CEM FLORES

QUE CEM FLORES DESABROCHEM! QUE CEM ESCOLAS RIVALIZEM!

100 anos de Comunismo, Cem Flores, Destaque, Lutas, Movimento operário, Nacional

A Viragem na Linha Política do PCB Após a Cassação: o Manifesto de Janeiro de 1948

100 Anos do Comunismo no Brasil

Manifestação contra a cassação dos mandatos parlamentares do PCB reprimida pela polícia na Praça da Sé, em São Paulo.

Cem Flores

24.11.2023

A partir de 25 de março de 2022, data do centenário do Congresso de fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB), o Cem Flores iniciou a publicação de uma série de documentos históricos dos 100 Anos de Comunismo no Brasil, com apresentações próprias. Tivemos que interromper essas publicações em meados do ano passado, para nos dedicarmos à luta política que então se travava no país, em contexto eleitoral, nos posicionando contra a extrema-direita, fascista, e o reformismo/oportunismo. Nossas intervenções naquela conjuntura originaram o livro digital Quem São Nossos Inimigos? Quem São Nossos Amigos? Essas São Questões Fundamentais! A conjuntura econômica e política brasileira e a posição comunista, de setembro de 2022, que também conta com versão impressa. Em seguida, tivemos que enfrentar o acúmulo de tarefas necessárias para finalizar nosso Documento Base, lançado em agosto deste ano. Esta publicação marca o retorno da série dos 100 Anos de Comunismo no Brasil, que esperamos concluir no próximo ano.

Nossos objetivos com essas publicações são, em primeiro lugar, estudar coletiva e criticamente nossa própria história comunista para aprender com nossos acertos e com nossos erros. A partir de nossas conclusões provisórias, divulgar aos/às camaradas e leitores/as essas nossas avaliações sobre momentos-chave dessa história e sobre as linhas políticas adotadas. Com isso, esperamos contribuir para estimular o debate comunista que ilumine nossa teoria, nossa política e nossa ação militante na difícil conjuntura atual da luta de classes em nosso país.


Leia as publicações do Cem Flores sobre os 100 Anos de Comunismo no Brasil:

100 Anos de Comunismo no Brasil, de 25.03.2022.

3º Congresso do Partido Comunista do Brasil (PCB), dezembro de 1928 a janeiro de 1929, de 23.04.2022.

1ª Conferência Nacional do Partido Comunista do Brasil (PCB), julho de 1934, de 08.05.2022.

Manifesto da Aliança Nacional Libertadora (ANL), 5 de julho de 1935, de 20.05.2022.

União Nacional para a Democracia e o Progresso, discurso de Luiz Carlos Prestes, 23 de maio de 1945, de 01.07.2022.


  1. A conjuntura política mundial no imediato pós-guerra e a posição comunista

Os anos 1945-47 representaram uma reviravolta para os/as comunistas brasileiros. A conjuntura internacional de 1945 era a da completa vitória militar da União Soviética e dos países aliados, que esmagaram totalmente o nazi-fascismo. A partir da heroica vitória em Stalingrado, o Exército Vermelho avançou de forma invencível até Berlim, libertando no caminho os campos de concentração nazistas e os países ocupados, em conjunto com a resistência. O vitorioso poder soviético trouxe um prestígio mundial inigualado para o Socialismo, fortalecendo os Partidos Comunistas em todos os países.

O movimento comunista internacional, reforçando a errônea política de frente ampla do 7º Congresso da Internacional Comunista (1935), adotou uma posição reformista no imediato pós-guerra, de manutenção prolongada das alianças com os países imperialistas e de “desenvolvimento pacífico (Stálin, citado por Prestes em seu discurso no estádio de São Januário, em maio de 1945), com a União Soviética não mais apoiando tentativas revolucionárias ao redor do mundo, em especial na Europa. No Brasil, essa posição representava a política de união nacional em torno de Vargas, “não poupando esforços para encontrar sempre a solução harmônica e pacífica de todas as divergências e contradições de classes que porventura nos possam separar e dividir”, com os/as comunistas atuando de forma “pacífica, dentro da ordem e da lei” (Prestes).

No entanto, já em março de 1946, Churchill pronunciou nos EUA o famoso discurso sobre a “Cortina de Ferro”, marco político para a ofensiva dos países imperialistas contra a União Soviética e os países do Leste Europeu. Três anos depois estaria criada a OTAN e, em 1950, os antigos aliados se enfrentariam militarmente na Guerra da Coreia. A posição política dos/as comunistas, de aliança com o imperialismo, mostrou-se uma ilusão reformista e, em muitos casos, também oportunista.

  1. A conjuntura política brasileira no imediato pós-guerra

Em 1945 ocorreram uma maior abertura da democracia burguesa e a derrubada do Estado Novo. No final de fevereiro foi anunciada a convocação de eleições gerais que, em fins de maio, foram marcadas para 2 de dezembro para eleger o novo presidente da república, senadores e deputados federais. Em 18 de abril foi decretada a anistia política – conquista de anos de mobilização popular com a intensa participação comunista. Prestes foi libertado do cárcere no dia seguinte, após 9 anos de prisão, juntamente com os demais presos políticos do Partido. Nessas novas condições da democracia burguesa, o PCB realizou enormes comícios, com mais de 100 mil pessoas no Rio de Janeiro (maio), São Paulo (julho) e Recife (novembro).

O Estado Novo foi derrubado por um golpe militar chefiado pelos generais Gois Monteiro e Dutra no final de outubro, pouco mais de um mês antes das eleições presidenciais, impedindo Vargas de concorrer e elegendo o golpista Dutra. O PCB também conquistou a legalidade, tendo seu registro deferido pelo TSE em 10 de novembro e concorrendo às eleições que se realizaram menos de um mês depois, nas quais obteve 10% dos votos para presidente, elegeu Prestes senador com a segunda maior votação do país (apenas atrás de Vargas) e constituiu a quarta maior bancada de deputados federais, com 14 comunistas.

O PCB cresceu enormemente nesse cenário do Socialismo vencedor da guerra, de abertura democrática no país e de sua legalização. De estimados 50 mil membros no começo de 1945, dobrou de tamanho no final do ano e chegou a 200 mil filiados em 1946. No Rio de Janeiro, o Partido chegou a organizar 500 células – algumas com 2 mil militantes, como as da Central do Brasil e do Arsenal de Marinha – e em São Paulo, mais de 350, incluindo células operárias na zona leste com mais de mil militantes e, em Santos, com 600 estivadores. A imprensa do Partido reunia dezenas de jornais em diversas cidades do país, além de revistas teóricas. Em abril de 1944, o Partido havia estimulado a criação do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), com 300 militantes sindicais, e, depois, da Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB). Comitês Populares foram organizados para a luta contra a carestia, o analfabetismo e pela democratização. O PCB também se engajou fortemente nas manifestações por uma nova assembleia constituinte.

No entanto, o Partido manteve nesses anos, até 1947, uma linha política reformista, de conciliação nacional com a burguesia, como analisamos detalhadamente na publicação anterior desta série sobre os 100 anos do comunismo no Brasil.

Manifestação pela convocação de uma assembleia constituinte em 1946.

  1. A posição política reformista do PCB (1945-47)

A linha política reformista do Partido, explicitada no “Pleno da Vitória” e nos discursos de Prestes de 1945, se manteve até o final de 1947, muito embora a conjuntura já tivesse se alterado para maior fechamento da democracia burguesa e ampliação da repressão às massas trabalhadoras e aos/às comunistas. Dutra era abertamente de direita, reacionário, anticomunista e repressivo, além de aliado incondicional do imperialismo dos EUA, tendo passado seus quatro anos de governo em clima de estado de sítio constante. Já em março de 1946, decretou o MUT fora da lei. No 1º de maio enfrentou a manifestação de trabalhadores/as e comunistas com tanques e canhões. A manifestação de maio no Rio de Janeiro, em comemoração ao primeiro aniversário da legalização do PCB, foi dispersada por rajadas de metralhadoras que mataram os operários Altair Figueira e Joaquim Coelho e deixaram centenas de feridos e de presos. Mais de mil operários foram processados com base na lei de segurança nacional durante o governo Dutra.

Em 15 de julho de 1946, as resoluções da 3ª Conferência Nacional do Partido (não encontramos essas resoluções disponíveis na internet, apenas o Informe de Prestes) confirmam a política reformista. A conferência define como “objetivo principal a luta pela existência legal” do PCB. A forma dessa luta era “utilizar todos os recursos legais”, tendo “o maior cuidado contra as provocações”, mantendo o “acatamento às decisões do governo”, devendo os/as comunistas “acatar as decisões das autoridades e lutar pela solução pacífica dos problemas nacionais”. A Conferência não apenas mantém como “exige cada vez mais o reforçamento da luta pela União Nacional” com a “burguesia progressista”. A posição diante do governo é de “apoio franco e decidido aos seus atos democráticos” (quais?), mas de “luta intransigente, se bem que pacífica, ordeira e dentro dos recursos legais, contra qualquer retrocesso”.

Diante dessas posições abertamente reformistas, a afirmação de que o “essencial, enfim, está na verdadeira mobilização de massas”, os chamados à organização pelas bases, ao fortalecimento do movimento sindical e à mobilização camponesa a partir de suas reivindicações concretas e imediatas tiveram resultados bastante limitados. Essas posições reformistas vinham, paradoxalmente, de um Partido experimentado nas lutas revolucionárias e na clandestinidade. Dos 94 delegados à Conferência, 68 haviam sido presos políticos do Estado Novo, acumulando mais de 150 anos de prisão.

Aquele “objetivo principal” vinculava-se a um fato ocorrido pouco menos de quatro meses antes. Em 23 de março, logo após a abertura da constituinte, foram feitos dois pedidos de cassação do registro eleitoral do PCB junto ao TSE. Um pela “promoção de greves e da luta de classes, vinculação com o comunismo soviético e violação dos princípios democráticos e direitos fundamentais do homem”. O outro, “alegando o caráter ditatorial e internacionalista da agremiação”, acusada de “estar a serviço da União Soviética e que, em caso de guerra, seus militantes lutariam contra o Brasil”. Em ambos os casos, meros pretextos submetidos a um ligeiro verniz jurídico, para a repressão ao Partido. Como a história nos ensina repetidamente, isso basta no regime de exploração e opressão capitalista chamado democracia burguesa.

A constituição – elaborada sob ameaça constante de dissolução pelo governo, sob um verdadeiro estado de sítio – foi promulgada em 18 de setembro de 1946 e teve participação combativa dos parlamentares comunistas. Essa participação se mede não apenas por cerca de 180 emendas apresentadas (quase sempre rejeitadas), mas pelos temas defendidos pelos comunistas. O programa dos comunistas na constituinte era basicamente de ampliação das liberdades democráticas (mandatos revogáveis; juízes eleitos; direito universal e irrestrito de voto; liberdade de opinião, reunião, associação; completa igualdade, sem discriminação de sexo, religião, raça ou nacionalidade; separação estado/religião, com liberdade religiosa e ensino laico e universal), além da reforma agrária e da nacionalização dos monopólios.

A constituição aprovou, sem regulamentar, o direito de greve. Regulamentado pelo governo Dutra, longe de ser irrestrito, continuava sujeitando trabalhadores/as que realizassem greves não autorizadas a “falta grave … e … rescisão do contrato de trabalho”. Mais que isso, estariam sujeitos a “prisão preventiva”, sem “fiança, nem suspensão da execução da pena” e “os recursos não terão efeito suspensivo”. Os sindicatos teriam “destituídos de plano os responsáveis pela direção do sindicato que fica sujeito a intervenção do poder público”. Em toda democracia burguesa, os “direitos” dos/as trabalhadores/as, ainda que declamados em tese, são restringidos na lei, no judiciário ou pela polícia. Isso era tão válido em 1946 quanto o é hoje.

Em 1947 o PCB viveria seus últimos momentos de legalidade plena nas próximas quase quatro décadas. Nas eleições suplementares de 19 de janeiro, o PCB elegeu mais dois deputados federais (Pedro Pomar e Diógenes Arruda, pela legenda do PSP). Nas eleições estaduais teve pouco menos de 10% dos votos (480 mil em 5,1 milhões), elegendo 46 deputados estaduais (no total de 855) em 15 estados. Nas municipais, elegeu 18 dos 34 vereadores do Rio de Janeiro, então Distrito Federal. Também conseguiu maioria nas câmaras de vereadores de Santos e Sorocaba, além das prefeituras de Santo André (SP) e Jaboatão (PE). Mas o PCB também realizou alianças eleitorais oportunistas, sem critérios de classe, revolucionários. Em São Paulo, apoiou para governador Adhemar de Barros, um velho político membro da oligarquia cafeeira, ex-interventor federal em São Paulo na ditadura Vargas, indicado por Filinto Müller, e ex-membro da UDN.

Pedro Pomar e Prestes apoiando Adhemar de Barros, na eleição de janeiro de 1947 para o governo de São Paulo.

A confiança na legalidade burguesa era tanta que no seu aniversário de 25 anos de fundação, o Partido publicou as teses para discussão do 4º Congresso, previsto para maio. Exatamente nesse mês o TSE cassou o registro eleitoral do PCB e o Partido caiu na clandestinidade. O 4º Congresso só seria realizado sete anos depois, em 1954. A decretação da ilegalidade do PCB foi acompanhada de forte onda repressiva contra o Partido, seus/suas militantes e suas organizações, os sindicatos e os/as trabalhadores/as. Sedes do Partido e casas de militantes foram invadidas, centenas de células foram fechadas em todo o país, especialmente no Rio, São Paulo e Porto Alegre, assim como a CTB e centenas de sindicatos, que sofreram intervenção federal, e todos os jornais ligados ao PCB foram empastelados. Esse processo se completaria no começo de janeiro de 1948, com a cassação dos mandatos parlamentares do Partido.

Assim como ocorreria em 1964, o PCB foi surpreendido pela ofensiva autoritária e repressiva das classes dominantes no país. Diferentemente de 1964, o Partido conseguiu reagir ao golpe que sofreu, realizando uma autocrítica de sua posição reformista e buscando construir uma posição de classe, proletária e revolucionária.

  1. O Manifesto de Janeiro de 1948

No final de janeiro de 1948, poucas semanas após a cassação dos mandatos dos seus parlamentares, o PCB divulgou um histórico Manifesto – diretamente causado pela ilegalidade do Partido na democracia burguesa – rompendo com a linha reformista anterior e apontando para a construção de uma posição revolucionária. O Manifesto de Janeiro de 1948 (publicado na revista partidária Problemas, em abril daquele ano) parte da mudança da conjuntura, caracterizada como “profundamente diferente daquela em que nos encontrávamos em 1945”, em função de um amplo conjunto de restrições às liberdades democráticas burguesas: a “liberdade sindical foi praticamente anulada com a dissolução da CTB e das reuniões sindicais, além da intervenção ministerial ou policial em toda a vida sindical”; o “direito de greve está praticamente anulado com a sistemática prisão de grevistas e com as recentes condenações de grevistas em São Paulo”. Além disso, foram impostas severas restrições ao direito de reunião e de associação e à liberdade de imprensa.

O PCB passou a avaliar que uma “ofensiva reacionária se manifesta hoje em todos os terrenos, econômico, político e ideológico. No campo da luta de classes econômica, isso se traduzia em “exploração cada vez maior das grandes massas trabalhadoras, através o encarecimento crescente do custo da vida, a ofensiva patronal contra os salários e as principais conquistas da legislação trabalhista e o forçado congelamento de salários”. Mutatis mutandis, o capitalismo é sempre o mesmo…

Essa “viragem” política para uma posição revolucionária continuaria até 1954, data da realização do 4º Congresso do PCB, com a divulgação do seu Programa, e passaria pela decisão do Comitê Central de maio de 1949 e pelo fundamental Manifesto de Agosto de 1950. Todos esses documentos serão analisados nas próximas publicações desta série.

Como vimos na publicação anterior, o PCB se manteve numa linha política reformista e de conciliação de classes por uma década, até ser duramente golpeado pela burguesia, em 1947-48. A autocrítica dessa política e a busca de uma posição revolucionária duraram pouco mais de meia dúzia de anos. Já em 1955, e até 1964, o reformismo, a conciliação de classes, o institucionalismo e o reboquismo à burguesia voltaram a predominar, até o Partido ser mais uma vez golpeado pelas classes dominantes. Novamente, os/as comunistas buscaram construir uma posição revolucionária, agora na resistência à ditadura militar. Essa nossa visão das posições comunistas no Brasil está mais desenvolvida no capítulo 3 do nosso Documento Base.

É nossa tarefa atual imprescindível de comunistas analisar criticamente essa nossa linha política pendular, os limites de nossas formulações e de nossa prática revolucionária, e as razões dos seguidos retrocessos. Essa crítica em muito contribuirá para o cumprimento dos nossos deveres revolucionários do presente.

4.1. Autocrítica

Um dos principais aspectos do Manifesto de Janeiro de 1948 é sua clara, aberta e dura autocrítica, mostrando sem subterfúgios o reformismo da linha política anterior e suas consequências práticas para o Partido e a luta de massas. O oportunismo do PCB se manifestava na defesa da ordem, da tranquilidade e do governo (durante certo período, de maneira incondicional), com a consequente orientação para atuação apenas nos mais estritos limites legais da democracia burguesa. As ilusões reformistas também envolviam a política de união nacional e de colaboração/conciliação de classes, inclusive ao custo da sabotagem da luta de massas.

Uma das causas que o Manifesto de Janeiro de 1948 aponta para esse reformismo do PCB eram suas ilusões reformistas com as “vitórias democráticas. Como vimos, em 1945 ocorreu a vitória sobre o nazifascismo, acarretando imenso prestígio mundial ao Socialismo. Isso, juntamente com a maior abertura democrática do país, a derrubada da ditadura Vargas, a libertação dos presos políticos e as eleições, ampliou enormemente a influência do Partido. Nas palavras do Manifesto, isso também gerou “grandes ilusões reformistas em conquistas parlamentares ou dentro dos estreitos limites da democracia burguesa”. Mesmo sendo uma citação de um texto de 1948, podemos facilmente dizer que se aplica integralmente à “esquerda” brasileira deste século 21…

A conjuntura de maior democracia burguesa e de crescimento do Partido permitiu que “nos subissem à cabeça os êxitos e perdêssemos em grande parte o sentido da realidade e a capacidade crítica e autocrítica”. Somado à “preocupação de ordem e tranquilidade”, o PCB terminou desarmado política, ideológica e organizativamente. O Manifesto avalia, autocriticamente, que “não conseguimos … quebrar a apatia e a passividade que ganhavam nossas fileiras, nem muito menos mobilizar as massas”. Mais grave ainda, “fomos silenciando cada vez mais a respeito de nossos objetivos revolucionários e caindo insensivelmente nos limites de um quadro estritamente legal.

Essa pode ser a própria definição do reformismo, o abandono da luta revolucionária, seu “adiamento” perpétuo e sua substituição pela luta por “conquistas possíveis” nos estreitos marcos da democracia burguesa. Ou seja, daquilo que nos é, temporariamente, permitido por nosso inimigo de classe.

A isso se juntava o que o Manifesto chama de “colaboração de classe” – e que nós definimos, mais rigorosamente, como subordinação do proletariado à burguesia. O PCB, do final dos anos 1930 até 1947, chegava ao cúmulo de evitar “de fato, falar sobre nossos objetivos estratégicos”, ou seja, Revolução e Socialismo. O objetivo era não espantar os aliados da classe dominante – novamente, algo bem presente para a “esquerda” das atuais frentes amplas multiclassistas. No seu lugar entravam a “preocupação de ordem e tranquilidade, de mão estendida ao governo”. O Manifesto é duro e preciso na qualificação autocrítica dessa política: tratava-se de um silêncio criminoso.   

Mais concretamente, essa política reformista, oportunista e direitista

se caracteriza … pela sistemática contenção da luta das massas proletárias em nome da colaboração operário-patronal e da aliança com a ‘burguesia-progressista’, assim como pela pouca atenção dada às lutas dos trabalhadores rurais contra o latifúndio”.

Da “colaboração de classes” à sabotagem da luta de massas é só um pulo. O PCB parecia

ver em qualquer greve ou movimento de massas espontâneo uma provocação perigosa e sempre contrária aos interesses do proletariado … quando as massas espontaneamente se lançavam à luta, eram os comunistas que delas fugiam ou as afastavam da luta em nome da ordem, para evitar ‘provocações’, ou … para evitar o suposto ‘mal maior’”.

Mais do que uma ilusão conjuntural com “vitórias democráticas”, esse reformismo e oportunismo do PCB têm fundamentos estratégicos na própria política do Partido. Em primeiro lugar, a estratégia de uma “revolução” “pré-socialista” terminou por atribuir a esse processo, que o Partido afirmava que devia liderar, a responsabilidade pela realização de “tarefas burguesas”, como o desenvolvimento das forças produtivas (capitalistas) e a industrialização (burguesa). Assim, o PCB defendia, implicitamente, a taxa de lucro necessária ao investimento burguês, seja diretamente, pelo capital privado nacional ou estrangeiro, seja indiretamente, pelo investimento estatal e pelo crédito favorecido dos bancos públicos. E, claro, quem defende as taxas de lucro da burguesia também defende, necessariamente, a exploração da classe operária e das demais classes trabalhadoras pelo capital. Assim, a política do PCB passou, cada vez mais explicitamente, a tentar “justificar” o injustificável e conciliar o inconciliável.

Em segundo lugar, o PCB passou a considerar, a partir de 1935, que a burguesia (suas frações mais importantes, majoritárias) fazia parte das “forças revolucionárias” (sic!). Com isso, objetiva e subjetivamente, na teoria e na prática, terminou por subordinar os interesses próprios do proletariado à uma hipotética aliança com a burguesia. Ou seja, tratando-se de classes antagônicas, o PCB objetivamente “justificava” e defendia a exploração do proletariado pela burguesia. Exatamente o oposto do que deve ser a política e a ação de um Partido Comunista e Revolucionário.

Na autocrítica de janeiro de 1948, o PCB avalia como consequência dessa política reformista e oportunista a desorganização política das massas:

Falta organização de massas, desapareceram pouco a pouco os Comitês democráticos e populares fundados em 1945, não há organização sindical, falta qualquer organização ponderável de grandes massas de trabalhadores rurais, nem as mulheres nem os jovens possuem organizações específicas para a defesa de seus interesses, em resumo, é alarmante a fraqueza orgânica das forças populares e democráticas do país”.

Devemos lembrar que esse diagnóstico foi feito pelo PCB olhando para um Partido que, como exposto acima, chegou a ter 200 mil militantes. Na clandestinidade após 1947-48, o Partido deve ter perdido 80% desse total. Também nesse caso, o diagnóstico do PCB de 1948 é desgraçadamente atual. Há décadas sem uma forte posição comunista e revolucionária, com força de massas, os/as trabalhadores/as apresentam uma “alarmante fraqueza orgânica” no Brasil atual.

Publicação de 1952, em homenagem a Prestes e ao 30º aniversário do PCB, defende o Manifesto de Janeiro de 1948 como “o caminho da Revolução”.

4.2. Manutenção das definições sobre a formação econômico-social brasileira e sobre o processo revolucionário

A forte autocrítica do Manifesto de Janeiro de 1948, no entanto, não se estende para a visão estratégica, que se mantém praticamente inalterada desde os anos 1930. O Brasil continua sendo interpretado como um país atrasado, semicolonial e semifeudal, dominado pelo imperialismo em aliança principalmente com o latifúndio. O desenvolvimento capitalista seguiria sendo entravado e deformado pelo imperialismo. A burguesia nacional seria objetivamente interessada na ruptura com o latifúndio e o imperialismo e, portanto, estaria compondo o conjunto das classes revolucionárias. Nessa situação, o processo revolucionário brasileiro seguiria tendo natureza democrático-burguesa (tendo como tarefas realizar a revolução agrária e ampliar as liberdades democráticas) e nacional libertadora (tarefas anti-imperialistas).

A autocrítica explicita os limites das “vitórias democráticas”, mostrando sua incapacidade de alterar a estrutura social do país: “nenhuma das conquistas realizadas pelos trabalhadores, pelas forças efetivamente democráticas, conseguiram até agora modificar a estrutura econômica do país, que continua semifeudal e semicolonial”.

Portanto, a visão do PCB sobre a formação econômico-social brasileira permaneceu a mesma, baseada no “atraso” das forças produtivas, causado pela “estrutura econômica, atrasada, semifeudal e semicolonial, que constitui obstáculo principal ao progresso nacional”. Obviamente, não é papel dos/as comunistas defender uma posição nacionalista sobre o “progresso nacional” – que distorce ou esconde a contradição entre exploradores e explorados. Esse nacionalismo também está presente em outra formulação sobre o “atraso” nacional:

causa fundamental da miséria, do atraso, da ignorância em que se debatem, está no atraso de nossa economia, na miséria da renda nacional, nos restos feudais que ainda impedem a penetração do capitalismo na agricultura, na exploração do nosso povo pelos trustes e monopólios estrangeiros”.

Dessa interpretação sobre a estrutura econômico-social do país e de sua situação conjuntural surge então a conclusão sobre os/as comunistas deverem estimular o desenvolvimento capitalista no Brasil, tanto na indústria quanto na agricultura, e apoiar a burguesia nacional, pretensamente anti-imperialista. Dessa forma, a etapa que estaria diante do PCB seria realizar uma “revolução agrária e anti-imperialista”, que implicaria na “substituição do governo da reação e do imperialismo ianque por um governo efetivamente popular, democrático e progressista”. Em suma, tratava-se de conquistar um “governo efetivamente democrático e progressista, capaz de iniciar a solução dos grandes problemas da revolução agrária e anti-imperialista — este o nosso objetivo estratégico e fundamental”.

Comprovando o que mostramos anteriormente, o Socialismo estava tão “longe” (na verdade, ausente do horizonte do Partido) para o PCB que o seu “objetivo estratégico” se limitava a um “governo efetivamente democrático e progressista”. Transcrevemos abaixo os seis pontos do Manifesto que detalham seu programa:

“1) a defesa da independência nacional contra a intervenção imperialista … defesa de nossas riquezas naturais, particularmente o petróleo, contra as concessões aos monopólios norte-americanos;

2) a defesa das liberdades populares e das conquistas democráticas que o governo procura de todas as maneiras eliminar e … a luta pela liberdade dos perseguidos políticos, presos e condenados;

3) a defesa do nível de vida das massas trabalhadoras, contra a desvalorizarão do cruzeiro e o mercado negro, em defesa do poder aquisitivo do salário, contra a carestia da vida;

4) a defesa dos interesses dos camponeses, desde os colonos e arrendatários até os sitiantes e pequenos proprietários por meio de melhores condições de arrendamento, contra os impostos crescentes, por ferramentas, adubos e sementes mais baratos, por crédito mais fácil, por transportes, pelo livre comércio, etc.;

5) a defesa da indústria nacional contra a concorrência imperialista, pela industrialização do país e maior facilidade de crédito aos pequenos e médios industriais;

6) a defesa do povo contra a injustiça, a desigualdade crescente, a corrupção, todas as forças enfim de exploração econômica e de especulação, assim como contra todas as decisões reacionárias e demagógicas que visam impedir qualquer medida que leve à reforma da estrutura econômica do país, como são a reforma agrária, nacionalização e controle dos bancos, do comércio externo, anulação das concessões ao capital estrangeiro monopolista, etc.”.

Esse programa busca refletir o que o PCB entendia serem as aspirações das classes sociais “revolucionárias”, compostas pelos/as trabalhadores/as, principalmente urbanos no item 3, e rurais, no item 4; e pela burguesia nacional, no item 5.  Além desses pontos, temos a pauta anti-imperialista (1) e democrática (2) e um resumo sobre a “reforma da estrutura econômica do país” (6) ambicionada pelo processo revolucionário, de claro caráter anti-imperialista e anti-latifundiário.

4.3. As classes revolucionárias e a manutenção do papel da burguesia

A manutenção da interpretação anterior sobre a formação econômico-social brasileira e sobre o processo revolucionário também implica manutenção da formulação sobre as classes revolucionárias. Além disso, o caráter anti-imperialista permanece transformado numa postura nacionalista, de “união nacional”. Assim, o PCB, mesmo que na busca por construir uma posição revolucionária, pode fazer chamados a “nós, comunistas, e todos os democratas e patriotas, todos os que se preocupam com o futuro da pátria”. Isso porque podem ser ganhos “para o campo da democracia, da independência e do progresso nacional, os democratas e patriotas honestos que ainda vacilam e se deixam levar pela demagogia ou enganar pela propaganda ideológica do imperialismo”.

As contradições inconciliáveis de classe entre burguesia e proletariado, entre explorados e exploradores, em plena ofensiva dos patrões, permanecem em segundo plano. A suposta oposição principal entre “democratas e patriotas” contra o imperialismo e o latifúndio oporia a esmagadora maioria da nação (“todas as outras camadas sociais e categorias de cidadãos”) contra uma pequena minoria de traidores, que também inclui grandes capitalistas vendidos ao estrangeiro.

A formulação do PCB, constante do Manifesto de Janeiro de 1948, permanecia defendendo que o proletariado, e seu partido de vanguarda, seria a classe dirigente do processo revolucionário. No campo, a Revolução também contaria com os/as “trabalhadores rurais, desde o médio e pequeno sitiante até o arrendatário, o agregado, o colono e o assalariado”. A pequena burguesia era definida como composta pelas “camadas mais pobres e desesperadas das classes médias e da burguesia menos abastada”. Naturalmente vacilante, sua organização precisaria “de uma ação enérgica dos democratas mais esclarecidos e avançados e, em particular, das forças de vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores”.

A análise de classes comete um erro fundamental ao tratar das forças armadas, definidas como de “composição democrática, apesar de dominadas por um pequeno grupo de generais fascistas e entreguistas. Essa ilusão com o caráter “nacionalista” das forças armadas – entendido pelo PCB como sinônimo de anti-imperialista – cobraria seu preço em diversos episódios dos anos 1940 a 1960, em especial em 1964.

Em relação à burguesia, permaneceu a ilusão com a possibilidade de ela adotar (ao menos potencialmente) uma posição anti-imperialista. O PCB parte da evidente dominação imperialista e das questões concorrenciais que opõem os capitais individuais e as transforma em contradições de classe, possivelmente antagônicas (sic!), sobre o “caráter estrangeiro da exploração”, que “atinge … os interesses de diversos setores da burguesia nacional, especialmente dos produtores menos abastados e dependentes do capital financeiro e bancário”: “A indústria nacional sente cada vez mais as consequências da concorrência da indústria norte-americana… aniquilamento de setores importantes da indústria nacional, através da concorrência dos grandes monopólios imperialistas”.

Nessa análise, o imperialismo seria um entrave ao desenvolvimento de modernas forças produtivas nacionais (indústria), à constituição de uma burguesia verdadeiramente nacional e, portanto, ao “progresso” do país e ao cumprimento das “tarefas” da etapa democrático-burguesa e nacional. Por essas razões, a burguesia nacional, a partir de suas contradições com o imperialismo, comporia a política de “união nacional” e o processo revolucionário agrário e anti-imperialista.

Essa ruptura incompleta com a política reformista de conciliação/subordinação de classe não vê, ou ao menos minimiza, a aliança entre as burguesias nacionais e estrangeiras, a complementaridade e a concorrência entre seus capitais e seu interesse comum na exploração, opressão e repressão das massas dominadas no país.

4.4. As classes reacionárias

Como já mencionamos, o inimigo principal do processo revolucionário identificado pelo PCB é o imperialismo, especificamente o dos EUA. As formulações anti-imperialistas que o Partido elabora a partir dessa posição traem o enorme peso da ideologia (burguesa) nacionalista, que culmina nas conclamações a “democratas e patriotas” pela “união nacional”. Em resumo, o imperialismo dos EUA objetivava transformar o Brasil novamente numa colônia e eliminar a independência do país:

propósito do imperialismo norte-americano no sentido de aumentar a colonização do país, de submetê-lo a seu completo domínio, de transformá-lo em base para sua própria expansão no Continente e no mundo … restos da independência nacional que se vêm cada vez mais ameaçados pelo atrevimento e a audácia da intervenção imperialista … completa renuncia à independência econômica do país e a subordinação de seu comércio, de sua indústria e em geral de sua perspectiva de desenvolvimento aos interesses do imperialismo norte-americano e de seus planos de expansão”.

Essa formulação buscava atrair para a oposição anti-imperialista todos os “patriotas”, de quaisquer classes, a partir do sentimento nacional. Dessa forma, restaria apenas um reduzido grupo antinacional compondo as classes reacionárias junto com o imperialismo. Esse grupo estaria restrito a um

pequeno grupo reacionário e fascista de generais, do alto clero, de grandes fazendeiros, grandes industriais e banqueiros”.

A realidade mostraria, de forma dura e sanguinária, que as classes reacionárias do país são bem mais amplas e articuladas que apenas um “pequeno grupo”.

4.5. O trabalho de massas

Além da autocrítica, a busca pela construção de uma posição revolucionária se destacou pela tentativa de reconstrução de um trabalho de massas do Partido, orientado na centralidade da construção partidária na classe operária, na priorização das lutas de massas, na organização dos/as trabalhadores/as a partir da base e na defesa de seus interesses próprios e de suas necessidades imediatas:

nosso principal terreno … é o das lutas pelas reivindicações mais sentidas e imediatas do trabalhador na fábrica … lutas sindicais … movimento sindical dentro das organizações já existentes, ou, no caso de ser isso impossível, por meio de novas organizações profissionais nos próprios locais de trabalho … é dever dos comunistas tomar a iniciativa e não poupar esforços a fim de organizar as massas trabalhadoras, não só em associações profissionais nos locais de trabalho, nas fábricas e nas fazendas, como também em associações populares de toda a espécie nos bairros e nos povoados, em colonos, meeiros, arrendatários, através da luta por suas reivindicações imediatas. Merece especial destaque a organização dos trabalhadores rurais, camponeses, sitiantes, colonos, meeiros, arrendatários, através da luta por suas reivindicações mais sentidas e imediatas”.

Um ponto bastante criticado pela historiografia “oficial” sobre o PCB, escrita majoritariamente por reformistas e acadêmicos, sobre essa reconstrução do trabalho de massas seria uma “postura sectária” do Partido, nessa sua nova fase, em relação ao trabalhismo/varguismo e à unicidade sindical. A inflexão radical de uma política reformista e oportunista para a busca pela construção de uma posição e de uma prática revolucionários em geral leva a erros que precisam ser retificados. Isso certamente aconteceu na disputa pela hegemonia do movimento operário e sindical e na busca por uma atuação sindical independente do estado, a partir de novos órgãos proletários além dos sindicatos.

No entanto, devemos sempre lembrar que o reformismo e o oportunismo estão sempre prontos a gritar “sectarismo”, “dogmatismo”, “esquerdismo”, contra qualquer crítica comunista e radical à democracia burguesa, à aliança/subordinação de classe à burguesia, ao legalismo e institucionalismo – habitats próprios desses defensores das classes dominantes no seio das massas trabalhadoras. Eles se tornam ainda mais estridentes quanto se trata de uma tentativa de reorganizar o Partido Comunista em bases verdadeiramente proletárias e revolucionárias.

De nossa parte, criticamos o que entendemos serem os limites da ruptura representada pelo Manifesto de Janeiro de 1948. No entanto, afirmamos que essa ruptura se deu na direção certa, na direção revolucionária, mas que precisaria ter avançado ainda mais (esses avanços serão analisados nas próximas publicações desta série). A melhor expressão da correção da postura de 1948 está expressa, na nossa avaliação, no trecho transcrito abaixo, cuja atualidade para nós fica clara ao termos encerrado nosso Documento Base com essa citação!

Mas para tanto é indispensável saber viver e atuar entre as massas, as massas em geral, especialmente as massas não comunistas. Ao contrário do que geralmente acontece, precisam os comunistas saber confundir-se com a massa no local do trabalho ou nos bairros de suas residências, saber descer ao nível da massa, usar sua linguagem, interessar-se por aquilo que a interessa, penetrar e participar de suas organizações, porque só assim conseguirá conhecer suas reivindicações mais sentidas e imediatas, a fim de formulá-las com precisão e ser capaz de organizar a luta por elas, porque só assim será igualmente capaz de organizar e dirigir movimentos de solidariedade, de mostrar na prática sua dedicação à massa, sua capacidade de levá-la à vitória, de fazer-se enfim o dirigente, o líder de massa que tem obrigação de ser cada militante de nosso Partido. Esse trabalho de ligação com a massa é dever de todo comunista, mas deve e precisa ser orientado, deve ser um trabalho organizado e metódico, dirigido para as maiores e mais importantes concentrações de massa dentro de cada circunscrição territorial em que atua nosso Partido.

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Os textos citados integram a coletânea de Edgard Carone: O PCB (1943-1964), volume 2, editado em São Paulo pela editora Difel, em 1982.

3ª Conferência Nacional do PCB. Resoluções aprovadas na sessão plenária de 15 de julho de 1946 (pgs. 65-71).

Luís Carlos Prestes. Solução Imediata Para os Problemas do Povo. Informe político apresentado à 3ª Conferência Nacional do PCB. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/prestes/1946/07/povo.htm

Manifesto de Janeiro, de 28 de janeiro de 1948 (trechos, pgs. 72-89).

Publicação integral: Luís Carlos Prestes. Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Antiimperialista. Problemas, abril de 1948. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/prestes/ano/mes/enfrentar.htm.

A fonte das imagens não identificadas com links próprios é a publicação “Imagens da Centenária História de Lutas do Partido Comunista do Brasil (1922-2022)”, disponível em https://issuu.com/fmg2022/docs/imagenspcdob100anos.

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Como Enfrentar os Problemas da Revolução Agrária e Anti-Imperialista

Luiz Carlos Prestes

Problemas, abril de 1948.

I — A Situação Nacional

O nosso povo, a classe operária e o nosso Partido encontram-se hoje em situação profundamente diferente daquela em que nos encontrávamos em 1945, que foi sem dúvida um ano de ascenso democrático, decisivamente marcado pela vitória militar sobre o nazifascismo. As grandes conquistas democráticas de 1945, que foram seriamente ameaçadas pela primeira vez com o golpe militar reacionário de 29-10-45, desde a eleição do sr. Dutra e do início de seu governo vêm sendo sucessivamente golpeadas de maneira cada vez mais séria e profunda, apesar da promulgação da Carta Constitucional de 18 de setembro de 1946 e da relativa liberdade em que ainda se realizaram as eleições estaduais de 19 de janeiro. Já na III Conferência de nosso Partido, em julho de 1946, dizia o nosso Informe Político:

“É certo que se sucedem, a partir justamente do início do atual governo, os golpes e manobras reacionárias visando anular as grandes conquistas democráticas de 1945. Já em janeiro, antes do início do novo governo, mostrávamos o caráter tremendamente reacionário das forças políticas agrupadas por trás da candidatura vencedora”… “Como era de esperar, todos os reacionários e os remanescentes do fascismo em nossa terra trataram logo de se agrupar em torno do novo governo e tudo fazem para consolidar suas posições, visando barrar o processo da democratização em que nos encontramos. Sucedem-se por isso as provocações contra o movimento operário e particularmente contra nosso Partido e todas as armas vão sendo utilizadas, das mais cínicas e estúpidas, sempre com o mesmo objetivo de eliminar as grandes conquistas democráticas de nosso povo. E à medida que falham as provocações e se desmoralizam as armas da mentira, da infâmia e da calúnia passam os fascistas em desespero de causa, aos processos mais drástico das brutalidades policiais, do assassínio em praça pública, com o fito de atemorizar as camadas populares menos esclarecidas e, assim, afastá-las da influência educadora da propaganda de nosso Partido e de sua atuação eminentemente organizadora em defesa da democracia.

“O que é certo é que se acentuam as tendências reacionárias do atual governo que, incapaz de encontrar qualquer solução para os graves problemas econômicos e sociais da hera que atravessamos, compromete-se cada vez mais com os restos do fascismo e perde rapidamente o limitado apoio popular que poderia contar”.

Essa a orientação, esse o caminho seguido pelo governo Dutra, num processo reacionário crescente, que trouxe o país à situação em que hoje se encontra. Nesse processo todas as conquistas democráticas vão sendo pouco a pouco abolidas e a Constituição sistematicamente violada. O direito de reunião, continuamente ameaçado desde a chacina do Largo da Carioca em 23 de maio de 1946, já é praticamente inexistente; a liberdade de imprensa está reduzida a farrapos com a decisão do Tribunal de Recursos dando novo alento aos dispositivos inconstitucionais da Lei de Segurança do Estado Novo; a liberdade sindical foi praticamente anulada com a dissolução da CTB e das reuniões sindicais, além da intervenção ministerial ou policial em toda a vida sindical; o direito de associação igualmente anulado com a decisão contra a Juventude Comunista, contra inúmeras outras associações juvenis e populares e, finalmente, com a sentença que cassou o registro eleitoral do PCB; o direito de propriedade e a inviolabilidade do domicílio inexistem já agora para os assaltantes policiais armados de gases e metralhadoras contra os jornais do povo; o lar do trabalhador, é acintosamente desrespeitado e invadido, e os espancamentos e torturas policiais se repetem por toda parte; o direito de greve está praticamente anulado com a sistemática prisão de grevistas e com as recentes condenações de grevistas em São Paulo; o sufrágio universal ficou prejudicado com a recente decisão do TSE que afastou das câmaras municipais das quatro mais importantes cidades de São Paulo as bancadas majoritárias comunistas; enfim, a cassação dos mandatos dos representantes comunistas por meio de uma lei imoral e aberrantemente inconstitucional vem golpear de morte o poder legislativo federal, de diversos Estados e do Distrito Federal, subvertendo por completo as próprias instituições constitucionais e desmascarando definitivamente o caráter de classe da atual “democracia” brasileira, na verdade simples ditadura das classes dominantes de um país semifeudal e semicolonial, ditadura de senhores de terras, grandes industriais e banqueiros e de agentes do imperialismo estrangeiro, particularmente o norte-americano.

Pouco a pouco, durante o ano de 1946 e 1947, nesses dois anos de governo Dutra, acumularam-se os golpes contra as conquistas democráticas de 1945 e, assim, chegamos à situação atual em que se acham profundamente modificadas, relativamente àquele ano, as condições em que se desenvolve a luta política em nossa terra.

Mas, além disso, é outra também, muito diferente daquela do fim da guerra e dos dias da vitória militar sobre o nazifascismo, daquela de 1945, a disposição de forças no campo internacional, o que não deixa de ter fortes reflexos no interior do país, fazendo surgir novas condições para a luta popular, da classe operária e para toda a atividade de nosso Partido.

Para as classes dominantes é cada vez mais difícil encontrar qualquer remédio para os males que afligem a nação dentro dos limites de sua estrutura econômica atrasada, semifeudal e semicolonial. Impotentes e desesperados, sentindo cada vez mais ameaçados seus velhos privilégios, os homens das classes dominantes, classes cujo papel histórico terminou e cuja existência já se tornou hoje um obstáculo ao desenvolvimento da Nação, separam-se dela e vão buscar fora de suas fronteiras um apoio estrangeiro para defesa daqueles privilégios caducos e condenados. Verifica-se mais uma vez a grande lei histórica a que se refere Marx, escrevendo em 1871 em “A Guerra Civil na França”:

“a dominação de classe não pode mais se disfarçar com um uniforme nacional”.

Estamos de fato diante de um governo de traição nacional que, a serviço do imperialismo norte-americano, esfomeia nosso povo, liquida a indústria nacional, impede o progresso do país e entrega a Nação à exploração total dos grandes bancos, trustes e monopólios norte-americanos. Os sérios golpes contra nós desfechados, com a cassação do registro eleitoral de nosso Partido e, agora, dos mandatos parlamentares dos representantes comunistas, vieram chamar a atenção de todos, do povo em geral, da classe operária e do próprio Partido, com especial vigor, para a ativa luta de classes que se trava no pais e para as contradições que se aprofunda no campo internacional.

Foram os graves e sérios acontecimentos últimos que nos vieram despertar, fazer compreender aos que ainda não o haviam compreendido e aos que se deixaram tranquilamente levar pelas ilusões reformistas, que nossas perspectivas estão intimamente ligadas tanto ao desenvolvimento das contradições internacionais quanto ao da luta de classes no interior do país, e, fundamentalmente, estão ligadas ao nosso trabalho e nossos sucessos, pois que nosso trabalho e nossos sucessos são, na verdade, a forma concreta dessa intervenção no sentido de conseguir modificar a favor das massas trabalhadoras e das forças democráticas, tanto a correlação de classes no país, quanto, na medida do possível, a própria posição internacional do Brasil.

A situação política brasileira se vem progressivamente agravando à medida que se aprofundam as contradições no campo internacional e que da colaboração das grandes potências que assegurou a vitória militar sobre o nazismo, se foi marchando, no mundo inteiro, para a divisão de forças em dois campos antagônicos cada vez mais nítidos, como já acontece agora, e foi tão bem definido pela Resolução da Conferência de Varsóvia que reuniu os representantes dos nove maiores partidos comunistas europeus, inclusive o da União Soviética.

País semicolonial, o Brasil não conseguiu ver diminuído ao menos, com a sua participação na guerra contra o nazismo, o peso da exploração a que se acha sujeito seu povo pelos grandes bancos, monopólios e trustes imperialistas. Liquidados os imperialismos alemão e japonês e abalado pela guerra o britânico, dela saiu no entanto reforçado o imperialismo norte-americano, que aproveitou da situação e da própria guerra para acentuar o caráter monopolista e cada vez mais impiedoso e voraz da exploração de nossa economia, das riquezas nacionais, do trabalho do nosso povo, bem como para garantir seu predomínio político e submeter por completo nossa Pátria aos banqueiros de Wall Street e à vontade do governo de Washington.

O governo de Dutra faz uma política de submissão ao imperialismo americano

É cada vez mais claro o propósito do imperialismo norte-americano no sentido de aumentar a colonização do país, de submetê-lo a seu completo domínio, de transformá-lo em base para sua própria expansão no Continente e no mundo, para fazer de nosso povo carne de canhão para suas aventuras guerreiras e seu ataque à União Soviética, aos países da nova democracia e aos povos que lutaram por sua própria emancipação política e econômica.

Com tais propósitos são cada vez mais diretos, mais claros e descarados os intentos de intervenção em nossa vida política, bastando lembrar o discurso do embaixador Berle nas vésperas do golpe reacionário de 29-10-45 e as sucessivas e imprudentes declarações de seu sucessor Pawley, no sentido de estimular o governo Dutra em sua campanha anticomunista. São assim os restos da independência nacional que se vêm cada vez mais ameaçados pelo atrevimento e a audácia da intervenção imperialista em nossa terra.

A máscara com que o imperialismo norte-americano procura encobrir essa intervenção e essas ameaças é essencialmente a de uma suposta “ajuda” apresentada como necessária ou, mesmo, indispensável do capital americano ao desenvolvimento de nossa vida econômica. Seus agentes e propagandistas empregam com esse fim uma linguagem cada vez mais clara e não poupam esforços afim de procurar convencer as grandes massas que decorre da falta de capital nacional o nosso atraso econômico e a miséria em que se debatem as grandes massas trabalhadoras do país.

“Não acredito na melhoria de nossas condições econômicas sem uma ampla injeção de capital estrangeiro”,

diz o conhecido agente do imperialismo ianque, sr. Juraci Magalhães, em entrevista à imprensa (Diário de São Paulo, 1/1/48), silenciando naturalmente sobre as condições exigidas pelos banqueiros estrangeiros, condições que significam cada vez mais a completa renuncia à independência econômica do país e a subordinação de seu comércio, de sua indústria e em geral de sua perspectiva de desenvolvimento aos interesses do imperialismo norte-americano e de seus planos de expansão. No seu discurso de 21 de novembro de novembro de 1947 já o declarava o sr. Correia e Castro, ministro da Fazenda, dizendo que

“temos hoje necessidade de oferecer todas as garantias possíveis ao capital, seja interno, seja externo”,

o que não pode deixar de significar, nas condições a que já chegamos, a marcha acelerada para a total colonização de nosso povo.

É claro que essas garantias ao capital “seja interno, seja externo!”, reclamadas pelo sr. Correia e Castro, relacionam-se particularmente com a nova forma de penetração que vem sendo cada vez mais utilizada pelo capital financeiro dos Estados Unidos nos países coloniais e semicoloniais, de empresas mistas ou de “investimento conjunto” de capitais locais e norte-americanos. Visa com isto o imperialismo, além da vantagem inegável de absorver o capital financeiro de outros países e manobrar com toda a sua vida econômica, encobrir o caráter estrangeiro da exploração, nela envolver a própria burguesia local e conseguir sua proteção, como já vem acontecendo em nossa pátria, com diversas empresas norte-americanas de que são sócios os principais homens de governo, parlamentares, ministros, como o próprio sr. Correia e Castro, e os Morvan, Daniel de Carvalho, etc. Com essas empresas mistas, e por todas as outras formas tradicionais de penetração imperialista (empréstimos públicos e a empresas particulares, comércio externo de importação e exportação, concessão de serviços públicos, bancos e seguros, exploração de riquezas naturais, fábricas, usinas, casas de comércio, fazendas de criação e frigoríficos, etc.), o que é certo é que avança a exploração do país pelo imperialismo que, cada vez mais ocupa e monopoliza as posições chave de nossa e economia, orienta-a segundo os interesses de seus grandes bancos e monopólios, manda para o exterior lucros sempre crescentes, lucros de que em parte se serve no país para comprar e subornar políticos das classes dominantes que lhe servem de advogados ou testa de ferro, e de sócios nas suas empresas mistas ou de investimento conjunto. E, como consequência direta, é por intermédio dessa gente, advogados da Light e sócios da Standard Oil, que os monopólios norte-americanos não só exercem pressão sobre a nossa política interna, como também orientam e de fato dirigem a política externa e controlam todas as relações econômicas de nosso país com o estrangeiro. Tudo isso significa tão grande submissão do país aos monopólios norte-americanos e ao governo de Washington que a própria linguagem dos homens das classes dominantes já traduz, na falta do mais elementar sentimento de dignidade nacional, sua completa e voluntária sujeição ao patrão estrangeiro. Os mais sérios problemas de defesa nacional, já são hoje apreciados pelos nossos chefes militares com honrosas exceções, não do ponto de vista dos interesses pátrios, mas dos interesses de defesa dos Estados Unidos, ou do Continente, como preferem dizer os srs. Góis Monteiro e outros generais traidores. O Gal. Anápio Gomes, por exemplo, em recente entrevista ao jornalista Samuel Wainer, repetindo a linguagem dos seus chefes, disse o seguinte:

“Não devemos esquecer que estamos hoje em face de dois mundos, um polarizado em Washington, outro centralizado em Moscou, e que, havendo prenúncios claros de um embate de titãs entre esses dois mundos, o Brasil já definiu sua posição” (Diário de São Paulo, 11-11-47).

Quer dizer, em nome de uma suposta guerra inevitável, os generais brasileiros esquecem os interesses da Pátria, que colocam a reboque de uma grande potência, os Estados Unidos da América, a que submetem todos os interesses nacionais. É com tais sofismas que se permite a intervenção direta de agentes norte-americanos em nossos negócios internos, na Polícia, no Ministério do Trabalho, nos Estados Maiores de nossas Forças Armadas, em nossa política com o exterior, em nosso comércio com o estrangeiro, enfim em toda a vida da nação. É explorando essa ameaça de guerra iminente, verdadeira chantagem imperialista, que sem nenhuma consulta ao nosso povo, os senhores das classes dominantes vão entregando o país a seus patrões de Wall Street e a eles submetendo os destinos da Nação cada vez mais prejudicados nas conferências internacionais e pan-americanas e, mais particularmente, com o Plano Truman de uniformização de armamento e de sujeição de nossas Forças Armadas ao controle do comando norte-americano. É claro que daí à concessão de bases militares e à ocupação de nosso solo pelos soldados do imperialismo não será grande nem difícil o caminho a percorrer.

Como diz Zhdanov em seu informe à Conferência de Varsóvia,

“a política externa expansionista, inspirada e guiada pela reação americana, previu uma atividade simultânea em todas as direções: medidas estratégicas militares, expansão econômica e luta ideológica”. (Problemas n.º 5, pág. 32).

Esta luta ideológica, inspirada e dirigida pelo imperialismo ianque é no Brasil, sob o domínio de Dutra, cada vez mais clara e descarada. As calunias contra a URSS e o anticomunismo sistemático visam antes de tudo encobrir a ação antidemocrática do governo e facilitar a dominação do país pelo capital norte-americano. Este o verdadeiro conteúdo da campanha ideológica do anticomunismo sistemático. É indispensável aqui acentuar a orientação atual dessa campanha em nosso país, toda ela agora dirigida com o fito de assustar ou intimidar as massas populares a fim de separá-las do Partido Comunista, sistematicamente acusado de atos de terrorismo e de sabotagem, como no caso do incêndio do 15.º R. I. de João Pessoa, ou de explosões como a havida ainda há pouco nas proximidades de Sorocaba. Convém notar que por mais ridícula que seja a provocação, por mais conhecido e gasto o método empregado, sempre surtirá o efeito desejado se não formos capazes de um desmascaramento sistemático, persistente e objetivo, que leve às mais amplas massas informações seguras sobre os autores verdadeiros de cada provocação, o objetivo com que são feitas e as reais intenções de seus autores diretos e de seus patrões norte-americanos.

O anticomunismo – Máscara da reação para encobrir sua política de traição nacional

Essa política de progressiva submissão ao imperialismo norte-americano por parte do governo do sr. Dutra, da maioria reacionária do Congresso Nacional, e, inclusive, por parte dos mais altos tribunais do país, vem acompanhada da intervenção descarada na política interna com as medidas contra o PCB, com o continuado incitamento à campanha anticomunista e antissoviética, com a ruptura de relações diplomáticas com a URSS e o simultâneo estímulo e incitamento à reorganização de grupos fascistas, restos do integralismo e novas associações de caráter terrorista e antidemocrático. Junto com isto, assume proporções cada vez mais sérias a infiltração de elementos nazistas no país. O rebotalho europeu que foge das novas democracias progressistas em desenvolvimento na Europa, é organizadamente encaminhado para o país pelos nossos representantes diplomáticos e consulares, bem como pela comissão brasileira especial que se encontra na Alemanha, a pretexto de repatriamento, são para cá enviados nazistas impenitentes e muita gente suspeita, por acaso nascida no Brasil, mas que atendeu aos chamados de Hitler e empunhou armas contra as Nações Unidas.

Paralelamente com esse aumento da penetração e intervenção imperialista, as forças políticas das classes dominantes, partidos políticos e demais agremiações conservadoras e reacionárias de latifundiários, capitalistas e agentes do imperialismo, que apesar das conquistas democráticas de 1945, nada perderam e conservam intacta sua base econômica, particularmente o monopólio da terra, reagrupam suas forças e desde o início do governo do sr. Dutra tratam de levantar a cabeça e de passar à ofensiva contra as classes trabalhadoras e contra a democracia. Nesse sentido, o golpe militar de 29-10-45 foi a primeira manifestação mais clara e categórica, porque, como disse na época nosso Partido, a fraseologia contra Vargas mal encobria as verdadeiras intenções dos generais fascistas contra a democracia, contra as classes trabalhadoras e seu Partido de vanguarda.

Essa ofensiva reacionária se manifesta hoje em todos os terrenos, econômico, político e ideológico. Servindo-se em geral da máscara do anticomunismo, dirigiram seu ataque desde o início e em primeiro lugar contra as organizações operárias e suas conquistas e mais particularmente contra o Partido de vanguarda do proletariado com a campanha de calúnias sobre a posição dos comunistas em caso de uma guerra imperialista, já em marco de 1946.

No terreno propriamente econômico, a política das classes dominantes vem sendo sistematicamente orientada no sentido de uma exploração cada vez maior das grandes massas trabalhadoras, através o encarecimento crescente do custo da vida, a ofensiva patronal contra os salários e as principais conquistas da legislação trabalhista e o forçado congelamento de salários, por ordem do Ministério do Trabalho, entregue ao sr. Morvan, defensor intransigente dos interesses dos maiores industriais paulistas, cujos lucros continuaram no após guerra a crescer no mesmo ritmo dos anos de guerra e de lucros extraordinários. Os trabalhadores rurais, desde o médio e pequeno sitiante até o arrendatário, o agregado, o colono e o assalariado, todos sofrem cada vez mais com a disparidade crescente entre os preços em continuado aumento e os rendimentos e salários sempre aquém das necessidades mínimas da subsistência da família, em consequência da desvalorização da moeda, dos impostos indiretos, sempre em aumento, das dificuldades de transporte, da falta de crédito e suas consequências, a expansão do câmbio negro, da especulação, da usura, de toda sorte enfim de exploração pelos intermediários os mais diversos.

Mas a política econômica e financeira do governo Dutra, se significa uma brutal ofensiva contra os interesses das classes trabalhadoras, subordinada como está à direção dos banqueiros e monopólios norte-americanos, atinge também os interesses de diversos setores da burguesia nacional, especialmente dos produtores menos abastados e dependentes do capital financeiro e bancário. Não cresce por isso e, mesmo, chega a diminuir a produção agrária nacional, particularmente daqueles artigos de consumo interno. A indústria nacional sente cada vez mais as consequências da concorrência da indústria norte-americana e até o pequeno comércio se vê cada vez mais ameaçado pelos grandes monopólios imperialistas. Segundo nota oficial do Escritório de Expansão Comercial do Brasil em Nova York,

“todas as nações que tomaram parte na Conferência de Genebra reconheceram que o Brasil era um país cujas tarifas de importação figuravam entre as mais baixas presentemente em vigor no mundo” (Jornal do Comércio, 20-11-47),

mas o governo Dutra aceita o Plano Clayton que visa a diminuição de tarifas em proveito da indústria norte-americana e facilita assim o aniquilamento de setores importantes da indústria nacional, através da concorrência dos grandes monopólios imperialistas, que também se manifesta pela aquisição de fábricas nacionais pelo capital norte-americano, fábricas obrigadas a fechar em consequência da falta de crédito ou da própria concorrência imperialista.

Desmascaram-se como antidemocráticos os partidos políticos das classes dominantes

Nestas condições aumentam e tornam-se cada vez mais graves as contradições que dividem as classes dominantes do país, com reflexos bem visíveis na vida de todas as suas agrupações políticas. Essas contradições são inerentes à nossa própria estrutura econômica de país semifeudal e atrasado, com grande desigualdade de desenvolvimento econômico das diversas regiões, sem mercado interno capaz de absorver uma produção industrial em crescimento, com indústria secundária sem a correspondente indústria pesada e a produção de combustíveis ainda precária, com grandes centros urbanos cujo abastecimento exige a compra de trigo no estrangeiro, etc., etc. Todas essas contradições são agora agravadas com a política econômica e financeira antinacional do governo Dutra, política a serviço dos interesses das classes dominantes, ligados à grande propriedade da terra e ao comércio de exportação. Convêm, além disso, não esquecer que também se manifesta no país a contradição anglo-americana, que, ao que tudo indica, tende a crescer e aprofundar-se, com reflexos inevitáveis em nossa política interna. Os elementos mais ligados aos interesses do imperialismo inglês, ainda vultosos no país, especialmente em São Paulo, na defesa de seus interesses, chegam a tomar posição contra a política econômico-financeira do governo Dutra, reclamam maior proteção à indústria nacional, manifestam-se contra o Plano Clayton e são favoráveis aos tratados bilaterais de trocas comerciais com os países de moeda não arbitrável da área da libra esterlina e batem-se pela desvalorização do cruzeiro com o objetivo principal de opor uma barragem à invasão do país pelos produtos da indústria norte-americana.

Tudo isso gera um mal-estar generalizado e manifestações de descontentamento com reflexos evidentes na vida de todos os partidos políticos das classes dominantes em permanente processo de recomposição, com cisões e traições que se repetem, com divisões e subdivisões cada vez mais frequentes e desmoralizadoras. Agrupações heterogêneas sem programa, sem estrutura orgânica definida, resultantes em geral de eventuais alianças de véspera de eleição, estão todos esses partidos sob a direção de velhos políticos das classes dominantes sempre ávidos pelo poder, a cuja sombra sempre viveram e da qual não podem se afastar senão por pouco tempo e para simples efeitos demagógicos às vésperas de eleição. Agrupações heterogêneas, sem dúvida, em que há de tudo, e que portanto, se equivalem, por mais diferentes e demagógicos que sejam seus títulos, por mais diversos que sejam os processos que empregam para enganar as massas, todos eles defendem os interesses dos elementos mais reacionários das classes dominantes, são partidos políticos dos grandes proprietários de terras, dos grandes industriais e banqueiros, dos agentes do imperialismo. São partidos políticos que defendem no fundamental os interesses

“de uma elite saída das classes beneficiadas pela situação atual…, todos nós ou pelo menos nossos parentes saíram das classes agrárias”,

para empregar a expressão do sr. Aliomar Baleeiro ao caracterizar a composição social da Assembleia Constituinte. É essa cara verdadeira, de partidos da classe dominante, que aparece agora, com clareza cada vez maior, à medida que se agrava a situação econômica do país e crescem e se aprofundam as contradições, obrigando a todos a tomar posição de um lado ou de outro, num ou noutro dos dois campos em que se divide o mundo, o das forças da democracia e do progresso e o da reação imperialista. Nesse sentido é bem elucidativo, para não falar nas cisões e recomposições do PSD e do PTB, a evolução política da UDN, que, da oposição demagógica ao governo Vargas em 1945, marchou rapidamente para a colaboração aberta e descarada com a atual ditadura de Dutra, cuja orientação no fundamental, sempre apoiou, mesmo nas medidas mais reacionárias contra a democracia, contra os trabalhadores os interesses nacionais. E aqui, quando falamos de governo Dutra, podemos agregar os dos diversos Estados da Federação, porque todos eles, com exceções raras e ocasionais, fazem a mesma política do governo central: logo depois de empossados puseram de lado os programas demagógicos com que concorreram às eleições, passaram a atacar as classes trabalhadoras, como o sr. Ademar de Barros, a negar o direito de reunião, a perseguir a imprensa, a prender e torturar e assassinar trabalhadores, tanto os governantes pessedistas como os udenistas, em Sergipe ou na Bahia, no Pará como no Ceará, etc. Mesmo em Minas Gerais, as aparências liberais do governo Milton Campos mal encobrem o caráter demagógico de seu Plano de reconstrução econômica, simples pretexto para uma maior penetração do imperialismo norte-americano no Estado, ao mesmo tempo que se agrava dia a dia a situação de. miséria das massas trabalhadoras, literalmente esfomeadas nas fazendas, nas usinas, nas minas de ouro, nas estradas de ferro, etc. O caso de São Paulo é particularmente elucidativo, porque se de um lado desmascara-se a demagogia de Ademar de Barros e dos políticos e partidos que a ele se aliam, de outro, seus adversários com a UDN à frente, não se voltam para o povo paulista e sim para a ditadura terrorista de Dutra, para o seu governo de negocistas, num pedido insistente pela intervenção federal no Estado. É, assim, em São Paulo, mais de que em qualquer outro Estado, que melhor se revela agora o verdadeiro caráter de classe dos diversos partidos políticos, desde a UDN, dos srs. Waldemar Ferreira e Plínio Barreto, até o PTN, de Borghi, do PSD de Noveli ou Macedo Soares ao PSP ademarista, todos partidos a serviço do imperialismo, dos grandes fazendeiros, dos grandes industriais e banqueiros que, ou estão do lado das negociatas e do terror policial ademarista, ou, no caso contrário, reclamam para São Paulo um interventor, representante direto da ditadura terrorista de Dutra.

É evidente a traição à causa democrática dos políticos das classes dominantes que ainda ontem falavam em “eterna vigilância” e que agora formam em torno da bandeira do anticomunismo, a mesma bandeira do Plano Cohen de 1937, e se transformam em instrumento direto do imperialismo norte-americano e do pequeno grupo reacionário e fascista de generais, do alto clero, de grandes fazendeiros, grandes industriais e banqueiros em que se apoia o governo Dutra.

O conjunto da ação de todos esses partidos políticos, quaisquer que sejam os nomes mais ou menos “democráticos”, “socialistas”, “progressistas” ou “trabalhistas”, de seus diferentes partidos, constitui na prática, traição aberta à causa democrática e à independência nacional, e a denúncia persistente dessa traição e a luta contra essa gente, o sistemático desmascaramento de todos eles, torna-se o dever principal das forças avançadas da democracia. Será essa a maneira de ganhar para o campo da democracia, da independência e do progresso nacional, os democratas e patriotas honestos que ainda vacilam e se deixam levar pela demagogia ou enganar pela propaganda ideológica do imperialismo. O governo antidemocrático, antissocial e antinacional de Dutra utiliza-se dessa traição e das vacilações dos demais políticos da classe dominante para tentar ampliar a base política de seu governo ou em torno dele unificar, em “união sagrada”, com a bandeira do anticomunismo, todas as forças da reação, contrárias na prática à democracia, ao progresso e às reivindicações das classes trabalhadoras e serviçais do imperialismo, especialmente do norte-americano. Esta a significação verdadeira do acordo interpartidário. A fraseologia demagógica do sr. José Américo não consegue esconder o conteúdo verdadeiro desse conluio contra o povo e os mais altos interesses da Nação, em que os senhores das classes dominantes, os politiqueiros a serviço dos exploradores do povo, latifundiários, grandes industriais e banqueiros, pensam poder “de cima”, como disse o sr. José Américo, lançar ainda areia nos olhos do povo, apaziguá-lo com a ditadura terrorista, para que esta amplie sua base política e prossiga na sua tarefa de liquidar a democracia no país, afim de mais facilmente entregá-lo, de pés e mãos atados, à exploração dos monopólios norte-americanos e de transformar nossa pátria em base militar do imperialismo e fazer de nosso povo carne para canhão para suas aventuras guerreiras. É evidente que com tais fins todos esses senhores se entendem entre si, com Dutra e Truman, porque como confessa ainda o sr. José Américo,

“encontramo-nos num plano em que todos podemos nos entender porque neste ponto todos desejamos as mesmas cousas”,

isto é, a submissão ao imperialismo, a entrega de nossas riquezas naturais, a começar pelo petróleo, aos monopólios norte-americanos.

O acordo político – Unificação das forças reacionárias em torno de Dutra

É consequência inevitável dessa unificação de forças reacionárias, do acordo político em torno de Dutra, um mais rápido ressurgimento do fascismo no país. Os restos do fascismo no país, que se haviam ocultado por algum tempo e tentado mascarar-se de democratas, aproveitam a traição à democracia dos politiqueiros da “eterna vigilância” para tentar reorganizar suas próprias fileiras, utilizando todas as possibilidades legais de organização, inclusive de organização clandestina, e a liberdade de imprensa, direitos negados aos trabalhadores e democratas, mas que são concedidos pelo atual regime e o governo Dutra, com sua maioria parlamentar e seus procuradores e juízes, a imprensa venal, o alto clero católico, e o pequeno grupo de generais fascistas, em que se apoia e utiliza como arma de intimidação.

É certo que com os golpes cada vez mais sérios contra a democracia, o perigo fascista que jamais deixou de estar presente, já que não foram destruídas e nem mesmo de leve golpeadas suas raízes objetivas, torna-se hoje particularmente agudo no país. Este perigo cresce e se torna um perigo potencial à medida que a reação também cresce nos Estados Unidos. Não é por acaso que os nazistas e integralistas, anti-ianques furiosos no tempo da guerra contra o nazismo, são hoje os maiores partidários e defensores da política de Truman e da submissão do Brasil aos monopólios norte-americanos. É com esse objetivo e usando ainda, na medida do necessário, a máscara de democratas, tratam de infiltrar-se em todas as organizações particularmente nas posições políticas mais decisivas e estratégicas, consolidam suas posições na Polícia, nos altos comandos, nos Estados Maiores das Forças Armadas, no Ministério do Exterior, nas embaixadas do Brasil no estrangeiro, etc. Essa tática de infiltração fascista é, aliás, empregada por toda parte, ajudada e estimulada pelo governo Dutra e conta, cada vez mais, com a displicência criminosa dos pseudo-democratas, ex-oposicionistas agora solidários com Dutra nessa insidiosa reorganização do nazi-integralismo no país.

Desse estado de coisas decorre a profunda crise por que estão passando todos os partidos políticos da classe dominante, cujos dirigentes rapidamente se desprestigiam diante das grandes massas trabalhadoras e dificilmente conseguem manter sob sua influência as camadas mais pobres e desesperadas das classes médias e da burguesia menos abastada, camadas naturalmente vacilantes, que só poderão ser organizadas através de uma ação energia dos democratas mais esclarecidos e avançados e, em particular, das forças de vanguarda da classe operária e de todos os trabalhadores.

Na situação presente torna-se cada vez mais clara a fraqueza do movimento democrático brasileiro, movimento que se desenvolveu sob as difíceis condições da ditadura getulista, que cresceu com o decorrer da guerra contra o nazismo e que afinal alcançou as vitórias políticas de 1945 com a liberdade de imprensa, o direito de reunião, a libertação dos presos políticos, a legalidade do PCB, a convocação da Constituinte e as eleições de 2 de dezembro.

Os fascistas ocupam as posições de mando do nosso exército

Elemento sumamente prejudicial ao desenvolvimento das forças democráticas no país, está, sem dúvida, na posição dirigente e hegemônica que ocupam nas forças armadas os generais mais reacionários, alguns deles fascistas conhecidos que sempre apoiaram a Hitler e Mussolini e que até 1942 não pouparam esforços para colocar o Brasil ao lado das nações do Eixo, como nos casos de Dutra, Newton Cavalcanti, Góis Monteiro, Alcio Souto, Canrobert, Mendes de Morais, Gustavo Cordeiro de Faria, Zenóbio da Costa, Mazza e outros mais inclusive da Marinha e Aeronáutica, todos hoje partidários da política de Truman e da completa submissão do país aos bancos e monopólios norte-americanos. Desde a guerra que o imperialismo ianque vem colocando junto aos generais brasileiros seus agentes especializados e dessa forma exerce hoje no meio deles, entre os mais reacionários, influência decisiva que os transforma, como no caso dos anteriormente citados, em instrumento dócil da política norte-americana no Brasil e no Continente.

Essa gente consegue, falando sempre em nome das forças armadas e, mais particularmente, do conjunto da oficialidade, influir de maneira decisiva na vida política da nação, intimidar os vacilantes, golpear continuadamente as forças da democracia, desorganizá-las e, simultaneamente, encorajar a retomada da ofensiva da reação, dos grupos capitalistas e feudais mais conservadores e particularmente dos remanescentes do fascismo.

As forças armadas do país, particularmente o Exército e a Aeronáutica, são de composição democrática, seu corpo de oficiais é, no conjunto dos mais democráticos da América, mas se encontram ainda sob a hegemonia de um pequeno grupo de generais reacionários e fascistas, de conhecidos integralistas que conservam a iniciativa, ocupam os mais importantes postos de comando e exercem forte pressão política sobre os diversos órgãos do governo, ameaçando-os constantemente com golpes de Estado, como o realizado contra o sr. Getúlio Vargas em outubro de 1945, festejado pela reação e sempre lembrado com fins evidentes de intimidação pelos generais fascistas, os Góis, os Dutra, os Canrobert e Zenóbio, nos momentos decisivos, como ainda há pouco, nas vésperas da votação pela Câmara dos Deputados do Projeto Ivo d’Aquino.

Essa intervenção dos generais fascistas assume formas diretas e indiretas, como sejam medidas reacionárias, desde a época da guerra para impedir a mobilização das grandes massas populares, para impedir a consolidação de novas formas de democracia, proteção mais ou menos aberta ou mascarada, assim como favores aos grupos e partidos reacionários, sabotagem de todas as medidas efetivamente democráticas e capazes de limitar o poder das camadas mais reacionárias das classes dominantes, atividade permanente de provocação anticomunista acompanhada de campanha ideológica sistemática contra o comunismo e a União Soviética, etc., etc., e, sem dúvida, exerceu, e ainda exerce, uma influência profunda em toda a evolução da política brasileira. É conhecida ainda a pressão exercida pelos generais fascistas sobre o Parlamento, ao exigir leis de exceção contra os militares, a cassação da autonomia municipal das principais cidades do país, e outras medidas reacionárias.

É necessário reconhecer que as forças da democracia, em ascenso no Brasil desde o fim da guerra contra o nazismo, não foram capazes de se opor a toda essa atividade desagregadora e de intimidação e que, por isso, perderam muitas das posições conquistadas. De resto, a ação antidemocrática dos generais fascistas foi desde o início apoiada por quase todos os partidos e homens dirigentes das classes dominantes, mesmo por aqueles que faziam maior demagogia democrática e antifascista, como a UDN, enquanto o nosso Partido, como único Partido das classes trabalhadoras, não foi capaz nem estava em condições de responder com eficácia à ofensiva combinada da reação internacional e das forças mais reacionárias do interior do país.

É certo que as forças democráticas, desde o fim da guerra, especialmente no ano de 1945, conseguiram avançar no país e obtiveram algumas conquistas de importância histórica como a liberdade dos presos políticos e a legalidade do PCB, entre outras, mas essas vitorias não trouxeram, na verdade, nenhuma modificação profunda na ordem política e social brasileira que não saiu dos limites do velho regime da democracia capitalista em país semifeudal e semicolonial, conservadas como foram nas mãos das nossas classes, de grandes proprietários de terras, grandes banqueiros, industrias e comerciantes, de agentes do imperialismo as principais alavancas da economia nacional. A Assembleia Constituinte, de seu lado, dada sua composição sumamente reacionária, não podia modificar esse estado de coisas. Submeteu-se desde o início à vontade dos generais fascistas e não tocou nos privilégios dos banqueiros e monopólios imperialistas, no monopólio da terra, que foi conservado e defendido, na estrutura econômica, enfim, da nação, que foi cuidadosamente mantida. Na organização do Estado foi mantida a forma presidencialista e a ilusória separação dos poderes, favorável ao predomínio do poder executivo e à ditadura pessoal do seu mandatário. Mesmo os direitos do cidadão e as conquistas populares registradas na nova Constituição de forma clara e categórica foram dispostos de maneira a poderem ser burlados pelas classes dominantes e os poderes do Estado, e as conquistas dos trabalhadores, sujeitas a legislação ulterior e sem que tenham sido indicadas as medidas concretas capazes de assegurá-las, não passam da letra da lei e não significam nenhum avanço social efetivamente favorável aos trabalhadores.

Em suma, nenhuma das conquistas realizadas pelos trabalhadores, pelas forças efetivamente democráticas, conseguiram até agora modificar a estrutura econômica do país, que continua semifeudal e semicolonial. Ao contrário, a política do atual governo vem sendo persistente e sistematicamente orientada no sentido de reforçar as posições dos grupos monopolistas e especuladores, nacionais e estrangeiros, especialmente norte-americanos, é uma política que aprofunda o abismo que separa as camadas possuidoras da grande massa popular trabalhadora. E a essa política não foi dado oferecer a necessária resistência em consequência da falta de organização das forças populares, da debilidade ou quase inexistência de um verdadeiro movimento sindical, da falta ou inconsistência orgânica, de associações populares, urbanas ou rurais, de associações femininas ou juvenis. Não pode haver dúvida de que foi a fraqueza orgânica das forças democráticas que facilitou o avanço da reação, a reorganização de suas forças que passaram à ofensiva, assim como a própria traição política da oposição e de todos os vacilantes e é por isso que se deverá concentrar agora na eliminação dessa fraqueza, orgânica das forças da democracia o esforço dos trabalhadores, de todos os patriotas e democratas, da classe operária e do seu Partido de vanguarda.

II — Apreciação Autocrítica

Os últimos acontecimentos políticos e particularmente a análise mais aprofundada, tanto da situação mundial como da nacional, nos levaram a compreender a necessidade de uma viragem em nossa linha política. Mas para que seja isto possível, para que todo o Partido possa compreender a necessidade dessa viragem, bem como no que deve praticamente consistir, torna-se necessário fazer uma apreciação crítica e autocrítica de algumas de nossas posições políticas anteriores.

Na verdade, nesses dois anos de governo Dutra, de ataques sucessivos e cada vez mais sérios às conquistas democráticas de nosso povo, e à própria vida das classes trabalhadoras, não tem sido oferecida a necessária resistência, uma resistência eficaz ao avanço da reação que retomou a ofensiva e está ainda de posse da iniciativa. Falta organização de massas, desapareceram pouco a pouco os Comitês democráticos e populares fundados em 1945, não há organização sindical, falta qualquer organização ponderável de grandes massas de trabalhadores rurais, nem as mulheres nem os jovens possuem organizações específicas para a defesa de seus interesses, em resumo, é alarmante a fraqueza orgânica das forças populares e democráticas do país.

  • Mas qual a causa profunda desse estado de coisas?
  • Porque não surgem lutas de massas pelas suas reivindicações mais sentidas?
  • Porque não se desencadeiam lutas das forças populares e democráticas para a resistência à marcha da reação e à penetração crescente do imperialismo norte-americano?
  • Porque diminui, a partir do pleito de 2 de dezembro, de eleição a eleição, com raras exceções, num ou outro lugar, a votação obtida pela legenda de nosso Partido?

A resposta a tais perguntas deve levar-nos ao mesmo [?] autocrítico aprofundado de nossos erros e das causas da debilidade com que ainda hoje fazemos a política de oposição ao governo Dutra e resistimos ao avanço da reação no país. Antes de tudo devemos reconhecer que durante muito tempo, de frente àquelas indagações, nos satisfizemos com explicações superficiais e simplistas, perdido na verdade o espírito crítico em todo o Partido, de cima para baixo, e perigosamente embotada a nossa capacidade autocrítica, qualidade fundamental de qualquer Partido revolucionário, sem a qual jamais estará em condições de exercer a sua grande missão de vanguarda esclarecida da classe operária. Tudo indica que as nossas grandes vitórias de 1945 e, especialmente, as grandes vitorias eleitorais obtidas pelo nosso Partido nos pleitos de 2 de dezembro e 19 de janeiro, e a vitória alcançada na memorável campanha pró-imprensa popular, fizeram com que nos subissem à cabeça os êxitos e perdêssemos em grande parte o sentido da realidade e a capacidade crítica e autocrítica, porque, como diz Stalin

“os êxitos têm também seu lado negativo, sobretudo quando se conseguem com relativa ‘facilidade’, de um modo ‘inesperado’, por assim dizer, tais êxitos levam por vezes à presunção e à fanfarronice… sobem muitas vezes à cabeça da gente, que começa a tontear à força de êxitos, perdendo o sentido da medida e a capacidade de compreensão da realidade, tendendo a exagerar suas próprias forças e a menosprezar as forças do adversário…” (Stalin, pg. 361).

A evolução dos acontecimentos políticos em nossa terra

E foi isto, sem dúvida, que em grande parte, ao lado de perigosas tendências oportunistas, ao espontaneísmo e ao reformismo que adiante examinaremos, foi, sem dúvida, a falta de um espírito crítico mais agudo, a incapacidade de levar mais a fundo, sem pretensão nem vaidade, o estudo da realidade, que não nos permitiu sentir e assinalar as grandes modificações havidas na situação interna e na situação mundial desde o início de 1946. O golpe reacionário de 29 de outubro com a deposição de Vargas já foi como que o primeiro grande embate em que as forças da reação tentavam retomar a iniciativa, passar à ofensiva e inverter o sentido em que desde o fim da guerra vinham evoluindo os acontecimentos no país. Com a eleição e a posse de Dutra a reação levantou efetivamente a cabeça e desde então começou a golpear as posições democráticas, impedindo a campanha contra a Carta fascista de 37, proibindo as manifestações de 1º de maio, com a chacina do Largo da Carioca, a suspensão da “Tribuna Popular”, o “quebra-quebra” de agosto de 1945 etc. Manifestações ainda de que a reação, apoiada pelo imperialismo norte-americano, retomava a ofensiva, nós a temos na campanha sistemática contra o comunismo, através do despacho atrevido do ministro da Guerra contra os oficiais anistiados e na campanha terrorista e de calúnias a respeito da posição dos comunistas em caso de guerra imperialista.

Na verdade não assinalamos na época com força suficiente tais modificações na situação nacional e mantivemos no fundamental a mesma linha política anterior que nos levou ao sucesso eleitoral de 2 de dezembro, insistindo, em condições já bem diferentes daquelas de 1945, na mesma preocupação de ordem e tranquilidade, de mão estendida ao governo, etc. Nessas circunstancias, e, diante das ameaças cada vez mais fortes da reação, fomos silenciando cada vez mais a respeito de nossos objetivos revolucionários e caindo insensivelmente nos limites de um quadro estritamente legal e de pequenas manobras. Estas tendências foram particularmente sensíveis em S. Paulo onde nosso apoio à candidatura vitoriosa de Ademar de Barros, criou nas massas ilusões perigosas que nosso Partido não soube em tempo liquidar, tendo ao contrário alimentado através do “Plano de realizações” que chegou a formular e do silêncio criminoso que durante meses manteve diante de todas as arbitrariedades do governo paulista e da descarada traição de Ademar ao povo de São Paulo. Essa tendência direitista se caracteriza ainda pela sistemática contenção da luta das massas proletárias em nome da colaboração operário-patronal e da aliança com a “burguesia-progressista”, assim como pela pouca atenção dada às lutas dos trabalhadores rurais contra o latifúndio, o que significa a subestimação na prática da massa camponesa como principal aliado do proletariado.

Evitamos, de fato, falar sobre nossos objetivos estratégicos ou, mesmo quando a eles nos referíamos, como no caso do nosso discurso sobre a guerra imperialista, não éramos suficientemente consequentes para atacar a reação e manter uma atitude firme de oposição ao governo Dutra, mero instrumento da reação e do imperialismo norte-americano. E por isso não fomos também capazes de desmascarar a composição de classe tremendamente reacionária da Assembleia Constituinte que não quis abolir a Carta de 1937 e, alimentando nas massas ilusões a seu respeito, não soubemos também demonstrar com o vigor necessário o cunho retrógrado da nova Carta Constitucional de 18 de setembro.

Simultaneamente, não soubemos assinalar em tempo as grandes modificações que se vinham dando no cenário mundial desde o fim da guerra, insistindo na possibilidade de paz através do acordo dos três grandes, sem ver a divisão do mundo em dois campos e a consequente necessidade de lutar pela paz através da resistência das forças democráticas ao avanço e aos golpes das forças da reação lideradas pelo imperialismo norte-americano. Se bem que tivéssemos assinalado em tempo a agressividade do imperialismo ianque e não deixado jamais de lutar contra sua intervenção em nossos negócios internos, exigido e alcançado também o afastamento de nossas bases militares, aéreas e navais, dos soldados do imperialismo ianque e a entrega delas ao governo do país, manifestaram-se em nossas fileiras tendências ao espontaneísmo na luta pela paz e o desenvolvimento pacífico, desvio direitista que nos levava a transformar possibilidade em realidade, a subestimar as lutas de massas e a própria necessidade da atividade do Partido. E foi isso que, em grande parte, nos desarmou para a luta em prol da legalidade do Partido, tornando praticamente impossível a mobilização de massas reclamada em nossos documentos. Como mobilizar massas contra a reação se dizíamos que

“todas as tentativas de reviver os métodos do Estado Novo, todos os manejos reacionários, estão fadados ao mais completo fracasso, porque não estamos mais em 1937 e o mundo que emergiu da guerra de libertação dos povos não pode mais retornar aos dias sombrios de ascensão do fascismo”? (Manifesto do C.N., de 1.°/3/47).

É claro que essa preocupação de ordem e tranquilidade, as grandes ilusões reformistas em conquistas parlamentares ou dentro dos estreitos limites da democracia burguesa em país atrasado, semifeudal e semicolonial, levaram nosso Partido a se ver privado na prática do uso das grandes armas de luta do proletariado, particularmente da greve, e a só utilizar os métodos de luta quase idílicos de conferências, sabatinas, comícios, memoriais, festas, etc., quando o governo usava com insistência cada vez maior as armas do arbítrio e da violência policial. Uma tal atitude não podia deixar de nos separar cada vez mais das grandes massas. Com a legalidade de nosso Partido grandes foram as esperanças das massas nos resultados de nossa atividade, mas na verdade estas, no terreno propriamente econômico, quase nada de prático, de útil ou proveitoso conseguiram por nosso intermédio, e desde que com o governo Dutra a reação retomou a ofensiva, é evidente que só com outros métodos de luta, que não os pacíficos ou os idílicos acima referidos, seríamos capazes de mobilizar e organizar as massas para a luta por seus interesses. Era praticamente impossível, frente à ofensiva da reação, às violências e ao arbítrio policial crescentes, mobilizar grandes massas através de simples comícios e para protestos platônicos e entregas de memoriais que as massas sentiam já nada lhes poder trazer de útil ou prático. Insistíamos, já sem nenhuma razão de ser, em formas de luta “rigorosamente dentro da lei”, da mesma lei que as classes dominantes há muito haviam, deixado de respeitar e reconhecer.

Caímos no exagero de ver em qualquer greve ou movimento de massas espontâneo uma provocação perigosa e sempre contrária aos interesses do proletariado. Falávamos por vezes em resistir, em lutar mesmo contra a reação, contra a carestia e as brutalidades policiais, em “formas de luta cada vez mais altas e vigorosas”, mas, como no caso do “quebra-bonde” em São Paulo ou do comício de 18 de setembro de 1947, também em São Paulo, quando as massas espontaneamente se lançavam à luta, eram os comunistas que delas fugiam ou as afastavam da luta em nome da ordem, para evitar “provocações”, ou, como nos casos paulistas, em consequência de forte desvio reformista, para evitar o suposto “mal maior” uma intervenção federal no Estado.

Tudo isso alimentou em nossas fileiras a tendência à passividade, à apatia, trouxe uma certa confusão, e dificultava cada vez mais a mobilização de massas. Se bem que ainda tenhamos conseguido desenvolver agitação de massas como a feita em prol da imprensa popular e, depois, para as eleições de 19 de janeiro, é certo que nossa atividade se restringia cada vez mais ao âmbito estreito do próprio Partido e de seus simpatizantes, sem conseguir alcançar novas e mais amplas camadas sociais.

A influência de ideologias estranhas no PCB

Foi neste estado de coisas que nos encontrou a decisão de 7 de maio de 1947 do TSE cassando o registro eleitoral de nosso Partido. Apesar da brutalidade do golpe recebido, ainda aqui não fomos capazes de uma análise mais aprofundada da situação, nossa atenção se volta para o secundário e esquece o fundamental, o revolucionário, a luta pela modificação necessária da estrutura econômica do país e a substituição do governo da reação e do imperialismo ianque por um governo efetivamente popular, democrático e progressista. É a influência de ideologia estranha ao proletariado, de tendências pequeno-burguesas “tenentistas” que se manifestam então no Partido, mesmo em sua direção como no caso da palavra de ordem exigindo a renúncia de Dutra, que, embora tendo lados positivos, reduzia nossa oposição a uma luta de palavras dentro do quadro estritamente constitucional, além de alimentar tendências golpistas.

Mais tarde, ao retirarmos, em 5 de agosto de 1947, diante das provocações do inimigo, a palavra de ordem de renúncia de Dutra, não fomos capazes de fazer a necessária autocrítica e, nem mesmo, sentir a necessidade de uma análise aprofundada da situação nacional e internacional a fim de buscar as causas verdadeiras de nossos insucessos e do incontestável avanço da reação, persistindo nas explicações superficiais, nas justificações fáceis, como tendências a ver nas massas, em seu atraso político, naquilo que chamávamos reformismo e apatia das massas a causa das derrotas, em vez de procurá-las em nós mesmos, na orientação política do Partido.

Esse perigoso e desastroso embotamento do sentido autocrítico em nossas fileiras nos impediu, mesmo após a publicação das memoráveis Resoluções da Conferência de Varsóvia, de examinar nossos erros e de buscar as causas do continuado avanço da reação e da penetração imperialistas no país. Aplicamos de maneira mecânica a palavra de ordem de resistência ao avanço da reação, mas não conseguimos com ela quebrar a apatia e a passividade que ganhavam nossas fileiras, nem muito menos mobilizar as massas, tão grande a confusão que se estabeleceu no Partido. E, isto, porque não apresentamos desde então uma perspectiva política clara para o Partido. Fomos conduzidos a essas posições por tendências reformistas, o que nos levou a ceder demais à reação. Não soubemos em tempo, ou há mais tempo, utilizar a grande experiência leninista de que

“com a combinação das formas de luta legais e ilegais, parlamentares e extraparlamentares, é às vezes vantajoso e, mesmo, obrigatório saber renunciar às formas parlamentares” (Lenin, IV. pg. 337).

Sem dúvida, a atuação dos representantes comunistas nas diversas assembleias parlamentares desde a Assembleia Constituinte não foi negativa nem nula, foi, pelo contrário positiva, se bem que pudesse ter sido mais proveitosa, e serviu afinal para desmascarar definitivamente o caráter de classe dessas assembleias que não vacilaram em violar abertamente a própria Constituição para afastar de seu seio os representantes comunistas. São úteis e, por vezes necessários os compromissos políticos, mas no caso brasileiro levamos longe demais a preocupação de manter nossa luta dentro de formas estritamente legais e subestimamos as lutas extraparlamentares na preocupação de salvar ou conservar por alguns meses mais nossos lugares nas assembleias parlamentares. Por outro lado, uma forte tendência ao espontaneísmo, a apresentar como realidade aquilo que não passava dos nossos desejos ou constituía mera possibilidade.

Apesar dos erros cometidos, tivemos êxitos e vitórias que explicam o nosso crescimento e o nosso prestígio junto às massas. Por isso mesmo fomos e somos perseguidos pela reação, que desespera, porque não consegue quebrar a unidade de nosso Partido nem separá-lo das grandes massas. Como reconhecemos anteriormente, sente-se em nossas fileiras uma certa desorientação ou confusão política, determinada pelos erros já analisados, mas as bases aguardam a palavra de seus dirigentes e as massas voltam-se para o nosso Partido como sua única esperança. É o que nos mostram as últimas eleições municipais, especialmente em São Paulo, Pernambuco, Ceará e Bahia, que nos trouxeram incontestáveis vitórias. As massas querem lutar e já mostraram que aguardam simplesmente a direção dos comunistas para enfrentar com decisão e coragem a violência policial, como no caso do comício do Largo da Concórdia em São Paulo, que se realizou apesar de todas as provocações e ameaças da polícia e no qual os comunistas se dispuseram a enfrentar a reação e a defender seus oradores com a mesma bravura com que mais tarde defenderam em São Paulo e no Rio as máquinas e as oficinas de seus jornais obtidas e construídas com o dinheiro do povo.

Na busca das causas profundas de nossos erros e no esforço para corrigi-los na prática, precisamos, no entanto, estar vigilantes contra tendências esquerdistas opostas a não permitir o exagero de querer ver nos nossos erros e fraquezas a causa exclusiva do avanço da reação no país. A apreciação autocrítica que vimos de fazer não deve ser a preocupação fundamental de nosso trabalho atual que, em vez de ser orientado para o passado, precisa hoje, mais do que nunca, ser concentrada nas tarefas imediatas de nosso Partido. Essa análise autocrítica tem, no entanto, a utilidade e a importância de mostrar a vitalidade de nosso Partido e ao mesmo tempo que serve para nos dar a todos uma melhor compreensão da atual situação política e da orientação que frente a ela devemos tomar.

III — Perspectiva e Tarefas Políticas

Aprofunda-se no mundo inteiro a luta gigantesca das forças do progresso e da democracia com as da reação e do imperialismo. Estas se tornam cada vez mais desesperadas e agressivas, em particular o imperialismo norte-americano, como dirigente atual da reação mundial, que golpeado e batido na China, na Europa Oriental, em toda parte onde as forças da democracia estão vigilantes e organizadas, vai tratando de dominar os povos fracos e desorganizados com o objetivo persistentemente seguido de criar condições para uma nova guerra mundial. Essa agressividade do imperialismo norte-americano é particularmente sensível nos países semicoloniais da América Latina, onde governos de latifundiários e grandes exploradores, governos de traição nacional, como o de Dutra, tudo cedem aos patrões estrangeiros e empregam contra o povo todas as armas da reação. Esta, no Brasil, tende hoje, a aumentar sob o controle do imperialismo norte-americano. Por outro lado, crescem também a miséria e a fome no seio das grandes massas trabalhadoras sobre cujos ombros tentam descarregar as classes dominantes a maior parte das consequências da situação cada dia mais difícil da economia nacional. Marchamos assim para a agravação crescente da situação de miséria em que já se debate a maioria da população do país.

  • Como evitar o aniquilamento físico de milhões de brasileiros? Como salvar as riquezas nacionais e a independência da Pátria?
  • Como evitar o desaparecimento de nossa indústria e o caos econômico que ameaça a Nação?
  • Como barrar esse governo de traição nacional no caminho a que vai arrastando o país no sentido da submissão de nosso povo a uma ditadura policial e terrorista?
  • Como impedir que se consume, enfim, a vergonha e a humilhação de termos nossa pátria transformada em base militar da reação mundial e nosso povo reduzido a carne de canhão para as aventuras imperialistas?

Estes os problemas que devemos agora enfrentar nós, comunistas, e todos os democratas e patriotas, todos os que se preocupam com o futuro da pátria e não estão dispostos a aceitar o terror policial de uma ditadura a serviço do imperialismo norte-americano.

É possível barrar a reação e resistir a seus golpes, obrigá-la enfim a retroceder.

“O perigo principal, diz Zhdanov, para a classe operária consiste, atualmente, na subestimação das próprias forças e na superestimação da força do adversário. Como no passado, a política de Munich encorajou a agressão hitlerista, também hoje as concessões à nova política dos Estados Unidos da América e do campo imperialista podem tornar os seus inspiradores ainda mais insolentes e agressivos. Por isso, os Partidos Comunistas devem pôr-se à frente da resistência aos planos imperialistas de expansão e de opressão em todos os campos: governativo, político, econômico e ideológico. Eles devem cerrar fileiras, unir os seus esforços na base de uma plataforma anti-imperialista e democrática comum e reunir em torno de si as forças democráticas e patrióticas do povo”. (Problemas, n. 5, pg. 43)

Nosso objetivo estratégico

Mas, se o avanço da reação resulta fundamentalmente do fato de não ter sido nem de leve tocada sua base econômica, da persistência no país de uma estrutura econômica, atrasada, semifeudal e semicolonial, que constitui obstáculo principal ao progresso nacional, é contra isto que precisamos lutar levantando com coragem e audácia a solução dos problemas fundamentais da revolução agrária e anti-imperialista em nossa Pátria.

Este o nosso objetivo estratégico. Precisamos explicar pacientemente às massas que a causa fundamental da miséria, do atraso, da ignorância em que se debatem, está no atraso de nossa economia, na miséria da renda nacional, nos restos feudais que ainda impedem a penetração do capitalismo na agricultura, na exploração do nosso povo pelos trustes e monopólios estrangeiros.

A reação pode ser barrada, mas para isso precisamos atacá-la em sua base econômica, no monopólio da terra, lutando pela sua distribuição às grandes massas camponesas para que as trabalhem e possam livremente dispor da produção, bem como atacá-la nas posições do imperialismo, lutando pela nacionalização dos serviços públicos e anulação de concessões e privilégios dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros.

É com esse programa positivo, visando a solução dos problemas da revolução agrária e anti-imperialista, que conseguiremos mobilizar as massas a fim de que resistam à reação e lutem pela derrubada do atual governo de traição nacional, pela instauração no país de um governo popular, democrático e progressista, único capaz de salvar o país da miséria, do aniquilamento, da perda total de sua soberania.

A instauração no país de um governo efetivamente democrático e progressista, capaz de iniciar a solução dos grandes problemas da revolução agrária e anti-imperialista — este o nosso objetivo estratégico e fundamental, que só poderá ser alcançado através da criação de um amplo e sólido bloco das forças democráticas a populares, bloco capaz de resistir à reação, de fazê-la realmente parar e de conseguir em seguida golpeá-la em sua base econômica, no monopólio da terra, nos privilégios e concessões ao imperialismo, e imprimir uma nova direção democrática e progressista à atividade governamental em nossa terra.

As condições objetivas são cada vez mais favoráveis à unidade popular e democrática, pois não só se agrava dia a dia a situação econômica das massas, como cresce a contradição anglo-americana no país, são, além disso, cada dia mais evidentes a fraqueza e o desespero do governo Dutra e dos elementos reacionários em que se apoia. E tudo isso significa que se desenvolvem as condições favoráveis à grande batalha política capaz de nos levar à instauração no país de um governo de que participem todas as forças populares e democráticas. Sem subestimar as alianças por cima, com todas as correntes e partidos políticos que queiram lutar contra a ditadura e a traição nacional do governo Dutra, é para a unidade pela base das organizações de massa que se deve principalmente orientar toda nossa atividade visando organizar o mais amplo bloco das forças populares e democráticas.

Mas não se poderá chegar a esse resultado senão através do esforço mais sistemático e persistente por organizar e pôr em movimento amplas camadas populares, enquanto não se convence praticamente as massas e as forças democráticas que as enquadram de que não pode haver democracia, liberdade e progresso sem a participação e a colaboração ativa dos representantes mais diretos das classes trabalhadoras, isto é, dos comunistas. E é para alcançar esse objetivo que deve ser feito todo o trabalho de nosso Partido. Sem a sua contribuição decisiva não será possível atingi-lo.

Estamos em oposição ao governo, a Dutra e seu Ministério de negocistas, a um governo de traição nacional, antidemocrático e antissocial e é, por isso, necessário, antes e acima de tudo, que penetre em todo o Partido a convicção de que estar na oposição não significa ficar calmamente e pacificamente à espera de que o governo venha abaixo ou modifique sua orientação por si mesmo ou graças a simples combinações políticas e parlamentares das diversas correntes e partidos políticos. É indispensável colocar de maneira constante diante do país os motivos de nossa oposição, mas fazer isto de maneira concreta, de forma que sejam aceitos pela maioria da população; e baseados em tais motivos devemos orientar e desencadear a agitação, e realizar lutas efetivas que impressionem e abalem a todo o país, e coloquem e joguem a maioria da população contra o governo.

Iniciativa nas lutas pelas reivindicações mais sentidas e imediatas das grandes massas

É evidente que o nosso principal terreno de luta é o das lutas pelas reivindicações mais sentidas e imediatas do trabalhador na fábrica e daí a necessidade de consagrar a maior atenção e o máximo de nossas forças a esse terreno que poderemos chamar de lutas sindicais, porque através delas deve ser organizado o movimento sindical dentro das organizações já existentes, ou, no caso de ser isso impossível, por meio de novas organizações profissionais nos próprios locais de trabalho. Nesse sentido é dever dos comunistas tomar a iniciativa e não poupar esforços a fim de organizar as massas trabalhadoras, não só em associações profissionais nos locais de trabalho, nas fábricas e nas fazendas, como também em associações populares de toda a espécie nos bairros e nos povoados, em colonos, meeiros, arrendatários, através da luta por suas reivindicações imediatas. Merece especial destaque a organização dos trabalhadores rurais, camponeses, sitiantes, colonos, meeiros, arrendatários, através da luta por suas reivindicações mais sentidas e imediatas. Só se chegará a uma verdadeira frente democrática e anti-imperialista através da criação do maior número possível de organismos de massas de todos os tipos, entre as mais diversas camadas sociais e de todas as categorias de cidadãos das classes trabalhadoras. Mas além desse terreno, de luta pelas reivindicações imediatas, são numerosos os argumentos que devem servir para a organização de um amplo movimento de oposição ao governo, entre outros os que passamos a indicar:

  1. a defesa da independência nacional contra a intervenção imperialista e o Plano Truman, assim como a defesa de nossas riquezas naturais, particularmente o petróleo, contra as concessões aos monopólios norte-americanos;
  2. a defesa das liberdades populares e das conquistas democráticas que o governo procura de todas as maneiras eliminar e, ao lado disso, a luta pela liberdade dos perseguidos políticos, presos e condenados;
  3. a defesa do nível de vida das massas trabalhadoras, contra a desvalorizarão do cruzeiro e o mercado negro, em defesa do poder aquisitivo do salário, contra a carestia da vida;
  4. a defesa dos interesses dos camponeses, desde os colonos e arrendatários até os sitiantes e pequenos proprietários por meio de melhores condições de arrendamento, contra os impostos crescentes, por ferramentas, adubos e sementes mais baratos, por crédito mais fácil, por transportes, pelo livre comércio, etc.;
  5. a defesa da indústria nacional contra a concorrência imperialista, pela industrialização do país e maior facilidade de crédito aos pequenos e médios industriais;
  6. a defesa do povo contra a injustiça, a desigualdade crescente, a corrupção, todas as forças enfim de exploração econômica e de especulação, assim como contra todas as decisões reacionárias e demagógicas que visam impedir qualquer medida que leve à reforma da estrutura econômica do país, como são a reforma agrária, nacionalização e controle dos bancos, do comércio externo, anulação das concessões ao capital estrangeiro monopolista, etc.

Seria impossível enumerar ou, mesmo, indicar todos os motivos concretos de oposição e de luta, pois é suficientemente claro que são eles inúmeros e se apresentam vários em cada região ou localidade e para cada setor social ou cada categoria de cidadão. O importante é não só buscá-los e descobri-los, mas com eles e em torno deles saber fazer a necessária e sistemática agitação e desenvolver uma luta contínua e persistente, enérgica e corajosa e, isto não somente entre nossos militantes e simpatizantes, como muito especialmente junto com todas as outras camadas sociais e categorias de cidadãos.

Mas para tanto é indispensável saber viver e atuar entre as massas, as massas em geral, especialmente as massas não comunistas. Ao contrário do que geralmente acontece, precisam os comunistas saber confundir-se com a massa no local do trabalho ou nos bairros de suas residências, saber descer ao nível da massa, usar sua linguagem, interessar-se por aquilo que a interessa, penetrar e participar de suas organizações, porque só assim conseguirá conhecer suas reivindicações mais sentidas e imediatas, a fim de formulá-las com precisão e ser capaz de organizar a luta por elas, porque só assim será igualmente capaz de organizar e dirigir movimentos de solidariedade, de mostrar na prática sua dedicação à massa, sua capacidade de levá-la à vitória, de fazer-se enfim o dirigente, o líder de massa que tem obrigação de ser cada militante de nosso Partido. Esse trabalho de ligação com a massa é dever de todo comunista, mas deve e precisa ser orientado, deve ser um trabalho organizado e metódico, dirigido para as maiores e mais importantes concentrações de massa dentro de cada circunscrição territorial em que atua nosso Partido.

Nesta tarefa de estabelecer ligações com as massas podem e devem ser particularmente aproveitados os vereadores comunistas que precisam conhecer praticamente os problemas principais do município e bem ligar sua atividade dentro da Câmara Municipal com a organização do povo para a luta por suas reivindicações mais sentidas. É este um trabalho que merece especial atenção dos organismos estaduais e municipais que não devem também esquecer do importante papel de agitadores políticos a ser exercido pelos vereadores da tribuna de que dispõem.

Enfim, a penetração organizada do Partido em todas as direções e em todas as camadas sociais é a condição fundamental para que nessa luta contra o governo e a reação, nossa resistência democrática possa atingir o nível mais alto de uma luta aberta e decidida e em que empreguemos métodos de luta cada vez mais altos e vigorosos. Precisamos ir muito além dos discursos e dos comícios, da simples agitação sindical e utilizar cada vez mais outras formas de mobilização de massas, desde as greves econômicas e políticas até as lutas práticas contra a miséria, o câmbio negro, as violências policiais, as arbitrariedades dos fazendeiros, sem medo que tais lutas levem até mesmo a choques violentos com a polícia. É claro que essas formas de luta são mais difíceis de realizar do que simples comícios e manifestações de protesto, já que exigem uma maior ligação com a massa, porque para sua realização é indispensável arrastar todos ou quase todos os membros de uma determinada categoria, todos ou quase todos os interessados na solução do problema, todos ou quase todos os habitantes de uma cidade ou de uma região etc.

Em nossa resistência ativa, à marcha da reação, na defesa ativa da democracia, é também indispensável organizar lutas de massa persistentes e sistemáticas contra as organizações fascistas e reacionárias terroristas, bem como fazer o desmascaramento sistemático da imprensa reacionária a serviço do fascismo, da reação e do imperialismo.

É assim, na prática, no emprego de novos métodos de luta, que faremos a viragem reclamada a fim de barrarmos a reação, salvar o país da miséria, do aniquilamento e da perda total de sua soberania, para retomarmos enfim a iniciativa para as forças da democracia e do progresso. E para atingir esses objetivos, todas as formas de lutas de massas são boas, justas e necessárias. Em vez de telegramas, abaixo-assinados e memoriais, precisamos apelar para formas de luta mais altas, para as ações e demonstrações de massas, para as greves de protesto, etc., a fim de atingir nossos objetivos e, em vez de ilusões no parlamentarismo burguês, nossa tática comunista de ação de massas, de lutas das massas trabalhadoras por suas reivindicações e em defesa das liberdades democráticas, contra a agressão do imperialismo ianque e a traição de seus agentes brasileiros.

O essencial no momento é que a intervenção das massas trabalhadoras consiga restituir a iniciativa às forças democráticas, intimidar e bater a reação, criar enfim as premissas e condições de uma nova situação política que assegure a evolução no sentido democrático e progressista através da solução dos problemas da revolução agrária e anti-imperialista. Será essa enfim, a maneira de cumprirmos nós, os comunistas brasileiros, a nossa tarefa histórica, a mesma tarefa de todos os partidos comunistas, como foi proclamada na memorável reunião de Varsóvia em setembro último:

“tomar em suas mãos a bandeira da defesa da independência de seus países”, “permanecer firmemente em suas posições”, “não se deixar intimidar”, “permanecer corajosamente na defesa da democracia, da soberania nacional, da liberdade e da independência de seus países”, “na luta contra as tentativas de escravização econômica e política de seus países saber colocar-se à frente de todas as forças que estiverem dispostas a defender a causa da honra e da independência nacional”.

À frente das grandes massas trabalhadoras na luta pela independência e o progresso da Pátria acentuaremos cada vez mais o caráter revolucionário de nosso Partido e mostraremos na prática que somos o único partido realmente de oposição no país, o único partido capaz de lutar consequentemente contra a ditadura de Dutra e de seu ministério de negocistas, contra o terror policial, contra Ademar de Barros e demais governadores reacionários, contra o imperialismo norte-americano e a colonização total do Brasil. Organizando e dirigindo as grandes massas nessa luta, devemos estar preparados para, em qualquer eventualidade, nos sabermos sempre colocar à frente do povo, em condições de dirigir as lutas espontâneas que irão surgindo em consequência das próprias condições objetivas e da situação que atravessamos.

Para o cumprimento de tão grandiosas tarefas precisamos agora, mais do que nunca, de um forte Partido Comunista, vanguarda do proletariado, bem ligado às massas, unido como um bloco de granito em torno de seu Comitê Nacional e de sua Comissão Executiva.

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- 24/11/2023