O fascista Bolsonaro é amigo dos patrões e inimigo das classes trabalhadoras! (2ª parte)
Confederação Nacional da Indústria (CNI) bajulando Bolsonaro no final de 2021. Sob aplausos, ele agradece: “Como é duro ser patrão… O que nós procuramos fazer desde o início do governo com nossos ministros? Facilitar a vida de vocês”.
Cem Flores
03.09.2022
Acesse aqui a 1ª parte desse artigo.
- Burguesia brasileira: dos manifestos “democráticos” aos grupos golpistas
Desde meados de julho, com a preparação dos atos “democráticos” de parcelas da burguesia e da pequena burguesia, que contaram com o apoio entusiasmado e subserviente da “esquerda” reformista e oportunista, essa mesma “esquerda” passou a defender (ou seria mais correto dizer comemorar?) que as classes dominantes brasileiras teriam abandonado Bolsonaro e seu governo. Na verdade, esse desejo disfarçado de análise já estava presente desde o ciclo anterior de manifestos “democráticos” da burguesia, em 2021, como podemos ver nessa “matéria” de um ano atrás que defende que não apenas a “elite”, mas até mesmo o centrão estava se separando de Bolsonaro…
Uma das características do reformismo e do oportunismo é a constante busca da conciliação de classes (na verdade, a subordinação do proletariado à burguesia) que se expressa na permanente tentativa de fechar acordos com as classes dominantes (na verdade, se colocar, voluntariamente, sob sua direção), nos quais se aceitam as demandas burguesas, apenas propondo ajustes mínimos para melhor poder enganar os/as trabalhadores/as.
Para essa “esquerda” reformista e oportunista, um deslocamento da burguesia em relação à candidatura Bolsonaro significaria que as classes dominantes brasileiras estariam dispostas a apoiar Lula – e isso é tudo o que importa para eles: ganhar (novamente) a aprovação da burguesia para voltar a gerir o sistema capitalista em prol dos patrões. Que os movimentos da chapa Lula-Alckmin em direção aos patrões (e vice-versa) busquem sacramentar a defesa dos interesses e do programa da burguesia pela chapa PT/“PSDB” e consolidar as últimas “reformas” (sic!) e avanços da burguesia em sua atual ofensiva de classe contra as massas dominadas – e que esse seja o seu aspecto principal – isso a “esquerda” não mostra… Ou, cinicamente, defende isso como única alternativa aos trabalhadores e às trabalhadoras.
Em nosso documento “Teria a burguesia brasileira se tornado ‘democrática’?” analisamos os movimentos políticos recentes dessa classe. Certamente existem muitas e importantes críticas burguesas a Bolsonaro, porém não há afastamento do conjunto da burguesia (nem de frações inteiras do capital) em relação ao governo. Esses movimentos de parcelas das classes dominantes podem ser melhor entendidos como acordos com candidatos com chances eleitorais – Lula e Bolsonaro, dois experimentados gestores do capital – para garantir a consolidação e o avanço do seu programa de classe, independentemente de quem for eleito.
Como mostramos naquele documento, no interior do capital industrial há setores que assinaram o manifesto “pró-democracia” (Fiesp, IEDI) e uma maioria que não assinou (Ciesp, CNI, Firjan, Fiemg e 86% dos sindicatos filiados à Fiesp). Quanto ao setor bancário, talvez o exemplo mais citado tenha sido a assinatura de Roberto Setúbal (Itaú) ao manifesto da USP. Porém, meros cinco dias após o 11 de agosto, ao divulgar o lucro de R$ 3 bilhões do Itaú no segundo trimestre deste ano, Alfredo Setúbal (irmão de Roberto), sinalizou que não era bem assim: “Não vemos nenhuma ruptura institucional acontecendo”. Quanto às eleições, o presidente da Itaúsa não hesitou em reafirmar sua posição de classe burguesa, de dirigir todo e qualquer presidente: “Podem ter mudanças aqui e ali, menos concessões, mais governo, vai depender de quem ganhar a eleição, mas olhamos horizontes longos”. Como concluímos no nosso documento: “Em suma: a burguesia só quer saber de seus negócios e de seus lucros. Nas raras vezes que se manifesta contra o seu governante de plantão, cuida logo de buscar uma conciliação”.
Leia nossos documentos sobre a conjuntura recente do Brasil:
Brasil: o “paradoxo” de uma economia estagnada com lucros crescentes, de 10.06.2022
O fascista Bolsonaro é amigo dos patrões e inimigo das classes trabalhadoras! (1ª parte), de 05.08.2022
Teria a burguesia brasileira se tornado “democrática”?, de 15.08.2022
Após o 11 de agosto, não apenas o Itaú deu essa meia volta. Patrões dos setores de comércio e serviços remarcaram sua reunião com Bolsonaro (originalmente prevista para o próprio 11 de agosto e cancelada) para 23 de agosto. Nesse almoço, Bolsonaro incitou os patrões a “se defenderem” contra as instituições burguesas, citando a busca e apreensão da Polícia Federal contra os empresários golpistas. Nesse mesmo dia, à noite, Bolsonaro participou do Congresso do Aço e prometeu redução de impostos, principalmente sobre produtos industrializados (IPI) e redução da fiscalização. Antes, havia feito inúmeras reuniões com o agronegócio, como essa em Mato Grosso. A agenda presidencial aponta aumento de 80% nos encontros com patrões neste ano eleitoral.
O mais significativo, no entanto, foi a revelação, no dia 17 de agosto, da articulação de patrões em torno de intervenção militar, golpe de estado e ditadura com Bolsonaro no poder. Ou seja, nada diferente do que analisamos na primeira parte deste documento. A diferença agora foi a divulgação das conversas entre esses patrões, com suas posições por escrito e devidamente assinadas.
Do véio da Havan aos donos da rede de restaurantes Coco Bambu e da grife Mormaii, patrões dos setores varejista (Multiplan, Barra World Shopping), construção (W3, Tecnisa, Thavi, Ecap), móveis (Sierra), auditoria (Polaris), transportes (Dalçoquio), usineiros e muitos outros se reúnem para defender seus negócios e seus lucros, mandando às favas todos os escrúpulos de consciência (supondo que eles as tenham). Para esse setor da burguesia, o autoritarismo de Bolsonaro é pouco: “O golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias de governo. [Em] 2019 teríamos ganhado outros 10 anos a mais”. Em meio a justificativas para uma guerra civil, defendem explicitamente o golpe de estado – “Bolsonaro … Tem que intervir antes”, “deixar claro de que lado o Exército está” –, certos de que contarão com a compreensão e a solidariedade da burguesia internacional em defesa dos objetivos maiores de todos os patrões, os lucros: “E com certeza ninguém vai deixar de fazer negócios com o Brasil. Como fazem com várias ditaduras pelo mundo”.
Mensagens golpistas dos patrões bolsonaristas divulgadas pelo jornalista Guilherme Amado.
Em roteiro esperado, houve abertura de inquérito pela polícia federal e o STF determinou quebra de sigilo bancário, bloqueio de contas bancárias e de redes sociais, e busca e apreensão de oito desses burgueses. E então, para surpresa apenas da “esquerda” reformista que vive de vender ilusões com o caráter “democrático” da burguesia, as classes dominantes do país passaram a se organizar para defender os seus golpistas, aqueles da sua classe. Como já cantava a Internacional há mais de 150 anos: “Ao rico tudo é permitido”.
A grande imprensa e seus principais articulistas publicaram editoriais e artigos a favor do direito de seus irmãos de classe defenderem o golpe de estado sem serem incomodados pelo aparelho repressivo de estado (ARE) capitalista. A “democrática” (sic!) Fiesp do manifesto de 11 de agosto se apressou a divulgar uma nota em defesa dos empresários golpistas após pressão de seus filiados (os mesmos que majoritariamente não assinaram o manifesto “democrático”). Ainda em São Paulo, a federação das associações comerciais (Facesp) também protestou, no que foi secundada pela confederação das associações comerciais e empresariais do Brasil (CACB). Na Bahia, a manifestação foi liderada pelo fórum empresarial. No Rio Grande do Sul, pelas federações das indústrias (Fiergs) e das entidades empresariais (Federasul). Em Santa Catarina, 117 entidades patronais assinaram uma nota delirante falando da “demonização” do “empresariado” e da “violência estatal a que estão acometidos os empreendedores brasileiros, alijados do direito de participar do debate político e de externar suas opiniões”.
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Fica claro, portanto, que cometem o mesmo erro aqueles que superestimam o caráter “democrático” da burguesia e os que subestimam a sua parcela golpista. Os patrões golpistas não são apenas personagens caricaturais como o véio da Havan ou as algumas dezenas que participam dos grupos acima – esses são apenas os que deixaram rastros explícitos e foram expostos publicamente.
Para podermos realizar uma justa avaliação da conjuntura é preciso resgatar a análise marxista-leninista da luta de classes e das classes em luta. Nesse sentido, é preciso partir das posições antagônicas entre classes dominantes e dominadas, burguesia e proletariado. O patrão, o capitalista, “é apenas capital personificado. Sua alma é a alma do capital. O capital tem um único impulso vital, o impulso de valorizar-se” (Marx. O Capital, volume 1, capítulo 8, A Jornada de Trabalho). Esse impulso de valorização significa que “a produção de mais-valia [e, consequentemente, de lucro] é o objetivo determinante da produção capitalista” (capítulo 7, A Taxa de Mais-Valia). Não nos deixemos enganar, portanto, com as ilusões reformistas de uma burguesia “democrática”. E repitamos mais uma vez: “para a burguesia, os negócios acima de tudo e os lucros acima de todos. ‘Democracia’ (burguesa) para os patrões é algo para se lançar mão se for necessário e útil”.
Como aumento dos lucros capitalistas significa necessariamente maior exploração das classes trabalhadoras, esse antagonismo fundamental do modo de produção capitalista implica que cada indivíduo, cada grupo, cada fração ou cada classe defende uma e apenas uma única dessas classes fundamentais do capitalismo. Se serve aos patrões, não serve à massa trabalhadora. Para servir à massa trabalhadora, não pode servir aos patrões. Não há a possibilidade de aliança, conciliação ou “acordão” entre essas classes, assim como não há o cenário em que “todos ganham”. Propor ao proletariado e às demais classes exploradas uma política de subordinação à burguesia representa prolongar sua dominação e exploração – e adiar a organização e a luta política próprias e independentes, únicos caminhos para as classes dominadas poderem conquistar a sua libertação. Sobre esse tema sugerimos a leitura dos nossos textos “Contra Bolsonaro: frentes amplas de classes ou resistência e luta operária e popular?”.
Na conjuntura brasileira atual, isso significa que o “governo” Bolsonaro, de extrema-direita, fascista, é um governo a serviço dos patrões, da burguesia. Isso significa, também, que a burguesia o reconhece como seu governo e o apoia, ainda que alguns burgueses o façam de nariz tapado e outros tenham desertado. Como veremos em texto posterior, essa burguesia poderá, facilmente, se acomodar com Lula, como já o fez na primeira década deste século, posto que Lula nada fará, como nada fez, para antagonizar a burguesia – muito pelo contrário! A seguir detalharemos mais a folha corrida de Bolsonaro a serviço dos patrões.
- Bolsonaro a serviço dos patrões e inimigo das classes trabalhadoras
Ainda no primeiro semestre de 2019, o Cem Flores publicou o e-book O Governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência Proletária. Nesse conjunto de artigos já destacávamos aspectos importantes do então iniciante governo como (mais um) governo de classe da burguesia. A ofensiva de classe burguesa com Bolsonaro incluía a reforma da previdência, o aprofundamento e a consolidação da reforma trabalhista e sindical, a ofensiva reacionária na educação e a ofensiva repressiva sobre a massa trabalhadora. Ainda em 2019 também apontamos o bolsonarismo como radicalização da devastação ambiental em prol da acumulação capitalista a mais predatória possível.
Nesse sentido, Bolsonaro é o continuador da gestão do programa hegemônico da burguesia, que definimos, ainda em 2020, como:
“Do ponto de vista da acumulação de capital e da retomada da taxa de lucro, o núcleo fundamental desse programa hegemônico é um conjunto de reformas econômicas (previdência, trabalhista-sindical, fiscal e tributária, administrativa, privatizações etc.) que a burguesia entende necessárias para a redução do valor da força de trabalho e dos custos salariais das empresas, para a maior “flexibilização” (precarização, informalidade, etc.) do mercado de trabalho, para a ampliação das esferas de acumulação de capital, etc.”
Nesse conjunto de “reformas” (sic!), a previdenciária, aprovada em 2019, retiraria estimados R$ 856 bilhões, em dez anos, dos bolsos de trabalhadores/as dos setores público e privado (formal), e também das camadas médias, ao aumentar a alíquota de contribuição previdenciária (redução do poder de compra dos salários), reduzir o valor das aposentadorias e dos benefícios, e adiar longamente as condições para conseguir se aposentar. E para onde iria essa fortuna, a preços de hoje mais de R$ 1 trilhão? É fácil responder essa pergunta olhando as ações de Bolsonaro e Guedes: o dinheiro que deixou de ser pago às aposentadorias das classes trabalhadoras (e das camadas médias) foi destinado à dívida pública (equivale a aproximadamente um ano e meio dos seus juros), à redução de impostos dos patrões e outras formas de estimular seus lucros.
O aprofundamento e a consolidação da “reforma” (sic!) trabalhista e sindical pelo governo Bolsonaro (reforma planejada por Dilma e executada por Temer) tem sido fundamental para o rebaixamento das condições de vida da massa trabalhadora e para o aumento das taxas de lucro dos patrões. Não apenas a “reforma” (sic!) revogou conquistas trabalhistas históricas das classes trabalhadoras, mas seu aprofundamento no governo Bolsonaro aproveitou-se da pandemia com as medidas do “programa emergencial” (Carteira Verde Amarela, suspensão de contratos e de salários, a mal chamada “minirreforma trabalhista” etc.). Se nem todas essas medidas tornaram-se permanentes elas, por um lado, foram aplicadas no momento mais agudo da recessão da pandemia e, por outro, serviram de “laboratório” para apontar a direção de continuidade da ofensiva de classe da burguesia contra a massa trabalhadora.
Como resultados para os/as trabalhadores/as restaram a elevada taxa de desemprego, o aumento acelerado da informalidade, a queda dos salários reais, a contribuição para a redução do número de greves, a intensificação das jornadas e do ritmo de trabalho e o aumento da exploração. Assim, mesmo em momentos de aumento do emprego, como o atual (que deve ter fôlego curto e se encerrar com a desaceleração/recessão do próximo ano, trataremos desse assunto em uma publicação futura), são mantidos os baixos salários e os reduzidos custos com “direitos” trabalhistas, resultando em aumento da massa e da taxa de lucros.
De acordo com os dados mais recentes do IBGE, a taxa de desemprego tem se reduzido neste ano, atingindo 9,1% (restrita) e 20,0% (ampliada) em julho. Esse já é um efeito do pacote eleitoreiro do governo, com gastos estimados em mais de R$ 300 bilhões para este ano. No entanto, o “número de empregados sem carteira assinada no setor privado (13,1 milhões de pessoas) foi o maior da série histórica” e os chamados “por conta própria” representam o dobro desse número, 25,9 milhões de trabalhadores/as. E embora os rendimentos tenham aumentado ligeiramente em relação ao pior resultado de toda a série histórica do IBGE, atingido na virada do ano, eles permanecem nos níveis de meados de 2016, que representa o período final da recessão histórica de 2014-16.
Os efeitos da “reforma” (sic!) trabalhista, somados à década de estagnação e crise do capitalismo brasileiro e ao enfraquecimento e desorganização da resistência proletária por conta da hegemonia burguesa em “seus” partidos e sindicatos, levaram ao agravamento das já deterioradas condições de vida das classes trabalhadoras, com as perdas concentradas na sua parcela mais pobre, agravando a pobreza e a desigualdade. A burguesia e seus representantes no governo (em todos) de tudo fazem para manter a herança escravocrata do país sempre presente nas atuais condições de escravidão assalariada – muito bem representada na permanência da classificação do Brasil como um dos países mais desiguais do mundo.
Essas derrotas devem nos servir como um duro aprendizado para o proletariado e as demais classes dominadas. A nosso ver, são duas as principais lições que essas derrotas na luta de classes contra a burguesia podem trazer para a classe operária e a massa. A primeira é rasgar as ilusões institucionais e com a ideologia burguesa de “direitos”, como algo natural ou inerente para os/as trabalhadores/as no capitalismo. Ao contrário dessa ideologia que paralisa a luta de classes, o que existem para os/as trabalhadores/as são conquistas, fruto de muita luta, e que precisam da continuidade dessas lutas para não serem perdidas (como em boa parte o foram). A segunda é exatamente a necessidade de organização, resistência e luta contra os patrões e todos aqueles que os defendem e que, portanto, são contrários aos interesses próprios das classes dominadas. As conquistas resultam da força independente de classe, não de subserviência. Como bem resumem esses versos da Internacional: “Não há direitos para o pobre” e “Façamos nós por nossas mãos, / Tudo que a nós nos diz respeito”.
Outro aspecto da “reforma” (sic!) sindical foi a virtual eliminação da fonte de financiamento dos sindicatos e centrais sindicais. Como pode ser visto no gráfico abaixo, em quatro anos o conjunto dessas entidades – em sua absoluta maioria representantes do peleguismo reformista e defensores da subordinação da classe operária à burguesia – perdeu mais de 97% do seu orçamento, ou quase R$ 3 bilhões por ano! Não à toa, esse é o principal ponto das centrais e de Lula em relação à “revisão” da “reforma” (sic!)…
Queda do financiamento das entidades sindicais após a reforma trabalhista.
Outro ponto em que o programa hegemônico da burguesia mostrou enorme avanço na gestão de Bolsonaro foi nas privatizações e concessões de empresas estatais, embora bastante abaixo do R$ 1 trilhão prometido por Paulo Guedes na campanha de 2018. De acordo com os gráficos abaixo, o patrimônio vendido já corresponde a R$ 304 bilhões. Isso significa ampliação das esferas para a acumulação burguesa. Em quantidade, as estatais caíram de 209 para 133, redução de mais de um terço.
Além da privatização recente do grupo Eletrobrás, merece destaque o ataque à Petrobrás, seja com a venda de suas subsidiárias como a BR Distribuidora e a TAG, entre cerca de 46 “ativos” – que rendeu R$ 146 bilhões desde 2016, sendo R$ 97 bilhões com Bolsonaro – seja pelo verdadeiro saque da empresa com o pagamento de dividendos, que rendeu R$ 167 bilhões desde 2019, sendo aproximadamente R$ 62,5 bilhões para o governo, R$ 37,5 bilhões para acionistas minoritários e R$ 67 bilhões para o capital estrangeiro. E ainda há quem ache que a burguesia olha primeiro para a “democracia” e não para os seus lucros…
A pandemia também representou oportunidade adicional para o governo Bolsonaro mostrar serviço para as classes dominantes, especialmente para o capital financeiro. Enquanto a maioria imagina terem sido os R$ 300 bilhões do Auxílio Emergencial a maior ação do governo na pandemia, apenas as medidas do banco central renderam ao capital financeiro quase 10 vezes esse valor (R$ 2,6 trilhões) – de um total disponível de mais de 20 vezes (quase R$ 6 trilhões e mais US$ 60 bilhões do banco central dos EUA).
O banco central gastou R$ 2,6 trilhões no apoio ao capital durante a pandemia, mas estava disposto a gastar bem mais que o dobro disso (quase R$ 6 trilhões) se necessário. Isso sem contar os US$ 60 bilhões prometidos pelo banco central dos EUA.
Além dessas ações, existe uma infinidade de outras medidas setoriais, regulatórias, revogaços, sabotagem à fiscalização, que podemos resumir como “passar a boiada” em favor do capital.
Ao lado dos benefícios econômicos à burguesia, o governo Bolsonaro também executa o programa das classes dominantes ao aumentar a repressão contra as classes dominadas. Como dissemos em nosso texto de abril de 2019 sobre o programa repressivo de Bolsonaro:
“Jair Bolsonaro sempre se caracterizou pela apologia da violência do opressor contra o oprimido, pela apologia da violência de Estado. Pela defesa da violência de Estado, em todas as suas formas (ditadura militar, assassinatos, torturas, agressões), seja mediante o aparelho repressor formal (Forças Armadas e polícias), seja pelo uso de sua ‘força auxiliar’, semiclandestina (esquadrões da morte, pistoleiros, milícias)”.
Sua proposta original era a de “dar carta branca para a PM matar”, conforme suas próprias declarações, materializadas no projeto de lei da “licença para matar”, proposto por Sérgio Moro, então ministro da justiça. Mesmo não transformada em lei, essa licença já havia sido dada para quem interessava – e foi perfeitamente compreendida pelos mesmos como autorização para a ação ilegal, coberta pela presunção da legalidade, repressiva e violenta. Os anos Bolsonaro consolidaram um patamar inédito de mais de 6 mil assassinatos por ano efetuados por policiais.
Os últimos quatro anos consolidaram um patamar inédito de assassinatos pelas polícias no Brasil, acima de 6 mil mortos a cada ano, mesmo com a pandemia!
E quem são esses mais de 6 mil assassinados por ano? Na sua absoluta maioria, homens (99,2%) negros (84,1%) jovens de até 29 anos (74%), de acordo com a estatística de 2021 que é absolutamente idêntica à dos anos anteriores. Os dados não mostram, mas esse perfil corresponde a trabalhadores ou filhos de trabalhadores, pobres, moradores das periferias das grandes cidades e do interior. Essa é a face assassina do aparelho repressivo de estado (ARE) capitalista no Brasil, à qual se somam “cotidianamente abordagens policiais injustificadas, detenções arbitrárias, torturas em delegacias e penitenciárias”. Esse é um dos mecanismos repressores, de “controle social”, que a extrema-direita, fascista (mas não apenas ela), atualmente no poder procura reforçar.
Além dessas ações semiclandestinas ou ilegais do ARE, os assassinatos como uma “zona cinzenta” de seu mandato repressivo, o “governo” Bolsonaro também fortaleceu grupos por assim dizer complementares ao ARE formal, sejam as milícias, os grupos paramilitares ou a pistolagem pura e simples, seja o armamento intensivo dos grupos de extrema-direita. Sobre as milícias e os grupos paramilitares e suas ligações com Bolsonaro, já tratamos na primeira parte deste texto.
Os grupos de extrema-direita contam com o apoio e o incentivo explícitos do seu governo fascista para se armarem, além de ampliação das possibilidades legais de posse e porte de armas e munições, somadas a uma série de relaxamentos das regras de controle (a “boiada” novamente!). Atualmente no Brasil, essas organizações armadas de extrema-direita – uma verdadeira milícia, dispersa, porém com articulações entre si, inclusive para lançarem dezenas de candidaturas nas eleições de outubro – usam o nome de fantasia de caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) ou de clubes de tiro. No gráfico abaixo, observa-se que a quantidade legal dos CACs se multiplicou mais de dez vezes de 2017 ao primeiro semestre de 2022, atingindo 674 mil. Esse montante já é praticamente equivalente à soma de 406 mil policiais militares da ativa com os 360 mil das forças armadas. Os clubes de tiro já ultrapassam 2 mil, em mais de 300 municípios do país, tendo dobrado sua quantidade em dois anos, enquanto as lojas de armas chegam a praticamente 3 mil.
De todo esse universo, apenas 2% recebeu algum tipo de fiscalização. O caso mais emblemático de como é feita essa “fiscalização” foi a autorização formal do exército, em junho de 2021, para que um membro do PCC, com 16 processos criminais incluindo homicídio qualificado e tráfico de drogas, comprasse, legalmente, “duas carabinas, um fuzil, duas pistolas, uma espingarda e um revólver”. Para o exército, bastou a autodeclaração do interessado sobre sua idoneidade… Isso é possibilitado institucionalmente pelos “19 decretos, 17 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei que flexibilizam as regras para ter acesso a armas e munições” editados por Bolsonaro.
A quantidade de armas de fogo formalmente registradas na polícia federal mais do que dobrou de 2017 a 2021, atingindo 1,5 milhão. Um sistema paralelo do exército registra outras 1,4 milhão de armas. Desse total, os CACs possuem 1 milhão, número que triplicou no “governo” Bolsonaro. Para esses quase 3 milhões de armas “legais” foram vendidas em 2021 393 milhões de cartuchos de munição, mais do que o dobro do número registrado em 2017.
O “governo” Bolsonaro é a organização e a ampliação da repressão em defesa das classes dominantes, contra as classes dominadas. É a busca por reforçar um bloco político de extrema-direita, fascista, violento e armado, para servir como destacamento avançado da ofensiva burguesa na luta de classes. Um partido político, na prática, embora não formalizado diante da institucionalidade da democracia burguesa. Apenas as instituições militares componentes do ARE (forças armadas, polícias militares e civis e bombeiros) terão 1,9 mil candidatos neste ano, aumento de 27,5% em relação a 2018. Essa politização militar é largamente tributária do bolsonarismo e se junta à politização das milícias e seus domínios territoriais, conformando um bloco de atuação política cada vez mais conjunto e organizado. A ideologia burguesa da defesa da ordem, do “cidadão de bem”, da segurança, também serve como justificativa ideológica para essa ação política, articulada ao conservadorismo. Como ela se propõe a dar respostas, ideológicas, a problemas reais da violência (que ela mesma agrava!) essa ideologia acaba se consolidando nas camadas médias e penetrando em alguma medida nas classes trabalhadoras.
Do ponto de vista da burguesia na luta de classes, esse reforço da repressão e do autoritarismo do capitalismo brasileiro era (e ainda é) uma necessidade diante da conjuntura de maior exploração e miséria do proletariado e das demais classes dominadas, também uma necessidade para a retomada das taxas de lucro após a histórica recessão de 2014-16. Em pouco mais de três anos e meio de aprofundamento conjunto da repressão e da exploração sobre trabalhadores e trabalhadoras, quais resultados o “governo” Bolsonaro tem a apresentar para as classes dominantes? A seguir, sintetizamos essas “entregas” no aspecto que mais importa à burguesia, as taxas de lucro – tema que já havíamos abordado no texto “Brasil: o “paradoxo” de uma economia estagnada com lucros crescentes” e para o qual trazemos evidências adicionais.
Comecemos com os dados dos grandes monopólios do capital bancário, aqueles que estariam liderando, ou ao menos participando ativamente, dos manifestos “democráticos” da burguesia. De acordo com um colunista de finanças da Folha de São Paulo: “Os bancos nunca lucraram tanto quanto durante o governo Bolsonaro [roubando o bordão predileto do Lula para bajular a burguesia!]. Foram R$ 81,6 bilhões em 2021 de lucro, só com Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil. Antes de Bolsonaro, o máximo que tinham conseguido lucrar foi R$ 69 bilhões, em 2018”.
Do ponto de vista do crescimento econômico (da acumulação de capitais), o “governo” atual teve um desempenho pífio, mantendo a trajetória de estagnação da economia brasileira pós-recessão de 2014-16 – agravada pela crise da pandemia. A média anual do crescimento do PIB de 2018-22 deve girar ao redor de 1%.
E, no entanto, ainda assim, as taxas de lucro se recuperaram após a crise de 2014-16, cresceram enquanto a economia estagnava (2017-19) e voltaram a crescer em 2021, após a queda durante a recessão da pandemia em 2020. Nesses anos, desde a crise de 2014-16, houve uma quebra da correlação histórica entre a taxa de acumulação, que despencou, e a taxa de lucro, como podemos ver no gráfico abaixo, elaborado pelo economista Adalmir Marquetti.
No gráfico, de novo o “paradoxo” de uma economia estagnada (taxa de acumulação em queda) com a manutenção ou mesmo o crescimento da taxa de lucro.
O “paradoxo” de uma economia estagnada com lucros crescentes é o resultado da ofensiva burguesa e do brutal aumento da exploração da classe trabalhadora. Porém essa dissociação entre as taxas de acumulação e de lucro, que já dura mais de 5 anos, não deve se prolongar por muito mais tempo. Por um lado, uma taxa de lucro mais alta tende a estimular novos investimentos, uma maior reprodução ampliada do capital e o crescimento da taxa de acumulação. Por outro, a estagnação tende a retrair a taxa de lucro. Na conjuntura atual, considerando as perspectivas de desaceleração e/ou recessão nos principais países imperialistas e de redução nos preços internacionais de commodities, e domesticamente os juros elevados e o fim do pacote eleitoreiro, a maior probabilidade é de queda das taxas de lucro no país no futuro próximo. Para a burguesia brasileira, no entanto, a lógica parece ser a do “que seja infinito enquanto dure”.
Nessas circunstâncias, um aspecto importante para os principais candidatos a gestor do capital a partir do ano que vem (Lula e Bolsonaro) é a disputa para saber qual se mostrará mais capaz de adotar medidas contrarrestantes para essa provável queda da taxa de lucro – e, assim, conquistar o apoio burguês para o seu governo.
- O genocídio, principalmente das massas trabalhadoras e pobres, durante a pandemia de Covid-19
Em nosso documento de avaliação da conjuntura política, de outubro de 2021, afirmamos que o fato de o Brasil ser um dos países mais fortemente afetados pela pandemia de Covid-19 devia-se à “explícita e intencional sabotagem de Bolsonaro às medidas de saúde pública e ao desenvolvimento e à compra de vacinas”. Passados dois anos e oito meses de pandemia, os registros oficiais apontam o Brasil como o segundo país com mais mortes causadas pelo coronavírus, 684 mil, apenas atrás do 1,1 milhão de mortes nos EUA. Quando consideramos a taxa de mortes por mil habitantes, Brasil e EUA se igualam, com 3,2 – essa taxa é a maior do mundo para países populosos que registraram mais de 5 milhões de casos da doença.
Mas é público e notório que os dados brasileiros nesse caso são não apenas subestimados, mas também sabotados. Por um lado, trata-se de subnotificação devida à ausência de testagem ampla (também consequência da sabotagem governamental). Por outro, pela constante ação do ministério da saúde, seja com Pazuello, seja com Queiroga, para esconder os números e dificultar sua apuração. Por esses registros oficiais, o Brasil, no final de agosto, contava 684 mil mortos por Covid-19. Mas a metodologia de “excesso de mortalidade por causas naturais”, apurada pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), permite superar esses problemas e estimar a verdadeira mortalidade da pandemia – e da sabotagem governamental. Apurando o “excesso de mortes” em relação ao esperado em cada estado, por sexo e por idade, o Conass chegou a 939 mil mortos de 15 de março de 2020 a 8 de julho deste ano, 37% acima do número oficial.
No gráfico, a área cinza mostra o intervalo entre o mínimo e o máximo da mortalidade no país de 2015 a 2019. As linhas azul (2020), roxa (2021) e verde (2022), mostram claramente os períodos de pico da Covid-19, com mortalidade muito superior ao normal.
Sabemos que as principais vítimas fatais da pandemia se encontram entre as classes trabalhadoras e a população das periferias das grandes cidades, além da população idosa e com comorbidades. Essa característica e mais a política governamental de sabotar as medidas de proteção sanitária mostram que a sua política genocida tinha alvos certos, principalmente o proletariado e as massas trabalhadoras.
- Como derrotar a extrema-direita, fascista?
“A fascistização não irá ser derrotada pelas instituições burguesas, pela oposição parlamentar ou pelo ‘amor’ contra o ódio, a violência e a intolerância. A tendência ao fascismo, expressão política típica da etapa imperialista do capitalismo, só se rebate com o socialismo; com a reorganização do proletariado”.
Cem Flores. As eleições de 2018 e a necessidade de continuar e aprofundar a resistência das classes dominadas, de 30 de outubro de 2018, republicado no livro digital O Governo Bolsonaro: Ofensiva burguesa e Resistência Proletária, de maio de 2019.
Como esperamos ter conseguido deixar claro neste nosso documento, Bolsonaro significa, por um lado, a continuidade e o aprofundamento da ofensiva burguesa na luta de classes contra o proletariado e as demais classes dominadas e, por outro, a estruturação da extrema-direita, fascista, como organização política com iniciativa e capacidade de mobilização virtual e nas ruas.
Dessa caracterização decorrem duas conclusões necessárias, do ponto de vista dos e das comunistas:
- Derrotar Bolsonaro nas próximas eleições de outubro não resolverá nenhuma dessas duas características. Não impedirá a continuidade da ofensiva burguesa – que passará a ser assumida pelo novo presidente, Lula nesse caso, com os ajustes de praxe – e não representará a desorganização da extrema-direita, fascista.
- O inimigo de classe, a burguesia – seja sua vertente de extrema-direita, fascista, seja sua vertente reformista e oportunista, e seu aparelho de estado – somente poderá ser golpeada e posteriormente derrotada pela força majoritária da classe operária e das demais classes exploradas em luta, nas greves, nas ocupações, nas ruas, fortalecendo sua consciência, sua organização e criando seu instrumento para a construção do caminho revolucionário, o Partido Comunista.
Sabemos que no atual momento de virtual ausência da posição comunista com força de massas entre trabalhadores/as, de desorganização de nossa classe, de ofensiva burguesa e condições de vida cada vez mais precárias, resistir, organizar e lutar é muito difícil – mas por isso mesmo ainda mais necessário!
Essa resistência, organização e luta surge das próprias contradições do capitalismo, da oposição antagônica e inconciliável entre a burguesia e o proletariado, da cada vez maior exploração e repressão que as classes dominantes buscam impor às classes dominadas. A resistência, organização e luta proletária e de massas está presente nas greves da classe operária na Renault, Ford, GM, CSN, LG e Petrobrás; nas greves e mobilizações nos Correios, trabalhadores/as de aplicativos e garis; na mobilização popular nas periferias durante a pandemia; na revolta contra assassinatos policiais; assim como também esteve, no começo do “governo” Bolsonaro nas mobilizações contra o aumento nos transportes públicos, contra a reforma da previdência, na greve nacional da educação, na greve geral de junho de 2019, nos protestos que se seguiram e nas manifestações antifascistas e, antes disso, nos protestos durante a campanha de 2018. É a partir dessas resistências e lutas das massas trabalhadoras, as já existentes e reais, que os/as comunistas devem partir no seu trabalho diário de estar ao lado das classes trabalhadoras, compartilhando suas vidas e suas lutas, aprendendo com elas, e ajudando a construir a organização comunista e a organização da classe, instrumentos necessários para desenvolver e aprofundar essas lutas, vinculando-as ao objetivo maior de derrubar o capitalismo e construir o socialismo.
A negação ou o adiamento dessas tarefas fundamentais, sua substituição pelo eleitoralismo, pela conciliação/subordinação de classes, apenas continuará contribuindo para a desorganização da massa trabalhadora, para que ela não tenha uma política própria e independente, de classe, para o prolongamento da escravidão assalariada. E mesmo em relação ao aspecto estritamente institucional e “democrático”, eleitoral, continua válida nossa análise de 2018: “Ambas as crises [econômica e política], mesmo após as eleições, não possuem quaisquer indícios de que caminham para seu fim. Apenas tendem a mudar de patamar e forma”. E para aqueles que tentam tapar o sol com uma peneira, relembramos que “a existência de uma extrema-direita e de uma direita organizadas e com base social, deve permanecer ainda por muito tempo”.
A derrota do fascismo se faz com a organização e a luta das classes trabalhadoras em seus locais de trabalho, de moradia e nas ruas, combatendo o fascismo a partir de sua posição própria!