “política udenista”, os “bandidos integralistas”, o “assassino Ademar de Barros”, o “tirano Vargas” e o “governo pessedista”). Nas formulações do PCB até 1954, uma parte dessa avaliação do governo Dutra passaria para o de Vargas.
Por fim, as forças armadas são tratadas de forma ambígua. De um lado, eram comandadas por generais fascistas, que se submetiam ao comando dos EUA por meio de missões militares e das bases militares dos EUA no país. Mas, no entanto, teriam uma parte do oficialato e de sua base composta por nacionalistas, que poderiam se opor ao imperialismo e compor do lado do bloco revolucionário. A história mostraria, repetidamente, qual a real posição de classe das forças armadas.
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Se é imprescindível efetuar a crítica marxista-leninista dos limites e das contradições do Manifesto de Agosto de 1950, também é necessário reconhecê-lo como um documento que visava construir um caminho revolucionário para a massa trabalhadora e os/as comunistas, após uma década de amplo e profundo reformismo. Caminho cujo ponto de partida, de princípio, é bem resumido no trecho abaixo:
“É o povo que luta porque não está disposto a ser reduzido à condição de escravo. Diante da violência dos dominadores, a violência das massas é inevitável e necessária, é um direito sagrado e o dever inelutável … É o caminho da luta e da ação, o caminho da revolução”.
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Os textos citados integram a coletânea de Edgard Carone: O PCB (1943-1964), volume 2, editado em São Paulo pela editora Difel, em 1982.
– Luís Carlos Prestes. Informe Político ao Comitê Nacional do PCB, de maio de 1949 (trechos, pgs. 89-108).
– Manifesto de Agosto de 1950, de 1º de agosto de 1950 (trechos, pgs. 108-112).
Publicação integral: Luís Carlos Prestes. Nossa Política: Prestes Aponta Aos Brasileiros o Caminho da Libertação. Problemas, agosto-setembro de 1950. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/prestes/1950/08/01.htm.
A fonte das imagens não identificadas com links próprios é a publicação “Imagens da Centenária História de Lutas do Partido Comunista do Brasil (1922-2022)”, disponível em https://issuu.com/fmg2022/docs/imagenspcdob100anos.
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Nossa Política: Prestes Aponta Aos Brasileiros o Caminho da Libertação
Luiz Carlos Prestes
1º de Agosto de 1950
Capa e contracapa da Voz Operária, de 5 de agosto de 1950, divulgando o Manifesto de Agosto
Ao Povo Brasileiro!
A Todos os Patriotas e Democratas!
Concidadãos! Trabalhadores!
É em nome dos comunistas brasileiros que me dirijo a todos vós na certeza de que minhas palavras hão de ser compreendidas pelo que valem, como mais um brado de alerta, mais um apelo à união e à ação, já que traduzem os sentimentos mais profundos daqueles que não se conformam com a crescente colonização de nossa pátria, daqueles que não se submetem aos traidores e assassinos que nos governam, daqueles que sempre lutaram e jamais deixarão de lutar pela liberdade e o progresso e a independência do Brasil.
Atravessamos um dos momentos mais graves da vida de nosso povo. Já não se trata somente da miséria crescente e da fome crônica em que se debate a maioria esmagadora da nação, já não se trata apenas da brutalidade da exploração a que se acham submetidos os que trabalham e produzem em nossa terra, é o sangue do povo, sem distinções de sexo ou de idade, de homens, mulheres e crianças, que corre nas ruas de nossas cidades e nos cárceres da reação, e denuncia as intenções sinistras do bando de assassinos, negocistas e traidores que hoje governa o país.
É a guerra que nos bate às portas e ameaça a vida de nossos filhos e o futuro da nação. Sentimos em nossa própria carne, através do terror fascista, como avançam os imperialistas norte-americanos no caminho do crime, dos preparativos febris para a guerra, como passam eles à agressão aberta e à intervenção armada contra os povos que lutam pelo progresso e a independência nacional!
Na Coréia, os aviões norte-americanos já trucidam a mulheres e crianças e bombardeiam povoações pacíficas. É que, premidos pela crise econômica em que se debatem querem precipitar o desencadeamento da guerra mundial, já proclamam cinicamente suas bárbaras intenções e ameaçam matar com suas bombas atômicas a mulheres e crianças, a jovens e velhos, indistintamente, para impor ao mundo sua dominação escravizadora.
E é por meio do terror fascista, procurando criar um clima de guerra civil, que o governo de traição nacional de Dutra quer levar o país à guerra e fazer de nossa juventude carne de canhão para as aventuras bestiais de Truman.
Os acontecimentos se precipitam e é evidente que se aproximam dias decisivos que exigem de todos nós mais ação e vigilância. A indiferença e o silêncio, o conformismo e a passividade já constituem, no momento que atravessamos, um crime de lesa pátria, diante das ameaças que pesam sobre os destinos da nação.
BRASILEIROS!
ESTAMOS em face de um governo de traição nacional que entrega a nação à exploração total dos grandes bancos, trustes e monopólios anglo-americanos, governo que constitui a maior humilhação até hoje imposta à nação, cujas tradições de altivez, de independência, de convivência pacífica com todos os povos são brutalmente negadas e substituídas pelo servilismo com que esse governo se submete à política totalitária e guerreira do Departamento de Estado norte-americano. A dominação imperialista assume, dia a dia, em nossa terra, aspectos mais violentos e sombrios. Marchamos no caminho da escravidão colonial e da perda total de nossa soberania nacional.
As posições-chaves da economia do país são dominadas pelos monopólios anglo-americanos, o comércio de nossos principais produtos de exportação está sob o controle de firmas norte-americanas, a indústria nacional, quando já não pertence aos monopólios ianques, está sob a constante ameaça de total aniquilamento e no próprio comércio interno avança o controle dos grandes consórcios e monopólios americanos. O petróleo continua sob a ameaça avassaladora da Standard Oil, que faz às escancaras a mais despudorada campanha de suborno e corrupção. O ferro, o manganês, as areias monazíticas, os minérios rádios-ativos já se encontram em poder dos monopólios ianques que saqueiam a nação. Simultaneamente, crescem de ano para ano os lucros das grandes empresas estrangeiras que, como a Light por exemplo, se apoderam de uma boa parte do valor ouro de nossas exportações para remeter para o estrangeiro o fruto do trabalho e da vida de nosso povo, brutalmente explorado. Sob os mais variados pretextos, grandes extensões do território nacional passam à propriedade dos magnatas ianques, como Rockefeller, ou são entregues pelo governo aos “especialistas” do imperialismo com direito de extraterritorialidade, como acontece no caso da Hileia Amazônica.
Mas é especialmente no setor das forças armadas que agem com maior desenvoltura e cinismo, por meio das missões militares que subordinam ao comando americano todas as forças armadas do país, controlam e ocupam as bases militares aéreas e navais, tudo no sentido da preparação aberta para a guerra. A Estação radiotelegráfica do Pina em Recife, já se encontra completamente sob ocupação dos mercenários de Truman. E a recente vaga de terror policial desencadeado naquela capital do Nordeste sob a direção imediata dos generais fascistas que exigiram inclusive a cassação dos mandatos dos vereadores comunistas, componentes da bancada majoritária eleita pelos trabalhadores do Recife, precede e anuncia a chegada de novos contingentes de soldados ianques para ocupação da base do Ibura na mesma capital.
É a preparação para a guerra que se intensifica no país. À medida que crescem no mundo inteiro as forças da democracia e do socialismo, que a União Soviética, cada vez mais poderosa, amplia seu prestigio mundial, que os povos da Ásia com o grande povo chinês à frente libertam-se do jugo imperialista, que os partidários da paz organizam-se em todo o mundo e unem suas forças, que cresce o movimento operário e a influência do Partido Comunista, as forças do imperialismo do mundo capitalista minado por contradições cada vez maiores desesperam, tornam-se mais agressivas, preparam-se abertamente para a guerra, cujo desfecho querem precipitar e exercem pressão cada dia maior sobre os governos dos países dominados, dos quais exigem submissão e obediência crescentes. O atual ataque norte-americano à Coréia é a comprovação prática mais recente e brutal dessa política de agressão aberta de aventura e desespero, por meio da qual pretendem os trustes e monopólios anglo-americanos arrastar os povos a mais uma carnificina guerreira de proporções jamais vistas.
A ameaça de guerra pesa sobre o país. É cada dia maior e mais iminente o perigo que ameaça a vida de nossa juventude e a segurança de toda a população do país. Os provocadores de guerra exigem o nosso sangue para suas aventuras guerreiras. Querem dois milhões de brasileiros para serem incorporados às suas forças armadas e milhares de operários para que participem no trabalho escravo de suas usinas de guerra distribuídas pelo mundo inteiro. E, diante de tais exigências o governo Dutra, que não sabe senão ceder diante do patrão imperialista, trai como sempre os interesses da nação. É o caminho já praticamente trilhado com a recente nota do Itamaraty de adesão e apoio à decisão ilegal do Conselho de Segurança da ONU sobre a Coréia e com a qual o governo do sr. Dutra pensa poder empurrar o país pouco a pouco, sem que as grandes massas o percebam, para a fogueira da guerra que o governo norte-americano se esforça por acender no mundo inteiro.
E é a iminência desse perigo de guerra e a intensificação da preparação para a guerra que explica fundamentalmente o clima de terror crescente em que já nos encontramos.
Os dominadores não vacilam no emprego da violência e do crime contra o povo. As últimas aparências de uma democracia de fachada são rapidamente postas de lado e todas as conquistas populares, os mais elementares direitos do cidadão e do trabalhador, tudo é violentamente eliminado pelos governantes que avançam como feras brutas no caminho do fascismo, da ditadura aberta, da completa entrega do país aos monopólios americanos, da submissão total à política totalitária e guerreira do Departamento de Estado norte-americano.
Avança no país a reação fascista que se torna cada dia mais brutal e sanguinária. Cresce o número de perseguidos políticos e nos cárceres da reação são barbaramente espancados, torturados, ensandecidos e assassinados os melhores filhos do povo, todos aqueles que não se conformam com a colonização do Brasil, que aspiram por uma pátria livre e que lutam pela paz contra o crime de mais uma guerra imperialista.
O caminho do crime, iniciado com a chacina do Largo da Carioca em 1946, ganha o país inteiro e passa à prática generalizada de todos os governantes por mais diversos que sejam os títulos ou legendas dos partidos políticos que os elegeram. A polícia udenista do Ceará, de mãos dadas com os bandidos integralistas, fuzila em plena rua a Jaime Calado o bravo antifascista e jornalista do povo, como os facínoras de Adroaldo Lima Câmara matam à Zélia Magalhães em plena Capital da República. O assassino Ademar de Barros, o novo aliado do tirano Vargas e patrono de sua candidatura, esmera-se no assalto de Tupã, onde caem vítimas do ódio das classes dominantes aos camponeses que lutam pela paz, pela terra os três heróis de nosso povo — Pedro Godoi, Afonso Marma e Miguel Rossi. Já a 1º de Maio, é na cidade do Rio Grande que o sr. Jobim manda atirar contra o povo, e mais de uma dezena de operários homens e mulheres, caem mortos ou feridos sob as balas assassinas dos policiais do governo pessedista. É o terror sangrento contra a classe operária.
É esta a política do governo Dutra e de todos os que o apoiam inclusive aqueles que, hoje, em vésperas de eleições, fingem uma posição em palavras para mais uma vez enganar o povo e facilitar assim a marcha para o fascismo e para a guerra e a defesa de seus interesses de exploradores desalmados.
As classes dominantes utilizam-se também da reação policial para enfrentar a situação de miséria crescente em que se debate o nosso povo. Com o terror fascista procuram os dominadores descarregar sobre as grandes massas trabalhadoras todo o peso da crise crônica de nossa agricultura e da crise industrial de superprodução que já se anuncia com os estoques que se avolumam e o desemprego que aumenta. A política de inflação crescente, em benefício dos grandes capitalistas e dos negocistas do governo, determina o encarecimento do custo de vida a um ritmo cada vez mais acelerado e a consequente baixa catastrófica do salário real que já é de fome para as mais amplas massas trabalhadoras, desde operários e camponeses até as camadas médias que já se encontram em rápido processo de pauperização. Além disso, a política de preparação para a guerra determina gastos cada vez maiores, que já representam mais de 50 por cento do orçamento federal, cuja bancarrota a ninguém mais é possível ocultar, apesar dos impostos indiretos que crescem no país inteiro.
Marchamos assim para o aniquilamento físico pela fome, pela tuberculose que mata em proporções nunca vistas e ameaça a vida de nossos filhos, pelas endemias que devastam as populações subalimentadas do país inteiro. As crianças nascem para morrer antes de completar o primeiro ano de vida, em proporção que atinge, em muitas regiões do país, a 50 por cento e mesmo mais. Nas grandes cidades, a maioria da população é obrigada a viver amontoada, quase ao relento, na promiscuidade imunda das favelas e cortiços, porque as casas são cada vez mais um privilégio dos ricos, como privilégio dos ricos já é igualmente a instrução, mesmo a primária mais elementar.
E esta situação de fome e desolação, só comparável à de países devastados pela guerra, ameaça agravar-se ainda mais e assumir proporções de catástrofe com a crise econômica que avança nos Estados Unidos, tão grande é a dependência em que o atual governo já colocou a economia do país como complementar e caudatária da economia norte-americana.
É neste ambiente de miséria e de fome, de terror policial, de pregação aberta para a guerra imperialista que se inicia no país a campanha política para as eleições gerais de 3 de Outubro. Os mesmos políticos que estiveram sempre unidos contra o povo, que sempre apoiaram a política de traição nacional de Dutra, os mesmos politiqueiros agora do acordo interpartidário e da cassação de mandatos acentuam agora diante das massas populares suas divergências e formam em bandos aparentemente contrários e irreconciliáveis. Muitos deles fingem agora de oposicionistas. Os papéis são assim distribuídos para a nova farsa que visa engatar o povo e arrastá-lo atrás do “salvador”, do novo Dutra, para que este possa, mais facilmente que o atual, prosseguir no caminho da venda do país ao imperialismo e da preparação acelerada para a guerra. Mas, diante do povo que luta contra a miséria, contra a colonização do país, que manifesta com vigor cada dia maior seu ódio aos atuais dominadores, que quer paz e já se levanta contra os vendilhões da pátria e os provocadores de guerra, diante do povo que luta, os politiqueiros vacilam ainda entre o golpe de Estado, entre a substituição violenta de Dutra por um outro general qualquer e a realização de eleições em regime ditatorial, sem liberdade de imprensa, sem direito de reunião, sem direito de associação política para a classe operária. Incapazes de encontrar qualquer solução para a situação a que já chegou o país, com medo crescente do povo, e divididos na defesa de seus interesses egoístas e vorazes, lutam pelas posições, pela posse do Tesouro e do Banco do Brasil, pelos governos estaduais e municipais, sempre com o mesmo objetivo de consolidar sua dominação de classe e prosseguir na venda do país aos monopólios anglo-americanos.
Sob o jugo imperialista, como nos encontramos, nem eleições nem golpes de Estado “salvadores” poderão modificar a situação. O que pretendem as classes dominantes é substituir Dutra por outro Dutra, seja ele um sr. Cristiano Machado, o politiqueiro do P. S. D., que espera ser eleito com a força do governo e que proclama por isso, às escancaras, sem um mínimo de pudor patriótico, sua fidelidade à política de traição nacional do sr. Dutra, ou seja o sr. Eduardo Gomes, que sempre silenciou diante de todos os crimes da ditadura, o mesmo Brigadeiro que defende a entrega do petróleo à Standard Oil, que se alia cinicamente aos traidores do nazi-integralismo e que, inimigo da paz e do progresso, inimigo do povo que despreza, já defende com servilismo a guerra de Truman na Coréia e a total entrega de nossas forças armadas ao comando norte-americano. Nessa competição resta ainda o candidato do facínora Ademar de Barros e é fácil de imaginar o que significaria a volta ao poder do velho tirano, do latifundiário Getúlio Vargas, pai dos tubarões dos lucros extraordinários, que já demonstrou em quinze anos de governo seu ódio ao povo e sua vocação para o fascismo e para o terror sangrento contra o povo.
É evidente, pois, que qualquer que seja a saída que possam tentar neste momento, as classes dominantes se encaminham para a liquidação dos últimos vestígios de liberdade, para a mais sangrenta repressão contra o povo, para a ditadura fascista. É o caminho da entrega completa do país aos monopólios anglo-americanos e da preparação acelerada para a guerra imperialista. E desta forma agravam-se todas as causas da miséria e do atraso em que se debate o nosso povo e que estão fundamentalmente na estrutura arcaica de nossa economia, na miséria da renda nacional, nos restos feudais e no monopólio da terra que impedem a ampliação do mercado interno e o desenvolvimento da indústria nacional.
Mas, para os senhores das classes dominantes — os grandes comerciantes e industriais, os banqueiros e latifundiários — não há outra saída para os problemas brasileiros senão através dessa submissão crescente ao dominador americano e, quando pedem dólares, pedem também a intervenção estrangeira no país, na esperança de conseguirem assim prolongar sua dominação sobre o povo, impedir que se realizem as profundas modificações já inadiáveis e indispensáveis ao livre desenvolvimento econômico, social e político de nossa pátria. Classes caducas e impotentes, incapazes de resolver qualquer problema nacional, de tirar o país do atraso crônico em que perece, passam todos esses senhores, com seus políticos e governantes, à traição aberta, e lançam-se com fúria e desespero contra os patriotas que lutam pelo progresso e a independência do Brasil.
Nosso povo enfrenta assim um dilema que se torna cada mais agudo e evidente. A paz ou a guerra, a independência ou a colonizarão total, a liberdade ou o terror fascista, o progresso ou a miséria e a fome para as grandes massas trabalhadoras. Ou o povo toma os destinos da nação em suas próprias mãos para resolver de maneira prática e decisiva seus problemas fundamentais, ou submete-se à reação fascista, à crescente dominação do imperialismo ianque, à ignomínia da pior escravidão que o levará à mais infame de todas as guerras.
São duas políticas que se defrontam, num antagonismo que se torna dia a dia mais claro para todos, que não admite uma terceira posição e que obriga a todos, seja qual for sua posição social, sua crença religiosa ou opinião política a se definir num ou noutro sentido. De um lado, o sr. Dutra, com a sua maioria parlamentar, com os latifundiários e grandes capitalistas que o apoiam, com os dirigentes de todos os partidos políticos das classes dominantes, que quer a guerra, a colonização, o terror e a fome para o povo. De outro, as grandes massas trabalhadoras, operários e camponeses, os intelectuais honestos que não se prostituem aos opressores estrangeiros ou a seus agentes no pais, o funcionalismo pobre civil e militar, os estudantes, os pequenos comerciantes e industriais, a maioria esmagadora de nosso povo enfim, que luta contra a miséria, que quer paz e liberdade que luta pela independência da pátria do jugo imperialista.
É o povo que luta porque não está disposto a ser reduzido à condição de escravo. Diante da violência dos dominadores, a violência das massas é inevitável e necessária, é um direito sagrado e o dever inelutável de todos os patriotas. É o caminho da luta e da ação, o caminho da revolução.
Este o caminho do povo que nos últimos anos em árduas lutas já demonstrou sua imensa vontade de paz, que desperta, e já começa a mostrar aos provocadores de guerra que não se deixará arrastar em suas aventuras criminosas, que não trabalhará para a guerra, nem admitirá que o sangue de nossa juventude seja derramado em benefício dos banqueiros anglo-americanos, nem jamais participará de qualquer guerra de agressão, muito especialmente contra a União Soviética, baluarte da paz e do socialismo, para o qual se voltam cheios de esperança os povos oprimidos do mundo inteiro.
Nosso povo saberá honrar suas gloriosas tradições e lutará agora pela paz e a independência da pátria com a mesma bravura com que soube lutar em todos os momentos decisivos de nossa história, com que lutou contra a dominação portuguesa e contra todos os invasores estrangeiros, com que sempre lutou pela liberdade contra todos os tiranos. Em cada região do pais continua viva no coração do povo, das grandes massas sofredoras, a memória de seus mártires e heróis, de Tiradentes a Frei Caneca, dos cabanos, dos farrapos e dos balaios, dos jovens soldados e alfaiates de 1798, dos heróis pernambucanos de 1817 e 1824, dos negros que lutaram durante séculos contra a escravidão, como vivem os exemplos mais recentes de todos aqueles que tombaram na luta contra o integralismo, dos heroicos lutadores de 1935, dos que morreram nos cárceres getulistas e dos bravos da FEB que combateram na Europa para ajudar com o sacrifício de suas jovens vidas a libertar o mundo da escravidão nazista.
Nós, comunistas, não vacilamos — sempre lutamos pela libertação nacional, contra o jugo do opressor estrangeiro, pelo progresso do Brasil. Nenhuma reação conseguiu quebrar nossa vontade de luta, e hoje, apesar da brutalidade de todas as perseguições, lutamos com energia redobrada pelos mesmos objetivos, convencidos de que, nas condições atuais do mundo e do país, nunca foram tão grandes como agora os fatores favoráveis ao sucesso de nosso povo na sua luta pela independência nacional e pelo progresso social.
E é justamente por isso que, hoje, mais uma vez, nos dirigimos a todos vós, democratas e patriotas e, diante dos perigos que ameaçam os destinos da nação, apresentamos a única solução viável e progressista dos problemas brasileiros — a solução revolucionária — que pode e há de ser realizada pela ação unida do próprio povo com a classe operaria à frente.
É este o caminho da independência e do progresso, da paz. Precisamos libertar o país do jugo imperialista e pôr abaixo a ditadura de latifundiários e grandes capitalistas, substituir o governo da traição, da guerra e do terror contra o povo pelo governo efetivamente democrático e popular. Para isso, é indispensável liquidar as bases econômicas da reação, o que significa a confiscação das empresas imperialistas e dos grandes monopólios estrangeiros e nacionais, a nacionalização dos bancos, dos serviços públicos, das minas, das quedas d’água, e, igualmente, a confiscação das grandes propriedades latifundiárias que devem passar gratuitamente para as mãos dos que nelas vivem e trabalham. Só um governo da democracia popular, um governo do bloco de todas as classes e camadas sociais que lutem efetivamente pela libertação nacional sob a direção do proletariado, será capaz de garantir no país um regime de liberdade para o povo e de impulsionar o desenvolvimento independente da economia nacional, de assegurar a marcha rápida no caminho do progresso, da melhoria efetiva das condições de vida das grandes massas trabalhadoras, dar saúde e instrução para o povo, igualdade econômica e jurídica para a mulher, deslocar, enfim, o país do campo da reação e da guerra para o campo da paz e da democracia e do socialismo.
Este o caminho revolucionário que apresentamos e propomos a todos os compatriotas, que não querem ser escravos, que não estão dispostos a aceitar a submissão ao terror fascista, a todos que almejam o progresso do Brasil, que querem ver o nosso povo livre do atraso, da miséria, da ignorância em que até agora vegeta.
Neste momento de tanta gravidade para a vida e o futuro de nosso povo, o que precisamos fazer, todos os patriotas e democratas, é unir nossas forças e lutar para impor a vontade do povo, derrotar a política de traição nacional de Dutra e fazer triunfar a política oposta, a política do povo. O caminho não será fácil, exigirá duros combates. É necessário lutar com energia e audácia e não perder tempo, não permitir que a reação prossiga sem maior resistência de nossa parte, não permitir que continue a venda do país ao imperialismo, nem que a ditadura dê novos passos no caminho da preparação para a guerra e da implantação do terror fascista no país.
Para realizar esta tarefa histórica, saibamos organizar e unir nossas forças em ampla FRENTE DEMOCRÁTICA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL, organização de luta e de ação em defesa do povo, com raízes nas fábricas e nas fazendas, nas escolas e repartições pública nos quartéis e nos navios, em todos os locais de trabalho, enfim, nos bairros das grandes cidades e nas aldeias e povoados.
É indispensável e urgente unir e organizar as forças do povo em amplos comitês da FRENTE DEMOCRÁTICA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL nos locais de trabalho e de residência. Nesse grande esforço de organização e unificação popular cabe ao proletariado um papel dirigente e fundamental. Mas a classe operária precisa simultaneamente, organizar-se e unificar suas próprias forças para que constituir a grande força motriz capaz de mobilizar e dirigir as demais camadas populares na grande luta pela libertação nacional do jugo imperialista e pela conquista da democracia popular.
É através da luta diária, da ação e do trabalho pertinaz, que conseguiremos organizar o povo para essa grande batalha. É nessa luta diária, pelas reivindicações mais imediatas e sensíveis, sempre em íntima ligação com a luta pela paz e pela independência nacional, que se reforçará e ampliará no país inteiro a FRENTE DEMOCRÁTICA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
Unamo-nos, todos, democratas e patriotas, acima de quaisquer diferenças de crenças religiosas, de pontos de vista políticos e filosóficos, homens e mulheres, jovens e velhos, operários, camponeses, intelectuais pobres, pequenos funcionários, comerciantes e industriais, soldados e marinheiros, oficiais das forças armadas, em ampla FRENTE DEMOCRÁTICA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL para a ação e para a luta com o seguinte programa:
Programa
1 — Por Um Governo Democrático e Popular
— Substituição da atual ditadura feudal-burguesa, serviçal do imperialismo, por um governo revolucionário, emanação direta do povo e legítimo representante do bloco de todas as classes e camadas sociais, de todos os setores da população do país que participem efetivamente da luta revolucionária pela libertação nacional do jugo imperialista, sob a direção do proletariado.
2 — Pela Paz e Contra a Guerra Imperialista
— Interdição absoluta da arma atômica, rigoroso controle internacional dessa interdição e condenação como criminoso de guerra do governo que primeiro utilizar essa arma de agressão e extermínio em massa. Luta efetiva pela paz, contra os provocadores de guerra e todas as medidas de preparação guerreira. Contra a política reacionária e guerreira do governo norte-americano, por uma política de paz e de luta efetiva pela paz no mundo inteiro e de apoio à luta anti-imperialista e de libertação nacional de todos os povos. Contra o Tratado do Rio de Janeiro e todos os demais tratados internacionais de guerra. Contra qualquer concessão de bases militares em nosso solo ao governo norte-americano. Imediato estabelecimento de relações comerciais e diplomáticas com a União Soviética, com a China Popular, com a Alemanha Democrática e todos os povos amantes da paz.
3 — Pela Imediata Libertação do Brasil do Jugo Imperialista
— Confiscação e imediata nacionalização de todos os bancos, empresas industriais, de serviços públicos, de transporte, de energia elétrica, minas, plantações etc., pertencentes ao imperialismo. Imediata anulação da dívida externa do Estado e denuncia de todos os acordos e tratados lesivos aos interesses da nação. Imediata expulsão do território nacional de todas as missões militares ianques, de todos os técnicos, agentes e espiões norte-americanos, como de todos os destacamentos militares ianques que ocupam nossa terra.
4 — Pela Entrega da Terra a Quem a Trabalha
— Confiscação das grandes propriedades latifundiárias com todos os bens móveis e imóveis nelas existentes, sem indenização, e imediata entrega gratuita da terra, máquinas, ferramentas, animais, veículos, etc., aos camponeses sem terra ou possuidores de pouca terra e a todos os demais trabalhadores agrícolas que queiram se dedicar à agricultura. Abolição de todas as formas semifeudais de exploração da terra, abolição da “meia”, da “terça”, etc., abolição do vale e obrigação de pagamento em dinheiro a todos os trabalhadores. Imediata anulação de todas as dívidas dos camponeses para com o Estado, bancos, fazendeiros, comerciantes e usurários.
5 — Pelo Desenvolvimento Independente da Economia Nacional
— Completa nacionalização das minas, das quedas d’água e de todos os serviços públicos. Nacionalização dos bancos e empresas de seguro, assim como de todas as grandes empresas industriais e comerciais de caráter monopolista ou que exerçam influência preponderante na economia nacional, com ou sem indenização, conforme a posição de seus proprietários na luta pela libertação nacional do jugo imperialista. Controle estatal do comércio externo, controle dos lucros dos grandes capitalistas, abolição dos impostos indiretos e instituição do imposto fortemente progressivo sobre a renda e ampla liberdade para o comércio interno. Ajuda estatal técnica e financeira para o cultivo da terra, estímulo ao cooperativismo e garantia de preço mínimo para a produção dos pequenos agricultores.
6 — Pelas Liberdades Democráticas Para o Povo
— Efetiva liberdade de manifestação do pensamento, de imprensa, de reunião, de associação, de organização sindical, etc. Direito de voto para todos os homens e mulheres maiores de 18 anos inclusive analfabetos, soldados e marinheiros. Abolição de todas as desigualdades econômicas e jurídicas que ainda pesam sobre a mulher. Completa separação da Igreja do Estado e ampla liberdade para, a prática de todos os cultos. Abolição de todas as discriminações de raças, cor, religião, nacionalidade, etc. Ajuda e proteção especial aos indígenas, defesa de suas terras e estímulo à sua organização livre e autônoma. Justiça rápida e efetivamente gratuita com juízes e tribunais eleitos pelo povo.
7 — Pelo Imediato Melhoramento das Condições de Vida das Massas Trabalhadoras
— Aumento geral dos salários inclusive, do salário mínimo familiar, que devem ser colocados no nível já atingido pelo custo da vida. Escala móvel de salários. Salário igual para igual trabalho, para homens, mulheres e menores. Abolição imediata da assiduidade de cem por cento. Aposentadorias e pensões que satisfaçam as necessidades vitais dos trabalhadores e suas famílias, e ajuda aos desempregados. Democratização da legislação social, sua ampliação e extensão aos assalariados agrícolas. Assistência social custeada pelo patrão e pelo Estado. Fiscalização dos direitos dos trabalhadores, bem como a administração da assistência social, entregue aos próprios trabalhadores por intermédio de seus sindicatos. Imediata melhoria da situação econômica dos soldados e marinheiros.
8 — Instrução e Cultura Para o Povo
— Ensino gratuito para todas as crianças entre 7 e 14 anos de idade e redução de todas as taxas e impostos que pesem sobre a instrução secundária e superior. Trabalho para a juventude que termina seus estudos. Apoio e estímulo à atividade científica e artística de caráter democrático.
9 — Por Um Exército Popular de Libertação Nacional
— Expulsão das forças armadas de todos os fascistas e agentes do imperialismo e imediata reintegração em suas fileiras dos militares delas afastados por motivo de sua atividade democrática e revolucionária. Livre acesso das praças de pré ao oficialato e suas respectivas corporações. Armamento geral do povo e reorganização democrática das forças armadas na luta pela libertação nacional e para a defesa da nação contra os ataques do imperialismo e de seus agentes no país.
A maioria esmagadora da nação não pode deixar de concordar com este programa revolucionário, de luta concreta e ação imediata, que sintetiza as aspirações de todos e que oferece a todos os verdadeiros democratas e sinceros patriotas uma perspectiva de liberdade, de paz, de independência e progresso para o Brasil.
Saibamos levar esse programa às mais amplas massas da população do país. Através da imprensa do povo, em comícios e assembleias populares, saibamos abrir a mais ampla discussão em torno de seu conteúdo, que precisa ser conhecido de todos os brasileiros. Mas é fundamentalmente através da luta pelas diversas reivindicações nele contidas que o programa se tornará conhecido do povo, ganhará as massas e transformar-se-á na grande bandeira e na força poderosa capaz de libertar o país do jugo imperialista. Nesse processo, organizando para lutar e aproveitando a luta para organizar, unificar-se-ão as forças populares e rapidamente crescerá e estruturar-se-á, a partir das organizações de base, a grande e poderosa FRENTE DEMOCRÁTICA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
As diferenças de crenças religiosas, de pontos de vista políticos e filosóficos não podem impedir a união de todos os democratas e patriotas em torno desse programa democrático de libertação nacional. Os esforços que fazem os agentes do imperialismo, assim como particularmente o Vaticano e a alta hierarquia da Igreja católica, para dividir nosso povo e arrastar, especialmente os católicos, na luta contra o proletariado mais consciente e revolucionário, contra os comunistas em particular, não pode ter sucesso, porque nem as calúnias do anticomunismo, nem a exploração dos sentimentos religiosos do povo poderão impedir que os democratas e patriotas participem da luta pela paz e libertação da pátria do jugo imperialista, que marchem conosco contra os traidores nacionais e os provocadores de guerra.
Chamamos a todos os trabalhadores das cidades e do campo, manuais e intelectuais, homens e mulheres, para a ação e para a luta por esse programa revolucionário e a todos convocamos para organizarem, sem perda de tempo, no país inteiro, amplos COMITÊS DEMOCRÁTICOS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
Dirigimo-nos a todas as personalidades de prestigio popular, aos dirigentes políticos efetivamente democráticos, aos intelectuais antifascistas e anti-imperialistas, aos verdadeiros lideres populares, e, a todos eles convocamos para que venham participar da FRENTE DEMOCRÁTICA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL e lutar pelo seu programa. Dirigimo-nos igualmente a todas as organizações operárias, as organizações de camponeses, de mulheres, de jovens, a todas as organizações populares e democráticas de qualquer caráter, e apelamos para que venham organizadamente engrossar as fileiras nacional-libertadoras, aderindo à FRENTE DEMOCRÁTICA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL e participando ativamente da luta pela vitória de seu programa.
Avançamos com coragem e audácia no caminho das lutas revolucionárias de massa. É este o caminho que de nós exigem os superiores interesses nacionais. À medida que se agrava a situação do país e aumenta o perigo de guerra no mundo inteiro, aumentam a radicalização e a combatividade das massas trabalhadoras. À frente delas não devemos recear as formas de luta mais altas e vigorosas, inclusive os choques violentos com as forças da reação e os combates parciais que nos levarão à luta vitoriosa pelo Poder e à libertação nacional do jugo imperialista.
Diante da campanha eleitoral em andamento e das ameaças, que não cessam, de golpes de Estado, o que precisamos fazer é acelerar a organização de nosso povo, desencadear lutas de massas, greves, demonstrações, etc., e intensificar, através das lutas parciais, a mobilização popular para a grande luta pela libertação nacional. O voto é um direito do povo que reclamamos. Já vimos como a justiça eleitoral e o parlamento, instrumentos servis das classes dominantes, atentam contra os mandatos dos verdadeiros representantes do povo, mas lutemos para conquistar tribunas parlamentares que devemos utilizar de maneira revolucionária. Saibamos utilizar a oportunidade para desmascarar sistematicamente os demagogos agentes da reação e do imperialismo e só votemos nos melhores filhos do povo que participem ativamente da grande luta pela paz e a libertação nacional, naqueles que sejam capazes, nos postos eletivos a que forem alçados de prosseguirem com energia redobrada a luta pela vitória revolucionária do programa da FRENTE DEMOCRÁTICA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL.
Mas o essencial é saber aproveitar a atual campanha eleitoral para organizar o povo, esclarecê-lo, alertá-lo diante dos perigos que o ameaçam e levá-lo à luta. Só assim estaremos preparados para enfrentar a eventualidade dos golpes “salvadores”, que exigem resposta imediata das massas. Só à frente das massas e com a força das massas organizadas estaremos em condições de transformar os golpes de Estado reacionários, que visam a implantação imediata e brutal do fascismo em nossa terra, em luta armada pela libertação nacional, contra a ditadura terrorista, pela vitória da revolução e a conquista da democracia popular.
CONCIDADÃOS! TRABALHADORES!
NÃO VOS deixeis esfomear e massacrar sem luta; não vos deixeis arrastar como gado de corte para a carnificina de uma nova guerra imperialista! Nas condições atuais, o essencial é lutar, não capitular diante das dificuldades, não temer que as lutas mais elementares se desenvolvam e levem aos combates parciais. Lutai com firmeza contra a ditadura policial e terrorista de Dutra, por um governo democrático popular que liberte o país do jugo imperialista! A luta contra a guerra e o imperialismo ê fundamentalmente uma luta pela derrocada das atuais classes dominantes, uma luta pelo Poder, que, quando alcançado, mesmo transitoriamente ou em âmbito restrito, deve sempre servir para mostrar às massas populares o que lhes pode dar o governo democrático popular — especialmente, pão, terra e liberdade.
COMPATRIOTAS!
Lutai em defesa da paz! Exijamos a interdição absoluta da arma atômica. Que milhões de brasileiros subscrevam o Apelo de Estocolmo e imponham sua vontade contra o emprego da bomba atômica, arma de terror e de extermínio em massa.
OPERÁRIOS!
Organizai vossas forças nos locais de trabalho e unificai vossas fileiras em âmbito local, regional e nacional. Lutai contra a carestia da vida, por maiores salários, contra a assiduidade de 100 por cento, que diminui arbitrária e brutalmente os salários. Vossas mulheres e filhos não podem morrer de fome para que enriqueçam os patrões e o governo consiga dinheiro para a guerra. Defendei na prática o direito de greve e lutai pelas liberdades civis, pela liberdade sindical, contra o roubo do imposto sindical que engorda os traidores da classe operária. Lutai pela paz e a independência nacional!
TRABALHADORES DO CAMPO!
Assalariados, peões, meeiros, parceiros, colonos, arrendatários, trabalhadores do eito! Organizai-vos nas fazendas e nas aldeias. Lutai pelos vossos interesses econômicos, Por maiores salários, pelo pagamento do salário em dinheiro e quinzenalmente, contra o vale e os preços extorsivos do armazém ou barracão. Lutai pela completa liberdade de organização e de locomoção dentro do latifúndio, contra a expulsão da terra, pelo direito de prorrogação de todos os contratos, por uma menor taxa de arrendamento, pela liberdade para a venda no mercado de toda a produção. Lutai contra a guerra imperialista, em defesa da paz e pela posse da terra; por um governo democrático popular que vos ajude a tomar a terra dos latifundiários e a distribuí-la sem indenização entre os trabalhadores do campo.
MULHERES DO BRASIL!
Sois as primeiras e as maiores vítimas da guerra e do terror fascista. Operárias e camponesas, donas de casa, mães e esposas! Sois vós que primeiro sentis as agruras produzidas pela fome em vossos lares. Com vossa tradicional coragem e decisão impedi o crime de mais uma guerra imperialista! Organizai-vos para a luta contra a fome e a carestia da vida. A libertação nacional do jugo imperialista exige vossa participação ativa — é a bandeira por que já tombaram Zélia e Angelina, e que continua em vossas mãos.
JOVENS TRABALHADORES E ESTUDANTES!
Lutai pela vida, contra o crime de mais uma guerra imperialista. Lutai por um Brasil livre e progressista, que vos possa assegurar um futuro melhor, diferente da dura realidade atual. Depende muito de vós, do vosso patriotismo generoso e audaz, da vossa energia e capacidade de luta, do vosso espírito de organização, do vosso esforço no sentido de levantar e unir toda a juventude brasileira contra a mais infame de todas as guerras, está em vossas mãos o futuro do Brasil e o destino de seu povo. Lutai pelo progresso social, lutando pela democracia de verdade, sem latifundiários e tubarões capitalistas e seus políticos venais. Lutai pela independência nacional do jugo imperialista, como única maneira que efetivamente nos resta para livrar o país da guerra imperialista e do terror fascista que já ameaçam o nosso povo.
SOLDADOS E MARINHEIROS!
Os operários e camponeses são vossos irmãos — não vos presteis a instrumento de um governo de traição nacional que manda atirar no povo para poder mais facilmente entregar o Brasil aos imperialistas. Lutai dentro do quartel e do navio contra as brutalidades e as perseguições, contra a disciplina fascista, pelo direito de reunião e de discussão de vossos problemas, pelo direito a melhor alimentação, por um soldo que vos permita uma vida digna. Lutai pelo governo democrático popular que vos assegurará o direito à instrução e ao livre acesso ao oficialato do Exército Popular de Libertação Nacional. Lutai contra a guerra imperialista e não participeis como instrumento dos generais fascistas na perseguição e na ação terrorista contra os filhos do povo que estão lutando pela independência do Brasil.
COMPATRIOTAS!
Exijamos a imediata denúncia do Tratado do Rio de Janeiro, da Carta de Bogotá e demais compromissos do pan-americanismo reacionário, em que se baseia a ditadura para tentar arrastar nosso povo nas aventuras guerreiras do imperialismo americano. Exijamos a imediata anulação de todas as concessões e de todos os acordos internacionais lesivos aos interesses da nação.
Lutemos pela expulsão imediata do território nacional de todas as missões militares ianques, assim como de todos os destacamentos militares ianques que ocupam nossa terra e ofendem nossa soberania, saiam do Brasil esses intrusos e criminosos e todos os agentes, técnicos, especialistas, policiais e espiões norte-americanos que nos querem reduzir à condição infame de povo colonizado e escravo.
Lutemos pela paz contra qualquer participação na criminosa intervenção guerreira de Truman na Coréia e na China. Nada, mas absolutamente nada para a guerra imperialista! Nenhum soldado do Brasil para ajudar a agressão americana na Coréia. A luta dos povos asiáticos contra o imperialismo é parte integrante de nossa própria luta pela independência do Brasil do jugo imperialista. Que os norte-americanos saiam imediatamente da Coréia.
Lutemos pela liberdade e a democracia! Contra a Lei de Segurança! Contra o terror policial, exijamos a punição dos assassinos do povo! Abaixo a ditadura sanguinária de Dutra, por um governo democrático popular!
Viva a União Soviética e os povos que lutam pela paz!
Viva a união dos povos da América Latina livres do jugo do imperialismo norte-americano!
Viva a união do povo brasileiro e sua organização de luta — a FRENTE DEMOCRÁTICA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL!
Viva o Brasil livre, independente e progressista!
LUIZ CARLOS PRESTES
(Pelo Comitê Nacional do Partido Comunista do Brasil)
Rio, 1º de Agosto de 1950